Óscar Pérez: militar morto na Venezuela é personagem ambíguo
Ex-piloto morreu em operação policial violenta. Conhecido por ações midiáticas, não era figura consensual dentro da oposição ao governo Maduro
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
A figura ambígua do ex-policial venezuelano Óscar Pérez tem sido alvo de debates desde que ele foi morto em uma operação policial violenta no último dia 15 de janeiro. A ação chegou a ser transmitida ao vivo no Instagram de Pérez — ocasião em que ele se filmou ensanguentado, dizendo que iria se entregar e suplicando para que os policiais parassem de atirar.
Nascido em 1981, Óscar Pérez era piloto policial do CIPC (Corpo de Investigações Científicas Penais e Criminalísticas) da Venezuela. A mídia venezuelana relata que ele serviu a corporação durante 15 anos até se tornar um desafeto do presidente Nicolás Maduro, em junho de 2017 — quando roubou um helicóptero da unidade onde trabalhava para disparar granadas contra prédios do governo em Caracas, no que chamou de uma rebelião contra o presidente. Veja linha do tempo abaixo.
Depois do ato de rebeldia, Pérez fez diversas publicações nas redes sociais declarando oposição ao governo, convocou venezuelanos a protestarem contra Maduro, foi classificado como ‘terrorista’ pelas autoridades, tornou-se alvo de uma verdadeira caçada das forças de segurança e assumiu ter comandado a invasão a uma unidade da GNB (Guarda Nacional Bolivariana) para roubar fuzis e outras armas.
No dia 16 de janeiro, o ministro do interior venezuelano Néstor Reverol confirmou a morte do dissidente em decorrência dos embates com a polícia e acrescentou que outros seis civis e dois agentes morreram na operação. Em coletiva de imprensa, Reverol afirmou que os atos cometidos por Pérez e seu grupo “qualificam-se na definição estabelecida no artigo 4º da Lei Orgânica contra o Crime Organizado e o Financiamento do Terrorismo, constituindo ataques claros e flagrantes contra instituições democráticas”.
A Anistia Internacional pede que o Estado venezuelano garanta que as autoridades civis investiguem a morte de Pérez de forma imparcial.
A diretora para as Américas da ONG, Erika Guevara Rosas, afirmou que é preciso “provar que esse não foi um caso de execução extrajudicial”. “Embora os fatos ainda não estejam estabelecidos, as autoridades estão apressando justificativas sobre o que aconteceu nessa operação de segurança. Infelizmente, esta não é a primeira vez que as autoridades venezuelanas justificam o uso de força letal simplesmente com base em acusações de ‘atividades criminosas’, desconsiderando o Estado de Direito.”
Opiniões divididas
De um lado, há quem diga que o governo agiu de forma truculenta e autoritária no episódio que culminou na morte de Pérez. De outro, comenta-se que o policial dissidente se utilizava de meios violentos e agia para ganhar atenção da mídia — e não por idealismo, conforme explica Guilherme Frizzera, mestre em integração da América Latina pela Universidade de São Paulo e doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília.
—Óscar Pérez foi um militar de uma divisão de elite dentro das forças armadas da Venezuela. Ele não era qualquer tipo de militar, tinha um treinamento altamente avançado. Internamente, ficou conhecido como o Rambo venezuelano.
De fato, não faltam motivos para acreditar que Pérez gostava de ser o centro das atenções: em 2015, ele chegou a trabalhar como ator em um filme de ação chamado Muerte Suspendida (‘Morte Suspensa’, em português). A obra mostra o sequestro de um empresário e sua posterior libertação por policiais de uma tropa de elite.
O que chama mais atenção, no entanto, era a atuação do próprio Pérez nas redes sociais, como destaca Frizzera:
— Mais por seus vídeos, diziam que ele tinha uma coisa teatral, midiática, ele filmava as próprias ações como com fins mais midiáticos do que idealistas.
Fosse Pérez um exibicionista ou não, o especialista da UnB ressalta que o que pode vir a complicar Maduro é o fato de que a certidão de óbito do ex-piloto — divulgada por sua família nas redes sociais — diz que ele foi morto com um disparo na cabeça.
— Isso pode levantar a possibilidade de que ele foi executado, e não simplesmente morreu em uma troca de tiros. E execução por parte do Estado é, sim, um crime contra direitos humanos.
Da violência à união dos opositores
Marcus Vinícius Freitas, professor de Relações Internacionais da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), de São Paulo, lembra que a violência contra opositores tem sido uma constante no governo de Nicolás Maduro e diz que o episódio envolvendo a morte do piloto desertor é só mais um reflexo das posturas autoritárias adotadas pelo presidente.
— O ano de 2017 foi, sem dúvida, um dos mais violentos da história na Venezuela: houve várias detenções de civis em protestos e vários julgamentos de civis por militares. A perseguição a Óscar Pérez, sua morte e a forma como o processo se desenrolou são resultado de um governo cada vez mais despreocupado com a questão dos direitos humanos.
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Na opinião de Freitas, o atual governo venezuelano enfrenta desafios sérios por conta da rejeição internacional e do caos econômico que país enfrenta:
— A morte de Pérez pode ter sido levada a cabo com fins didáticos para que outros elementos não tentem se rebelar.
Por outro lado, a figura do ex-piloto também pode se tornar a de um mártir dos grupos opositores — o que daria novo fôlego para que a parte da população se unisse contra o presidente.
— Isso é algo que a oposição na Venezuela ainda não conseguiu: encontrar um símbolo que, de alguma forma, aglutine todo o movimento. Se essa situação com o Óscar Pérez for devidamente explorada pelos grupos opositores, os venezuelanos podem passar a entender que governo não é democrático e que aqueles que se opõem têm uma sentença de morte decretada.
Frizzera, porém, discorda — especialmente pelo fato de que Pérez pregava o uso de armas para derrubar o governo. Segundo o especialista, os grupos opositores integrados até pouco tempo atrás na Venezuela se dividiram justamente depois que os protestos se tornaram mais violentos.
— Pérez não estava diretamente ligado a essa união das oposições ao governo Maduro. A luta dele não parece ter se concentrado na parte política, e sim da parte de ação, de pegar em armas, o que é completamente contrário ao que a oposição buscava. Havia, sim, manifestações mais incisivas, mas em nenhum momento o discurso oficial das oposições foi de confrontar e partir para uma guerra civil.
Discussões sobre o futuro
De um jeito ou de outro, é certo que a figura de Pérez e sua morte devem pautar as discussões políticas que se desenrolam dentro e fora do país.
Autoridades do governo e a coalizão opositora vinham se reunindo para discutir os rumos da Venezuela, mas as negociações fracassaram depois que o ministro do Interior, Néstor Reverol, afirmou que foram os grupos opositores quem forneceram as informações que viabilizaram a operação do último dia 15. Igor Fuser, professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC paulista, conclui:
— O episódio deve contribuir para uma divisão ainda mais profunda entre os opositores, principalmente se for verdadeira a versão oficial de que a localização de Óscar Pérez só foi possível graças a informações procedentes do próprio campo oposicionista. Além disso, as pesquisas de opinião pública assinalaram o amplo repúdio da população venezuelana à violência característica de Pérez. Por outro lado, a derrota dessa oposição violenta, coroada com a morte dele, favorece o diálogo e a busca de uma via pacífica e democrática. Os setores oposicionistas que apoiam o diálogo se fortalecem enquanto os extremistas se isolam e se debilitam.