Internacional ‘Quanto mais tiram de mim, maior minha determinação’, diz vencedora do Nobel da Paz

‘Quanto mais tiram de mim, maior minha determinação’, diz vencedora do Nobel da Paz

Aos 51 anos, Narges Mohammadi cumpre pena de dez anos em prisão de Teerã e foi proibida de ver a família

  • Internacional | Do R7

A última vez em que Narge Mohammadi abraçou seus filhos foi há oito anos

A última vez em que Narge Mohammadi abraçou seus filhos foi há oito anos

Narges Mohammadi Foundation/AFP - sem data

Quando Narges Mohammadi era apenas uma menina, sua mãe a aconselhou a nunca se envolver com política. O preço de desafiar o sistema em um país como o Irã seria alto demais. Esse conselho se mostrou visionário: Mohammadi ariscou — e perdeu — tudo para defender a liberdade das mulheres iranianas.

Aos 51 anos, a vencedora do Nobel da Paz de 2023 está presa — cumprindo uma sentença de dez anos — e foi proibida de ver a família. Ela se encontra na notória prisão de Evin, em Teerã, por "espalhar propaganda antiestado".

Para Mohammadi, esse é só mais um capítulo em sua luta pelos direitos civis das mulheres. Ao longo dos últimos 30 anos, o governo iraniano a penalizou repetidamente por seu ativismo e escrita, privando-a de quase tudo que ela valoriza — sua carreira como engenheira, sua saúde, tempo com seus pais, marido e filhos, e sua liberdade.

A última vez que a Mohammadi ouviu as vozes dos filhos gêmeos de 16 anos, Ali e Kiana, foi há mais de um ano. A última vez que ela os abraçou foi há oito anos. Seu marido, Taghi Rahmani, de 63 anos, também escritor e destacado ativista que foi preso por 14 anos no Irã, vive no exílio na França com os gêmeos.

Determinação

O sofrimento e a perda que ela sofreu não diminuíram sua determinação em continuar lutando por mudanças, conforme reportagem do jornal The New York Times publicada em junho deste ano.

Uma pequena janela em sua cela na ala feminina de Evin se abre para uma vista das montanhas que cercam a prisão ao norte de Teerã. A primavera trouxe mais chuva neste ano, e as colinas onduladas estavam cobertas de flores silvestres.

“Sento-me diante da janela todos os dias, olho para a vegetação e sonho com um Irã livre”, disse Mohammadi, em uma rara e não autorizada entrevista por telefone de dentro de Evin, em abril. “Quanto mais me punem, mais tiram de mim, mais determinada me torno em lutar até alcançarmos a democracia e a liberdade, e nada menos”, disse ela, que foi apontada nesta sexta-feira (6) como vencedora do Nobel da Paz.

O New York Times também entrevistou a ativista dos direitos humanos por telefone em abril de 2022, quando ela teve uma breve licença médica da prisão. Em março e abril deste ano, o Times a entrevistou, submetendo perguntas por escrito e em uma ligação telefônica furtiva de dentro da prisão, arranjada por intermediários.

Em maio, as autoridades prisionais revogaram os direitos de telefone e visitação de Mohammadi por causa das declarações que ela emitiu da prisão condenando as violações dos direitos humanos no Irã, que foram postadas em sua página no Instagram, disse sua família.

Luto no carpete

Mohammadi cresceu na cidade central de Zanjan em uma família de classe média. Seu pai era cozinheiro e fazendeiro. A família de sua mãe era política, e após a revolução islâmica de 1979 derrubar a monarquia, um tio ativista e dois primos foram presos.

Duas memórias da infância, ela disse, a colocaram no caminho do ativismo: sua mãe enchendo uma cesta de compras vermelha de plástico com frutas toda semana para visitas à prisão com seu irmão, e sua mãe sentada no chão perto da tela da televisão para ouvir os nomes dos prisioneiros executados a cada dia.

Numa tarde, o locutor anunciou o nome de seu sobrinho. Os gritos lancinantes de sua mãe e a maneira como seu corpo se desmoronou em luto no carpete deixaram uma marca duradoura na menina de 9 anos e se tornaram uma força motriz para sua oposição à vida às execuções.

Quando Mohammadi entrou na faculdade na cidade de Qazvin para estudar física nuclear, ela procurou se juntar a grupos de estudantes femininas, mas nenhum existia. Então ela os fundou, primeiro um grupo de caminhada feminina e depois um sobre engajamento cívico.

Na faculdade, ela conheceu seu marido, uma figura famosa nos círculos intelectuais do Irã, quando frequentou uma aula clandestina que ele ministrou sobre sociedade civil. Quando ele a pediu em casamento, seus pais disseram que um casamento político estava destinado ao fracasso. E mais uma vez a previsão se mostrou correta.

Taghi Rahmani, marido de Mohammadi, passou seu primeiro aniversário de casamento em confinamento solitário. O casal morava em Teerã, onde a ativista criou, expandiu e fortaleceu organizações da sociedade civil que trabalhavam em prol dos direitos das mulheres, dos direitos das minorias e defendiam prisioneiros no corredor da morte.

Ela também escreveu colunas sobre direitos das mulheres para jornais e — para garantir uma renda confiável — trabalhou como engenheira em uma empresa de inspeção de edifícios. O governo forçou a empresa a demiti-la em 2008.

A Justiça do Irã condenou Mohammadi cinco vezes, a prendeu 13 vezes e a sentenciou a um total de 31 anos de prisão e 154 chibatadas. Três casos judiciais adicionais foram abertos contra ela neste ano, que podem resultar em condenações adicionais, disse seu marido.

A última vez que a família esteve junta foi quando os filhos ainda eram crianças. Mohammadi e Rahmani costumam dizer que seu filho se orgulha do trabalho de sua mãe, mas sua filha já questionou a decisão de seus pais de terem filhos quando seu ativismo permanecia uma prioridade a qualquer custo.

Feriados e aniversários são quando as crianças sentem mais intensamente sua ausência, disse o marido.

“Esta separação foi forçada sobre nós. É muito difícil. Como marido e pai, quero que Narges viva conosco. Mas, como seu parceiro em ativismo, sou obrigado a apoiar e encorajar seu trabalho e elevar sua voz”, disse.

Teocracia

Desde setembro do ano passado, o ativismo do casal tem se tornado mais urgente. Uma revolta eclodiu em todo o Irã, liderada por mulheres e meninas, exigindo o fim da República Islâmica. Foi desencadeada pela morte de uma jovem, Mahsa Amini, sob custódia da polícia moral por alegações de violação das regras de hijab do Irã.

Mesmo detida, Mohammadi estava encorajando a desobediência civil, condenando a repressão violenta do governo aos manifestantes, incluindo execuções, e exigindo que líderes mundiais prestassem atenção à luta dos iranianos pela liberdade.

Seus esforços de décadas ajudaram a aumentar a conscientização de base no Irã sobre esses problemas. Para o Irã se transformar em uma democracia, diz ela, a mudança deve vir de dentro do país pelo desenvolvimento de uma robusta sociedade civil.

“Como muitos ativistas dentro da prisão, estou consumida em encontrar uma maneira de apoiar o movimento”, disse ela na parte escrita da entrevista. “Nós, o povo do Irã, estamos saindo da teocracia da República Islâmica. A transição não será pulando de um ponto para o outro. Será um processo longo e difícil, mas as evidências sugerem que definitivamente acontecerá.”

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