Revista chama audiências de Zuckerberg de 'turnê de desculpas'
Segundo artigo da New Yorker, pedidos de desculpas do criador do Facebook não são mais suficientes para satisfazer o público
Internacional|Fábio Fleury, do R7, com agências internacionais
Desde que estourou o escândalo do vazamento de dados de milhões de usuários do Facebook, o criador da rede social, Mark Zuckerberg, tem vindo a público para se explicar, como nas audiências no Congresso norte-americano nos últimos dias.
No entanto, a 'turnê de desculpas', como foi chamada a iniciativa do empresário em um artigo que está na edição desta semana da revista The New Yorker, pode não ser suficiente para Zuckerberg recuperar a credibilidade de sua plataforma.
Percepção pública
O artigo, assinado pelo editor Andrew Marantz, começa descrevendo uma videoconferência que Zuckerberg realizou há cerca de dez dias com diversos jornalistas, na qual o dono do Facebook se desculpa pelos problemas apresentados pelo mau uso da plataforma nos últimos anos.
"Não fizemos o suficiente para prevenir abusos. Isso inclui 'fake news', interferência estrangeira em eleições, discursos de ódio, assim como relação com desenvolvedores e a privacidade dos dados", disse Zuckerberg. Esse mesmo texto fez parte do pronunciamento que ele fez diante de duas comissões do Senado norte-americano na última terça-feira.
Segundo Marantz, cada um desses problemas, isoladamente, poderia ser esquecido com o tempo. Mas o cenário com todos eles pode ter mudado para sempre a percepção do grande público sobre a maior rede social do mundo.
"O quanto o público ainda vai considerá-lo confiável, ou pelo menos tolerável, vai afetar o preço das ações da empresa, a velocidade do movimento #DeleteFacebook e, possivelmente, a sobrevivência da empresa a longo prazo", escreveu Marantz.
Problemas da rede
Segundo o editor, agora "está claro que o problema não eram as selfies, era o modelo de negócios". Ele afirma que, durante anos, os críticos tentaram alertar que o usuário não é o consumidor, mas o produto do Facebook.
Ele também compara o modelo da rede social, que oferece serviços gratuitos em troca de dados privados do consumidor, com o da Apple, que cobra por produtos e serviços.
"Por um longo tempo, essa troca pareceu valer a pena. Danos em potencial pareciam distantes, abstratos. Então veio a campanha de Trump, o Brexit, o ressurgimento do extremismo da extrema direita na Europa e nos EUA, e uma incapacidade cada vez mais presente de separar informação de desinformação. As redes sociais não causaram isso, mas certamente tornaram tudo mais fácil", analisa Marantz.
Contradições
O jornalista cita o recente caso do vazamento de perfis do Facebook para a empresa de dados Cambridge Analytica, afirmando que o modo como a empresa de Mark Zuckerberg se apresenta para o mercado publicitário não é muito diferente do que fez a Cambridge Analytica em campanhas eleitorais.
"Desde seu nascimento, o Facebook se apresentava de duas maneiras contraditórias. Para o público, insistia que não é editor ou portal, mas apenas uma plataforma aberta, refletindo o mundo de maneira neutra. Mas nenhuma plataforma é neutra: os algoritmos precisam, por definição, priorizar algumas coisas sobre outras", relembrou.
Marantz analisa como a rede social foi construída para maximizar a atenção, priorizando conteúdo pela reação do público, usando comentários, cliques e controvérsia para ampliar o alcance de seu conteúdo.
"Ao mesmo tempo, o recado do Facebook para os anunciantes não era tão diferente do que fazia a Cambridge Analytica: com nossas ferramentas sofisticadas, qualquer anunciante pode entregar qualquer mensagem para qualquer microssegmento do mercado. Agora que o mercado em questão é o das ideias, o Facebook normalmente se declara neutro. Mas desta vez, o público parece que não está convencido", ressaltou.
Recuperação
Na videoconferência com os jornalistas, afirma Marantz, um deles perguntou a Zuckerberg se o Facebook poderia pensar em lucrar um pouco menos em troca de proteger melhor a privacidade dos usuários. O CEO começou a falar de outro assunto e jamais respondeu à pergunta.
Para o editor da New Yorker, se Zuckerber pretende ganhar de volta a confiança do público, ele "pode começar abandonando a farsa da neutralidade".
"O Facebook guia o que bilhões de pessoas veem, ouvem e sabem sobre o mundo. Se isso não faz dele uma companhia de mídia, a diferença é apenas de semântica. Além de se desculpar e dizer boas frases sobre a santidade da privacidade do usuário, Zuckerberg deveria assumir compromissos claros: proteger os usuários do Facebook de propaganda, usar seus algoritmos para promover a verdade em vez de sensacionalismo, evitar que pessoas mal-intencionadas usem suas ferramentas para semear a discórdia e o preconceito. Depois de mais de uma década em alta velocidade e quebrando tudo, é hora de ir devagar e arrumar a bagunça", encerra.