Primeira guerra evoluiu de conflitos locais para combates globais
Fronts de combate que se espalharam pelo mundo tiveram origem nos confrontos territoriais de uma Europa que vivia em franco crescimento
Internacional|Eugênio Goussinsky e Cristina Charão, do R7
Os primeiros anos do século XX foram de bonança na Europa da Bèlle Epóque — a "Bela Época" do continente. Mas a fartura econômica, o desenvolvimento tecnológico e a riqueza cultural conviviam com conflitos localizados que mantinham a tensão no ar.
A França queria recuperar a Alsácia e a Lorena da Alemanha (perdidas na Guerra Franco-Prussiana de 1870). A Alemanha e a Itália estavam descontentes com o número de colônias que mantinham na África e Ásia.
Na outra ponta da Europa, dois grandes impérios Império Otomano — que dominava boa parte da Europa Oriental, do Oriente Médio e territórios no Norte da África — entrava em decadência.
Isso aprofundou o nacionalismo de sérvios, croatas, gregos, turcos e eslavos em geral, que queriam se libertar do Império. Nesta região, as Guerras Balcânicas já vinham demonstrando o interesse das nações, principalmente dos sérvios, de ampliarem domínios.
O Império Russo era aliado dos sérvios e também estava interessado em aumentar a influência nos Balcãs. Porém, vivia um momento interno de grandes insatisfações populares.
E em meio a estes conflitos nacionalistas, estava o Império Austro-Húngaro, que também se estendia sobre parte dos Balcãs e era palco de confrontos das várias nacionalidades da região.
Leia também
É deste cenário de conflitos localizados que emerge a Primeira Guerra Mundial. Ao longo dos quatro anos oficiais do confronto, os combates se globalizaram, também impulsionados por interesses locais.
O estopim foi acesso por nacionalistas sérvios. Em 28 de junho de 1914, o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, e sua esposa, foram assassinados durante visita a Sarajevo, na Bósnia.
Um grupo da organização Mão Negra, defensor da causa dos sérvios, planejou o ataque. Os tiros fatais foram disparados pelo jovem sérvio-bósnio Gavrilo Princip.
Fronts globalizados
A morte do arquiduque serviu como pretexto para que o governo austro-húngaro, aliado da Alemanha, invada a Sérvia em 28 de julho, dando início ao conflito que, em pouco tempo, se tornaria mundial.
Em 4 de agosto, o primeiro-ministro britânico, Henry Asquith, declara guerra à Alemanha, do imperador Guilherme II.
A França, dos nacionalistas Raymond Poincaré (presidente) e Georges Clemenceau (primeiro-ministro), ficou ao lado dos ingleses e, de olho nas questões territoriais, também declarou guerra aos alemães.
Os russos, que mantinham com as duas potências o acordo da Tríplice Entente, vão para a batalha na fronteira com o Império Austro-Húngaro. Mas a fome e as perdas de vidas provocadas pela Primeira Guerra alimentam as insatisfações e o império é derrubado pela Revolução Russa, fazendo com que as tropas deixassem os fronts.
Os Estados Unidos entram na guerra, em abril de 1917, para ajudar a Tríplice Entente, cujos países eram grandes compradores de armas americanas.
Já a Itália, mudou de aliança, deixando seu acordo com a Alemanha e a Àustria-Hungria para juntar-se à Entente, após promessas de ganho de territórios.
O Japão, a milhas de distância, se contaminou com a atmosfera imperialista e entrou na Guerra, buscando conquistar colônias da Alemanha no Oceano Pacífico, bem como concessões alemãs na China.
Até o Brasil declarou guerra à Alemanha, em novembro de 1917, depois de ter quatro navios mercantes serem torpedeados por submarinos alemães. A participação brasileira foi quase simbólica, com o envio de alguns oficiais e médicos para a Europa e o envio de navios da Marinha para fazer a guarda da costa africana.
Competição bélica
Foi um momento em que a competição para determinar quem tinha o maior poderio bélico prevaleceu, conforme afirma Daniela Molina, professora de História e mestre em Educação pela USP.
— Os avanços tecnológicos permitiam uma espécie de experimentação do poderio militar das nações envolvidas no conflito. Esses avanços acabaram revolucionando os combates no início do século XX e até mesmo determinando o curso e o resultado dos conflitos.
O território francês foi o núcleo estratégico da guerra. Lá, os alemães fizeram avanços e estiveram perto da vitória.
O Plano VII francês buscava recuperar de primeira a Alsácia e a Lorena, bem como também conquistar a região industrial da Renânia.
Mas os franceses se empolgaram no nacionalismo, já que tinham menos recursos militares que os alemães. Somente graças ao apoio britânico, não viu Paris ser conquistada pelos alemães, na Batalha do Marne.
Depois, na mortífera Batalha de Verdun, a França obteve uma vitória tática, naquela que foi a mais longa e sangrenta batalha daquela guerra, entre 21 de fevereiro e 18 de dezembro de 1916.
Aos poucos, portanto, os alemães foram perdendo territórios e recuando. A França então lidera em mais uma batalha: a Ofensiva dos 100 Dias.
Mas o fim da guerra teve contribuição decisiva dos dois países a entrarem mais tarde nos combates.
Entre 24 de outubro e 3 de novembro de 1918, na Batalha de Vittorio Veneto, com atuação decisiva da Itália, o exército austro-húngaro capitulou, deixando a Alemanha combatendo sozinha.
Isolado e acuados pelo fornecimento de armas e petróleo dos EUA aos Aliados, os alemães foram perdendo terreno.
Derrota, vergonha e a próxima guerra
O tratado de armistício assinado em 11 de novembro exigiu que a Alemanha deixasse de ser um monarquia, inaugurando a República de Weimar. Em seguida, foram registrados uma sequência de armistícios entre participantes do conflito, como a Bulgária e o Império Otomano.
A derrota culminou com o Tratado de Versalhes. Assinado em 1919, o acordo encerrou formalmente a guerra.
A Alemanha perdeu parte de seu território fronteiriço e todas as colônias. Teve a atuação de seu exército restrita e pagou uma gigantesca indenização que causou forte crise econômica no país.
Para Molina, situações como a da Primeira Guerra devem servir de alerta para a humanidade.
— O caminho para evitarmos que conflitos como esses se repitam é mantermos a memória histórica dessas tragédias e de suas vítimas. A tomada de consciência coletiva das dimensões e consequências de tragédias como essas configura-se numa forma de resistência a elas. A única saída é não esquecer.
Naquele momento da história, isto não ocorreu. A comemoração pelo fim da Primeira Guerra deu lugar poucos anos depois a novos conflitos.
A humilhação com a derrota levou a população alemã a um período de revolta silenciosa, na busca de vingança e alimentada por um nacionalismo exacerbado.
Esses ingredientes foram determinantes para o país eleger em 1933 o Partido Nacional Socialista, entusiasmado com as promessas de Adolf Hitler, que viria a ser um ditador, levando o país a uma derrocada ainda maior, no momento em que provocou a Segunda Guerra Mundial.
Mas essa é uma outra história. Ou melhor, uma trágica continuação do que não foi resolvido na Primeira Guerra.
GALERIA DE FOTOS — Das armas químicas ao dia a dia nas trincheiras: veja fotos da 1ª Guerra
**** EMBEDAR GALERIA COM MESMO TÍTULO ****