Pandemia gera sofrimento em dobro para brasileiros na Espanha
Depois de semanas vivendo em um dos epicentros do coronavírus no mundo, comunidade de imigrantes vê país natal se tornar um dos focos da doença
Internacional|Da EFE, com R7
Vivendo na Espanha, imigrantes brasileiros sofreram duas vezes com a pandemia. A primeira dor foi estar em um dos países mais afetados pelo coronavírus durante março e abril. A segunda, acompanhar de longe a evolução do coronavírus no Brasil.
No mesmo dia em que a Espanha decretou o fim do estado de alarme, no dia 21 de junho, o Brasil alcançou a marca de 50 mil mortes e mais de um milhão de casos confirmados de covid-19, um número que não para de subir.
Quase 100 mil brasileiros vivem na Espanha, segundo dados oficiais, e a piora da situação no país natal causou preocupação e ansiedade na comunidade.
Os dados mais recentes colocam o Brasil como o segundo país do mundo em número de mortes, com 61 mil mortes, além de cerca de 1,5 milhão de infectados.
No entanto, viver a doença em outro país, entender a importância de medidas de segurança para a contenção do vírus ou ter trabalhado na linha de frente na Espanha ajudou na conscientização dos amigos e familiares do outro lado do oceano sobre a gravidade da pandemia.
Alertas sobre a covid aos que estão no Brasil
A brasileira Caroline Timm, que mora na Espanha há 15 anos e possui um blog onde fala sobre a vida no país, utilizou redes e mensagens para isso.
"Quando começamos a quarentena em Madri, meus parentes e amigos viram a pandemia através da minha realidade, e tentei contar o que estava acontecendo em minhas redes sociais. As pessoas começaram a ter um pouco mais de consciência do que estava acontecendo na Espanha", disse ela para a EFE.
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"Não considerar a covid-19 um assunto sério é muito preocupante. Temos que deixar claro que não é uma gripe e que continua a matar milhares de pessoas", acrescenta Timm.
A desinformação parece ser um dos fatores agravantes da crise da saúde no Brasil. Em 23 de junho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um alerta para a possibilidade de subnotificação de casos no país.
A enfermeira brasileira Keila Cristina trabalhou por mais de dois meses em um hospital que recebeu pacientes diagnosticados com coronavírus em Cercedilla, uma cidade nas montanhas da região de Madri.
Para ela, o Brasil ainda não toma as medidas preventivas necessárias. "Aqui tivemos as mesmas informações e as medidas foram para todos. No Brasil, vemos que há falta de informação e unidade", diz a enfermeira à Efe.
No momento, o Brasil registra entre 600 e mil mortes por dia para o desespero dos brasileiros na Espanha.
Brasileira grávida contraiu covid-19
Timm e Cristina não foram diagnosticadas com o novo coronavírus, mas a brasileira Rubia de Oliveira, de 30 anos, que mora em Madri há três anos e meio, sim.
Grávida de 30 semanas, a fisioterapeuta começou a sentir os sintomas duas semanas após o início do estado de alarme em Madri, no dia 15 de março.
Com muita tosse, febre e exaustão, sintomas não comuns em uma gravidez, Rubia suspeitou que havia contraído o vírus.
"Infelizmente, não era apenas uma 'gripe' e, junto com a gravidez, passei por um momento muito difícil. Ter que ir ao hospital era o meu maior medo", diz Rubia, que tinha orientação médica por telefone a cada três dias.
A recuperação levou dez dias e o parto, com todas as medidas de segurança, correu muito bem: "Eu nunca imaginei que daria à luz com uma máscara ou que não seria capaz de ver a reação do meu marido, que estava com o rosto coberto. Nossa primeira foto foi com máscaras, mas o importante é que estamos bem, são lembranças engraçadas de tempos difíceis."
Mãe de primeira viagem, Rubia contava tudo para os pais, que queriam viajar para a Espanha para acompanhar o parto, mas isso era impossível já que o país fechou as fronteiras e brasileiros ainda não tem permissão para viajarem para a Europa.
Preocupação com o país natal
Apesar de tudo, as preocupações não ficam restritas a Madri. "Estou com muito medo do que pode acontecer com o Brasil", diz Rubia, que depois de passar pela doença gravou um vídeo dizendo a amigos e parentes sobre a gravidade do coronavírus: "Não deixei de enviar essa mensagem para alertar a todos e eu sei que isso os ajudou a começarem a tomar precauções”.
A enfermeira Keila diz que fez o mesmo. Depois de longos dias de trabalho no hospital, quando a Espanha alcançou números alarmantes de casos e mortes, ela começou a se dedicar a conversar com cidadãos brasileiros por meio de redes sociais para contar o que estava acontecendo.
"Fiquei surpresa ao ver brasileiros comparando doenças e tratando mortes frivolamente. Há coisas que podem ser resolvidas, como a fome ou a economia, mas as consequências do coronavírus e, pior ainda, as mortes, não", afirma.
Depois de experimentar o início do surto na Espanha, trabalhando como profissional de saúde durante a crise e vendo os resultados das medidas e a falta de confiança, Keila reflete: "Toda a vida tem seu valor. Me machuca muito a declaração (do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro) em março de que ‘alguns vão morrer?’ Eles vão morrer, desculpe, isso é vida’. São pessoas, vidas humanas perdidas com histórias e famílias que ajudaram a construir o país."
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