Regimes usam coronavírus para tentar ampliar seus poderes
Da Hungria às Filipinas, governantes estão tomando medidas para poder governar sem passar pelos parlamentos; opositores temem por liberdades
Internacional|Fábio Fleury, do R7
Conforme a pandemia do novo coronavírus se espalha pelo mundo, cada país vem tomando diferentes medidas para combater a crise. Alguns governos, no entanto, especialmente os de tendência autoritária, têm usado a situação para tentar consolidar ainda mais seu poder.
Um exemplo está na Hungria, onde o primeiro-ministro ultranacionalista Viktor Orbán tentou passar, nesta semana, um projeto de lei que lhe permitiria estender o atual estado de emergência do país sem data definida, suspender leis e, basicamente, governar por decretos sem passar nenhuma decisão pelo Parlamento.
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No texto, também está prevista prisão de até 5 anos para quem divulgar "notícias falsas" durante a duração da lei. O problema, dizem entidades, é que isso impede a fiscalização do governo por parte da sociedade.
Médicos dizem que os números da doença são diminuídos pelo regime de Orbán e falta equipamentos nos hospitais. O regime já afirmou que está sofrendo 'chantagem'. O Parlamento negou nesta terça-feira (24), em primeira votação, o projeto de lei, mas o primeiro-ministro pode voltar à carga e conseguir aprovar o texto.
Projetos semelhantes
Enquanto isso, nas Filipinas, parlamentares aprovaram nesta terça-feira (24) um projeto que dá poderes semelhantes ao presidente Rodrigo Duterte, suspendendo até mesmo o direito ao habeas corpus. Inicialmente, o estado de emergência tem duração máxima de 3 meses.
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Nos dois países, e em outros como El Salvador e Bolívia, opositores e entidades de direitos humanos têm protestado contra a extensão dos poderes que estão sendo buscados e obtidos por esses regimes. Afirmam que a liberdade de imprensa, entre outras, está ameaçada.
"Isso está acontecendo em vários países do mundo", afirma o professor de Relações Internacionais da ESPM, Demetrius Cesário. "Existem relatos de que eles estão pedindo mais poder do que seria realmente necessário, mas quem tem que estabelecer esses limites é o próprio poder Legislativo. Teria que haver um equilíbrio."
Disputa de poderes
No caso da Hungria, segundo Cesário, o fato de Orbán ser o primeiro-ministro e não presidente, tendo sido escolhido pelo Parlamento, significa que ele poderia receber poderes mais facilmente. Por outro lado, a fiscalização da União Europeia, da qual o país faz parte, poderia ajudar a conter o ímpeto do governo.
"A União Europeia tem uma série de regras de proteção à democracia, à liberdade de expressão e de imprensa, que os países-membro precisam respeitar para não sofrer sanções do bloco. A relação da Hungria com a UE é um bom termômetro", analisa.
O bloco europeu tem uma relação tortuosa com a Hungria, que já tem um estado de emergência decretado desde 2015, para combater o fluxo de imigrantes que tentavam entrar no país. Em fevereiro, tanto o governo húngaro quanto o polonês sofreram uma moção de censura do bloco, por atentar contra liberdades e direitos humanos, mas não houve votação de sanções por causa do coronavírus.
Pausa na democracia
Outro exemplo de como a pandemia pode ser usada contra direitos está na Bolívia. O país, que desde novembro do ano passado é governado por um regime interino, tinha eleições marcadas para o início de maio. Com o surto de covid-19, a votação foi adiada e ainda não tem data definida.
"Nesses casos a gente vê que estão em jogo dois direitos humanos básicos: o direito à saúde e a liberdade de escolher seus representantes. Não é só na Bolívia, mas em vários países as pessoas estão colocando na balança o que é mais importante nesse momento e alguns governos se aproveitam disso", alerta Cesário.