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Pressão turística e mudanças climáticas ameaçam litoral da Califórnia

Big Sur lida com o desafio de manter o turismo, do qual a comunidade depende economicamente, enquanto também limita o impacto de milhões de visitantes no ambiente frágil da área

Internacional|Lauren Sloss, do The New York Times

A comunidade da região de Big Sur enfrenta o desafio de manter o turismo e limitar o impacto que os visitantes causam no meio ambiente Drew Kelly/The New York Times

Os cerca de 110km da costa da Califórnia que compõem a área não incorporada de Big Sur têm uma aura lendária, quase mística, e sua beleza impressionante é um dos motivos principais. Com florestas de sequoias, vistas deslumbrantes do Pacífico, rios sinuosos e fontes termais naturais, a região atrai celebridades, artistas e milhões de visitantes há décadas. É tanta gente que, hoje, Kirk Gafill, presidente da Câmara de Comércio de Big Sur, estima que 90% da economia local dependem do turismo.

Mas está cada vez mais difícil chegar à região e morar lá. A via principal de Big Sur é a Highway 1, estrada pitoresca de duas faixas construída entre 1919 e 1937 como parte de uma iniciativa estadual para transformar a costa da Califórnia em uma atração turística acessível para automóveis. Nos últimos dois anos, a área foi atingida por incêndios, tempestades de inverno intensas e deslizamentos de terra que chegaram a isolar a comunidade durante meses. Em março, um trecho da estrada desmoronou no mar, restringindo o trânsito de veículos só para os residentes durante dois meses. Outro deslizamento, em fevereiro, continua bloqueando a porção sul da costa: no mês passado, os trabalhos de remoção de entulhos da estrada foram suspensos por tempo indeterminado. Segundo o Departamento de Transporte da Califórnia (Caltrans), essa parte da rodovia não será reaberta antes de 2025. “É, provavelmente, um dos lugares mais desafiadores entre os 48 estados contíguos para manter uma estrada aberta na região costeira”, disse Jonathan Warrick, pesquisador de geologia do Serviço Geológico dos Estados Unidos, que vive em Santa Cruz.

Não há como escapar do fato de que a costa está desmoronando no mar. Embora esses problemas não sejam novos para a região – a composição geológica de Big Sur torna os deslizamentos inevitáveis desde que a Highway 1 foi esculpida nas montanhas de Santa Lucia –, a frequência com que ocorrem e a gravidade das interdições tornaram os últimos anos difíceis. Assim como outros destinos turísticos populares estão enfrentando os efeitos das mudanças climáticas ao redor do mundo, de Veneza à Grande Barreira de Corais da Austrália, Big Sur lida com o desafio de manter o turismo, do qual a comunidade depende economicamente, enquanto também limita o impacto de milhões de visitantes no ambiente frágil da área.

Para os moradores e os visitantes, há uma necessidade urgente de preservar o que ainda existe e encontrar uma forma de conviver com essa paisagem inspiradora. Isso é particularmente desafiador em razão da geografia peculiar da região, da falta de um órgão governamental único e da crise habitacional crescente que ameaça reduzir ainda mais a população de Big Sur que vive lá em tempo integral.


Uma área supervalorizada?

“As pessoas vêm do mundo inteiro para dirigir pela Highway 1, de San Francisco a Los Angeles, ou vice-versa. E Big Sur é como nossa Torre Eiffel”, afirmou Rob O’Keefe, presidente e CEO da agência de turismo See Monterey.

Placa de alerta para interdição devido a deslizamentos na Highway 1, em Big Sur, uma grande atração da região Drew Kelly/The New York Times

O aumento do interesse na região resultou em problemas de turismo excessivo, mesmo antes que as mudanças climáticas intensificassem o número de incêndios e de eventos extremos relacionados ao clima. A quantidade exata de visitantes anuais de Big Sur é difícil de estimar – ao contrário de um parque nacional, não há entradas monitoradas –, mas o condado de Monterey recebe de quatro a cinco milhões de visitantes por ano, segundo a See Monterey, e muitos visitam especificamente Big Sur. Por outro lado, o número de residentes permanentes é de aproximadamente 1.500, segundo o censo mais recente dos EUA.


Isso costuma gerar conflitos na Ponte Bixby Creek, arco de concreto elegante sobre um desfiladeiro de 79 metros de altura, ponto turístico famoso pela beleza e por sua presença em sucessos da cultura pop, como a série “Big Little Lies”, da HBO. A ponte costuma receber um grande número de visitantes, resultando em congestionamentos enormes, estacionamento irregular e uma busca por selfies que frustra os viajantes e os moradores. Também no Parque Estadual Julia Pfeiffer Burns e no Soberanes Point, formação rochosa do Parque Estadual Garrapata, as multidões sobrecarregam rapidamente a estrada e a paisagem.

Isso tem sido frustrante para os moradores, que dependem da Highway 1 para chegar ao trabalho, levar os filhos à escola e simplesmente viver na área. “De modo geral, a Highway 1 é a única opção na área”, disse Kevin Drabinski, oficial de informações públicas do Distrito 5 do Caltrans, que atende a região de Big Sur.


Essas frustrações são agravadas pelo desafio enorme que é morar em Big Sur atualmente. Muitos residentes precisaram ir embora em razão do custo de vida alto – um apartamento de 28 metros quadrados pode custar US$ 6.700 por mês – e muita gente do local é forçada a se deslocar de 48 a 72 km de distância para chegar ao trabalho. A viagem, claro, fica ainda mais complicada com as interdições nas estradas e o tráfego.

Kate Daniels, nova supervisora do Distrito 5 do condado de Monterey, que inclui Big Sur, Carmel-by-the-Sea e Monterey, sugere que mais habitações para as pessoas que trabalham em Big Sur ajudariam a aliviar os problemas de tráfego (quanto menos deslocamentos, menos carros na rodovia). Isso também é imprescindível para manter o caráter do lugar. “Nossa economia depende do turismo e das visitas. Não vamos ter uma indústria de turismo viável se as pessoas que a sustentam não puderem mais pagar para viver aqui.”

Uma recuperação turística desigual

De acordo com dados da See Monterey, o turismo no condado ainda não se recuperou totalmente da pandemia: os gastos dos visitantes no condado de Monterey foram de US$ 3 bilhões em 2023, em comparação com US$ 3,2 bilhões em 2019. Parte disso se deve à lenta recuperação do turismo internacional na região (cerca de metade do que era antes da pandemia), dado que a Highway 1 é uma grande atração; isso é continuamente agravado pelas interdições nas estradas.

Muitos residentes precisaram ir embora em razão do custo de vida alto Drew Kelly/The New York Times

Segundo Gafill, presidente da Câmara de Comércio e proprietário do Nepenthe, restaurante no topo de um penhasco inaugurado em 1949, o número de visitantes neste verão setentrional foi cerca de 10% menor do que em 2023. A incerteza em relação à estrada também resultou em cancelamentos.

John Handy é proprietário do Resort Treebones, acampamento de luxo com acomodações que incluem tendas yurts, cabanas e um ninho humano, localizado na região sul de Big Sur, que foi isolada do restante da comunidade por mais um deslizamento de terra em janeiro de 2023. No auge da temporada de verão, estava com cerca de 60% de ocupação. “Parece bom, mas normalmente nessa época do ano estaríamos com 100%. Isso pesa”, afirmou Handy no fim de julho.

Gafill observou que, embora os deslizamentos de terra e as interdições das estradas não sejam novidade, a frequência dos problemas nos últimos anos, começando com um incêndio florestal devastador em 2016, parece mesmo sem precedentes.

Além disso, o aumento do risco de incêndios florestais em anos de seca e as chuvas mais intensas e concentradas em anos úmidos em decorrência das mudanças climáticas ameaçam tornar os deslizamentos de terra uma ocorrência ainda mais frequente, afirmou Warrick, o geólogo. “Essas paisagens deslumbrantes também são muito ativas e dinâmicas. E isso significa que podem representar riscos.”

Quais são as soluções?

Os esforços para manter a beleza selvagem da região são uma parte fundamental do Plano de Uso do Solo de Big Sur (LUP, sigla em inglês), que foi desenvolvido em 1986 e que serve como o documento mais próximo de uma regulação governamental para a área não incorporada. Além de estabelecer limites rígidos para as novas construções, o plano visa proteger o que define como o “panorama” da região. Em resumo: se é visível da estrada, não pode ser edificada. O LUP está sendo atualizado pela primeira vez desde 1986, considerando novos desenvolvimentos turísticos, como os gamplings, e as pressões sobre a comunidade, incluindo a escassez de moradia, os problemas com os incêndios florestais e a falta de capacidade na Highway 1. A versão revisada do LUP será submetida à comissão de planejamento do condado de Monterey neste outono ou no inverno setentrionais. “É muito importante preservar e proteger essa paisagem, ou não vai haver sustentabilidade econômica”, disse Daniels.

Os desafios são particularmente críticos por causa do mosaico único de entidades que compõem Big Sur – o território é de responsabilidade do Serviço Florestal dos Estados Unidos, dos Parques Estaduais da Califórnia e de proprietários privados. A própria Highway 1 é gerida pela Caltrans.

No Parque Estadual Julia Pfeiffer Burns, multidões sobrecarregam a estrada e a paisagem Drew Kelly/The New York Times

Algumas dessas entidades iniciaram suas tentativas de lidar com os problemas – ou ao menos publicaram sugestões – relativos ao turismo. O Plano de Gestão de Turismo Sustentável de Big Sur, liderado pela Associação Comunitária de Big Sur, organização sem fins lucrativos, em colaboração com a Beyond Green Travel, empresa de consultoria de viagens sustentáveis, e um comitê diretivo de membros da comunidade, foi concluído em 2020. A Estratégia de Gestão de Visitantes na Zona Costeira, liderada pelo Serviço Florestal dos Estados Unidos, foi concluída este ano.

Outras medidas foram tomadas por autoridades locais em resposta a reclamações da comunidade. Em setembro, entrou em vigor uma portaria aprovada pelo Conselho de Supervisores do condado de Monterey que proíbe o estacionamento na rodovia Old Coast, que se conecta à Ponte Bixby Creek.

Mas a Highway 1 apresenta um desafio único de gestão: não há uma maneira prática de controlar o fluxo de carros na região. “Parece haver um ciclo em que, de tempos em tempos, as pessoas sugerem transformar a Highway 1 em uma estrada com pedágio. Isso não vai se concretizar. Não é compatível com a legislação estadual”, comentou Daniels. O que poderia ser feito, segundo ela, é reativar o transporte público da região, que foi eliminado em 2020, ou estabelecer um serviço de transporte. Mas, em última análise, não há como limitar rigorosamente o número de visitantes que vão à costa.

“É como diz Henry Miller: ‘Todo mundo quer ser o último invasor.’ Todos nós queremos levantar a ponte assim que estivermos do outro lado dela”, afirmou Magnus Toren, diretor da Henry Miller Memorial Library, livraria e espaço para eventos escondida entre as sequoias, em referência a uma passagem do livro de Miller, “Big Sur e as Laranjas de Hieronymus Bosch”.

As propostas de mudança recaem sobre o problema da fiscalização. Para a Highway 1, geralmente há apenas um oficial da Patrulha Rodoviária da Califórnia responsável, ao mesmo tempo, pelos 113 km de costa. A Caltrans está constantemente trabalhando para manter a rodovia e também lidar com os deslizamentos de terra. E, não importa o que venha a ocorrer no futuro – e é quase certo que a terra continuará se movimentando –, a prioridade será manter a estrada aberta.

“Meu desejo é que todos os envolvidos aqui se sintam orgulhosos de fazer parte deste lugar extraordinário. E que esse sentimento se manifeste na ideia de que esta região merece força, proteção e restauração”, disse Toren.

c. 2024 The New York Times Company

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