Quais são os desafios para a China no confinamento de Xangai?
Política de Covid zero é eficaz a curto prazo, mas começa a causar transtornos para o maior centro financeiro do país asiático
Internacional|Lucas Ferreira, do R7
Nas últimas semanas, as 26 milhões de pessoas que moram em Xangai, o maior centro financeiro da China, vivem uma dura política de confinamento para controlar o novo surto de Covid-19 na grande potência industrial da Ásia. O município chegou a registrar 3.594 casos da doença em um único dia.
Como principal medida de combate ao novo coronavírus, os chineses implementaram, desde o início da pandemia, períodos de confinamento em cidades que sofriam surtos da doença. Apesar de eficaz, o lockdown de milhões de pessoas tem um grande número de problemas.
O professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Mario Dal Poz, que trabalhou por 12 anos junto à OMS (Organização Mundial da Saúde), explicou em entrevista ao R7 que o confinamento em massa é uma resposta apenas no curto prazo.
“Essa medida tem muita eficácia a curto prazo, mas a médio e longo prazos tem problemas importantes. Ela precisaria ser associada com outras medidas. A associação imediata que eles fazem desde o início é testagem. Testagem em massa. Essa é a única maneira de identificar os casos”, afirma Dal Poz.
Forçar milhões de pessoas a ficarem em casa durante semanas é um grande desafio. Uma das maiors dificuldades das autoridades chinesas é criar uma logística para a entrega de alimentos e outros artigos de necessidade básica a todos que estão vivendo em isolamento.
Dal Poz destaca que as duras medidas adotadas na cidade impactam a economia da China e, por consequência, o comércio no mundo. "Xangai é um centro comercial internacional importante de circulação de mercadorias, e já se começa a ter consequências globais.”
Medidas duras na China não se comparam às do Brasil
Os brasileiros não vivenciaram confinamentos parecidos com os que os chineses enfrentaram desde o início da pandemia. Como comparação, a cidade de São Paulo registrou mais de 1,9 milhão de casos de Covid, enquanto Xangai chegou a 46 mil na última segunda-feira (25).
“O Brasil vive uma situação em que tudo está aberto, o uso de máscara praticamente não é obrigatório, e o comprovante de vacinação deixou de ser exigido. Porém, os números aqui são bem maiores do que os de Xangai”, ressalta Dal Poz.
Para o professor da Uerj, os números da pandemia na China, comparados aos do Brasil, mostram que a medida de confinamento é eficaz, apesar dos diversos problemas e dificuldades que traz consigo.
“Penso que em algum momento eles terão que repensar esse modelo de Covid zero não só porque o mundo abriu, mas porque do ponto de vista econômico é insustentável até para a China, com todos os mecanismos [de controle] que eles têm.”
As vacinas chinesas são menos eficazes?
Dal Poz diz que as vacinas chinesas são tão eficazes quanto outras desenvolvidas pelo Ocidente, como Pfizer e AstraZeneca. Entretanto, os imunizantes da China garantem um período de imunização um pouco menor do que outros fármacos.
Isso torna a pessoa vacinada mais vulnerável à doença após alguns meses da aplicação, ainda que permaneça resistente às formas mais graves da Covid. Governos precisam, então, aplicar doses de reforço na população, o que demanda uma logística difícil quando se tem 1,4 bilhão de pessoas no país.
“A China tem um importante problema nesse ponto de vista porque estamos falando de uma população de bilhão de pessoas. Esse é um desafio muito maior na China que em outro lugar, especialmente pelo tamanho da população. A questão não é a eficácia da vacina.”
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O professor da Uerj afirma que a imunização da população deve ser a estratégia central de combate à Covid, mas que a falta de imunizantes pode ser um problema para a China.
“Aparentemente, não há a quantidade de imunizantes ofertada de maneira suficiente para que [o país] pudesse usar a estratégia da vacinação como central”, explica Dal Poz. “Nem sempre é fácil entender o processo de decisão chinês, especialmente a distância”.