'Queremos liberdade e democracia', diz cubano que vive no Brasil
População surpreendeu o governo ao organizar manifestações por toda a ilha e mobilizou compatriotas de diversos países
Internacional|Pablo Marques, do R7
Há quatro anos, Adrian Masson, de 35 anos, largou a profissão de dentista em Cuba, viajou para a Guiana e cruzou a fronteira do norte do Brasil. Deixou para trás os pais e a irmã e se mudou para São Paulo. Durante esse período, manteve contato com a família, principalmente, por e-mail, já que a internet na ilha é cara e a conexão ruim. Só nos últimos meses passou a trocar mensagens por WhatsApp com quem ficou no país, mas nem arrisca fazer uma chamada de vídeo.
A internet em Cuba não é boa e o governo vigia as interações e as postagens nas redes sociais. Ainda assim, foi esse ambiente digital limitado que tornou possível as manifestações do dia 11 de julho, que tomaram as ruas de mais de 30 cidades além da capital Havana. Essa mobilização pegou o governo de surpresa e foi considerada a maior desde a revolução comunista liderada por Fidel Castro em 1959.
Milhares de cubanos se juntaram para pedir por “liberdade”, um direito que a população não está acostumada a viver no dia a dia devido ao controle do estado sobre tudo e todos há mais de seis décadas.
“Foi surpreendente para mim as manifestações pelas ruas de Cuba. Lá as pessoas têm muito medo de se posicionar contra o governo. Uma mobilização tão grande foi algo incrível e me deixou empolgado”, conta Adrian.
Mike Gonzalez, de 42 anos, que deixou Cuba há 20 anos e vive no Brasil há dois, conta que se emocionou ao ver as ruas tomadas. “Quando eu liguei a televisão e vi as manifestações, comecei a chorar. Eu pensei que o governo fosse cair e que eu poderia voltar para Cuba. A sensação era que o povo tinha acordado."
Os cubanos contam que ficaram preocupados com os familiares e amigos que ainda vivem na ilha. O medo era de que a repressão do governo ganhasse proporções maiores, ainda que o número de pessoas presas e desaparecidas tenha passado de 150.
“A imagem que o governo passa de Cuba não tem a ver com a realidade. Só os cubanos sabem como é viver no país. A repressão que foi vista nas manifestações não é uma novidade, mas essa é a primeira vez que o mundo consegue ver isso”, diz Adrian.
Para Mike, as manifestações foram "corajosas" já que o governo tem pessoas infiltradas por toda parte e tem o controle da internet. Em sua opinião, o que os cubanos fizeram naquele domingo foi enviar um recado de "basta" que repercutiu de maneira global.
Cubanos online
Mesmo com um serviço de internet lento e muito controlado, foi essa a forma de furar o bloqueio vivido na ilha e exibir o que estava acontecendo naquele domingo. Ativistas divulgaram quase que em tempo real as manifestações e como o exército e a polícia tentavam controlar a situação de forma bruta.
Foi justamente esse ponto de contato do país com o resto do planeta que o presidente Miguel Díaz-Canel atacou para tentar frear a população: o sinal de internet móvel no país foi interrompido. Levou três dias até celulares e computadores voltarem a funcionar online, mas aplicativos de troca de mensagens e as redes sociais seguiram inativos.
“O governo tem um mecanismo de controle tão forte que mesmo depois de sair de Cuba você não está livre. A gente tem medo de postar ou comentar alguma coisa e depois ser barrado de entrar no país novamente”, conta Adrian.
Grupos no Facebook de cubanos que vivem no Brasil exibem vídeos, mensagens e fotos das manifestações contra o governo e em apoio ao movimento popular. “As manifestações deram uma sensação de patriotismo. Eu acredito que muitas pessoas estão se expondo agora para que Cuba seja livre”, diz Adrian.
Futuro de Cuba
As mobilizações foram um sinal para que compatriotas em diversos países organizassem seus próprios protestos no Chile, Colômbia, Bolívia, Argentina, Equador, Brasil, México, EUA e também na Europa. “As manifestações em Cuba despertaram os cubanos no mundo todo. Nós não estamos pedindo vacina ou comida, nós estamos pedindo uma mudança de governo”, diz Mike
Muitos cubanos acreditam que, com a queda do regime, será possível retornar para o país e reencontrar familiares e amigos. Assim como não é fácil sair da ilha, também não é fácil retornar. Nos últimos anos Mike perdeu o pai e Adrian perdeu a mãe e nenhum dos dois pode estar presente nos velórios.
“As pessoas não imaginam qual é o preço de deixar Cuba. Você fica longe de sua mãe, de seu irmão e de toda a sua família”, diz Mike.
Além do desejo de voltar a se reunir com as pessoas queridas, há também um sentimento de esperança pela democracia mesmo que isso leve algum tempo.
Nós queremos eleger um presidente e um congresso como qualquer país no mundo. O que nós estamos pedindo é liberdade e democracia
O dia 26 de julho é uma data importante para o governo de Cuba por ser a data em que os rebeldes conseguiram tomar importantes quarteis do país em 1953, anos antes da Revolução Comunista. A comemoração deverá ser acompanhada de novas manifestações dentro e fora da ilha. Os organizadores da passeata que será realizada em frente a Casa Branca, nos EUA, estimam que mais de 50 mil cubanos devem se reunir nesse dia.
“Não haverá muitas mudanças imediatamente, mas algum resultado a longo prazo deve acontecer. Pelo menos as pessoas perderam o medo e agora têm coragem de falar o que acham. A partir do momento que você liberta a sua mente, tem um passo para alcançar a liberdade que as manifestações estão pedindo”, diz Adrian.