Poder em expansão: China investe pesado na reconquista da África
O presidente Xi Jinping anunciou que a China pretende transferir US$ 60 bilhões para o continente africano, entre empréstimos e investimentos
Internacional|Beatriz Sanz, do R7
Os Estados Unidos continuam sendo o maior parceiro comercial e investidor na África. Apenas em doações que não visam nenhum retorno, o Tio Sam garantiu para a Mama África cerca de US$ 12 bilhões apenas para a África Subsaariana e outros US$ 250 milhões para o Norte da África.
No entanto, nas últimas duas décadas, a China começou a notar a África como uma grande parceira comercial e os dados confirmam: os investimentos e empréstimos da China para as nações africanas só aumentam.
A China, atualmente a maior rival comercial dos Estados Unidos, parece disposta a reconquistar a África.
Para isso, o gigante asiático não teve receios de abrir a carteira. As relações econômica e diplomática entre os países africanos e a
China começaram a se fortalecer no início dos anos 2000, com o início da era expansionista da China, como explica o professor de Relações Internacionais da UERJ Mauricio Santoro.
Nesse período, os empréstimos chineses para os países da África passaram de menos de US$ 1 bilhão em 2000 para cerca de US$ 30 bilhões em 2016.
Esse dinheiro chegou na África na forma de empréstimos sem juros, linhas de crédito especiais e fundos de desenvolvimento.
Além do próprio governo, as empresas chinesas também viram no continente africano um novo filão a ser explorado e partiram para cima.
Nos últimos dias 3 e 4 de setembro aconteceu na China a reunião do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC) 2018. Dos 54 países que compõem a África apenas o reino de eSwatini (antiga Suazilândia) não estava presente.
Neste ano, o presidente chinês Xi Jinping se comprometeu a investir US$ 60 bilhões em todo o continente africano. De toda essa bolada, US$ 50 bilhões sairão dos cofres do governo, enquanto os outros US$ 10 bi serão desembolsados por grandes empresas chinesas.
Interesses da China na África
Um dos principais interesses chineses no continente africano é a importação de materiais como petróleo, minérios e alimentos, detalha Santoro.
O professor da UERJ destaca também que nos últimos anos “alguns países africanos apresentaram um crescimento econômico significativo”, além de uma “expansão considerável da classe média”, o que significa que esses países se tornam mercados promissores para comprar produtos chineses num futuro próximo.
As principais empresas chinesas atuando em solo africano são empreiteiras de grande porte, que desenvolvem a infraestrutura do país.
Para o professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Eduardo Mello, o conhecimento que os chineses têm na construção de grandes obras pode, de certa forma, ajudar no desenvolvimento do continente africano.
“Para construir a infraestrutura você precisa de dinheiro e de gente especializada em grandes obras. A China certamente tem as duas coisas”, declara, Mello.
Um grande exemplo desse desenvolvimento chinês na África é a cidade de Adis Abeba, capital da Etiópia que está se transformando em um misto de uma grande metrópole chinesa com uma cidade africana com seu crescimento desordenado.
Todas as grandes construções da capital etíope foram feitas por construtoras chinesas.
Está fincado no solo de Adis Abeba um edifício que funciona como símbolo da relação entre África e China: a Sede da União Africana (UA) foi entregue em 2012 como um presente do governo chinês para o povo africano.
O presente, no entanto, está envolto em polêmicas. Em janeiro deste ano o jornal francês Le Monde noticiou que a China estava espionando os governantes africanos que se reuniam na sede doada. Tanto a China quanto a União Africana negaram a espionagem.
Tensões culturais e criação do imaginário
Não existem dados oficiais, mas especula-se que cerca de 1 milhão de chineses passaram a viver na África, desde que a relação comercial entre os países se fortaleceu. A atuação das construtoras chinesas em países como Etiópia, África do Sul e Moçambique levou também uma massa enorme de funcionários.
Além, é claro, das pessoas que largaram tudo na China para começar uma nova vida no continente até então, desconhecido. Muitos chineses decidiram investir em pequenos negócio na África, assim como acontece no Brasil.
No entanto, essa presença maciça de estrangeiros pode gerar tensões culturais.
“A relação entre os chineses com os africanos nem sempre é boa”, afirma Santoro, destacando que boa parte dos investimentos chineses são em áreas de exploração de minérios, de petróleo ou de infraestrutura que podem causar protestos trabalhistas e degradação do meio ambiente.
Para o professor, consequentemente isso pode gerar uma “rejeição ou medo dos chineses”.
Mas o que poderia ser um problema, se transformou em uma oportunidade para a China. a indústria cinematográfica chinesa que também cresce a olhos vistos entendeu que poderia ganhar dinheiro com a criação de um novo imaginário. E ganhou.
O filme mais lucrativo de 2017 na China se chama “Lobo Guerreiro 2” e apresenta a história de um mercenário que precisa resgatar compatriotas que foram sequestrados em um país não identificado da África.
Santoro escreveu uma resenha sobre o filme e explica que na obra, chineses e africanos são amigos e o inimigo em comum são mercenários ocidentais que são cruéis e racistas.
Segundo a crítica do professor, o filme explora o patriotismo chinês e traz dilemas atuais como epidemias de doenças e guerras civis, muito comuns no continente africano.