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Ruínas e ‘cheiro de violência’: a longa e desesperada batalha por uma cidade na Ucrânia

Toretsk foi palco de batalhas sangrentas no leste do país, onde as forças russas avançaram bastante nos últimos meses

Internacional|Marc Santora, do The New York Times

cidade ucrânia luta desespero - NYT David Guttenfelder/The New York Times - 12.08.2024

Toretsk, Ucrânia – Enquanto soldados ucranianos corriam pelas ruínas da cidade destruída sob o olhar espião de drones russos, a luz da lua lançava sombras assustadoras daquilo que sobrara dos prédios destruídos.

Carros queimados cobriam a estrada ao lado de crateras abertas pelos ataques de artilharia na cidade de Toretsk, na região de Donetsk, no leste da Ucrânia, que neste momento está na linha de frente da guerra com a Rússia.

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A noite quente de julho tinha odor de violência – fumaça e poeira de prédios arruinados se misturavam ao cheiro sulfuroso de explosivos. Os únicos sinais de vida eram os soldados da 32ª Brigada Mecanizada, que tentavam, contra todas as probabilidades, manter suas posições dentro de uma farmácia abandonada sob o bombardeio russo.

A Brigada permitiu que este repórter e um fotógrafo do “The New York Times” os acompanhassem para ver de perto a destruição de Toretsk e os desafios que as forças ucranianas enfrentam enquanto lutam para manter o controle da cidade. As únicas restrições: que não fornecêssemos informações sobre locais específicos ou outros detalhes operacionais que pudessem comprometer a segurança. “A tarefa mais importante para os ucranianos é sobreviver. Para os russos, é acabar com esta cidade”, disse o major Artem Osadchiy, de 28 anos, comandante de um batalhão de drones da 32ª.


Nisso, os russos estão tendo sucesso.

As conquistas recentes das forças russas expandiram um arco de destruição no leste da Ucrânia, que começou desde o início da guerra, em fevereiro de 2022, e se intensificou nos últimos meses.

A perda de posições defensivas ucranianas fora de Toretsk chega agora a Niu-York, vilarejo localizado alguns quilômetros ao sul. Os incessantes ataques russos e os bombardeios aéreos devastadores pressionam fortemente as forças ucranianas que estão posicionadas na região.


cidade ucrânia luta desespero - NYT David Guttenfelder/The New York Times - 12.08.2024

Enquanto a Ucrânia intensificou seus esforços para mobilizar soldados com o objetivo de substituir dezenas de milhares de mortos ou feridos em batalha, a Rússia continua a explorar o problema da falta de reservistas ucranianos e o tempo necessário para treinar novos soldados e enviá-los para a frente de batalha.

Mas, apesar dos avanços russos, analistas militares e autoridades dos EUA disseram que uma grande tomada de posições continua improvável, citando a incapacidade da Rússia de transformar pequenos ganhos territoriais em um avanço maior que poderia desequilibrar gravemente as defesas ucranianas.


Também não está claro por quanto tempo a Rússia poderá manter o ritmo das operações ofensivas, dadas as suas perdas altíssimas de militares e equipamentos. Mais de mil soldados russos foram mortos ou feridos em maio e junho, de acordo com um relatório de uma agência de inteligência militar britânica (embora esse número não possa ser verificado de forma independente). A agência estimou que a Rússia perdeu cerca de mil soldados por dia em julho e previu que a alta taxa de baixas continuará em agosto, enquanto a Rússia mantiver suas operações ofensivas.

Mas, se conseguirem tomar os antigos bastiões defensivos na área de Toretsk redirecionando os ataques, as forças russas estarão prontas para pressionar em direção a Kostiantynivka, eixo logístico para as forças ucranianas assentadas no leste.

cidade ucrânia luta desespero - NYT David Guttenfelder/The New York Times - 12.08.2024

Por isso, há meses, os russos bombardeiam Chasiv Yar, cidade ao norte de Kostiantynivka, com esse objetivo, afirmam comandantes ucranianos e analistas militares. Os russos também estão se esforçando para dominar a rodovia principal que vai do sul de Kostiantynivka à cidade de Pokrovsk. Conseguiram avançar vários quilômetros nessa direção nas últimas semanas, desequilibrando as defesas ucranianas.

Mesmo que o ritmo dos avanços da Rússia indique que é improvável que esta capture em breve as cidades restantes da região de Donetsk, um avanço de apenas mais alguns quilômetros de território exporia essas cidades a bombardeios diários ainda mais assustadores. Centenas de milhares de civis poderiam ser forçados a fugir, complicando a logística da defesa ucraniana no leste.

Isso torna a defesa de Toretsk e de Chasiv Yar de vital importância, segundo comandantes e analistas militares ucranianos.

O ajuntamento de Toretsk – grupo de cidades e vilas de mineração espalhadas ao longo de colinas onduladas e pontuadas por montanhas feitas de resíduos de mineração de carvão – foi duramente atingido nas primeiras semanas da guerra, mas sua defesa nunca cedeu.

No ano passado, a brigada mais antiga do exército ucraniano – a 24ª, criada em 1992 – ficou de guarda ao longo da parte mais antiga da frente de batalha. “As trincheiras eram fundas, os abrigos eram bem organizados, os postos de controle funcionavam corretamente e tudo estava em ordem. Compreendíamos o inimigo e seus movimentos, e sabíamos como reagir”, declarou, em uma entrevista, Petro Liakhovych, de 38 anos, sargento sênior do 2º Batalhão da 24ª Brigada Mecanizada.

Mas, em maio, a 24ª foi informada de que seria transferida para Chasiv Yar, necessidade considerada mais urgente à medida que os russos avançavam até a porta da cidade destruída. A 24ª Brigada seria substituída pela 41ª Brigada Mecanizada, que estava defendendo Chasiv Yar quando os russos conseguiram avançar para seus arredores.

cidade ucrânia luta desespero - NYT David Guttenfelder/The New York Times - 12.08.2024

Soldados da 24ª disseram que já estavam vendo sinais de um ataque iminente a Toretsk e alertaram os comandantes seniores contra a mudança em um momento tão crítico.

Essas trocas de posição de unidades militares podem ser momentos extremamente perigosos. Leva tempo para as unidades se familiarizarem com o novo terreno. Mesmo quando executados com sucesso, são períodos de vulnerabilidade aguda, explicaram os soldados.

O deslocamento foi efetuado ao longo de várias semanas e, no início de junho, a 41ª havia se mudado de Chasiv Yar para assumir o comando da área de Toretsk, enquanto a 24ª Brigada estava agora em Chasiv Yar.

Os soldados relataram que, dois dias depois que a troca foi concluída, os russos atacaram. “Foi um grande erro nos tirarem de lá”, comentou Liakhovych.

Quase imediatamente, ficou claro que a 41ª não estava preparada para defender Toretsk, porque não conhecia o terreno, observaram soldados de vários batalhões em entrevistas e em declarações públicas. O comandante da brigada também foi criticado por emitir ordens pouco claras e não reagir rapidamente às mudanças quando esta se encontrava sob ameaça.

Yevhen Strokan, tenente sênior e comandante de um pelotão de drones de combate no 206º Batalhão de Defesa Territorial, cujos soldados foram colocados sob o comando da 41ª Brigada, disse em entrevista que “as perdas no batalhão se devem às ordens sem sentido do comandante sênior” da 41ª Brigada.

cidade ucrânia luta desespero - NYT David Guttenfelder/The New York Times - 12.08.2024

A 41ª Brigada não respondeu aos pedidos de entrevista, mas divulgou uma declaração afirmando que estava “indignada com a campanha incompreensível e estranha feita para desacreditar o comando da unidade e seus combatentes”.

Roman Kuliak, vice-comandante do 206º Batalhão de Defesa Territorial, cujos soldados foram colocados sob o comando da 41ª Brigada, declarou que tanto o comandante do 41º quanto o Estado-Maior, que lida com a estratégia geral de guerra, foram os responsáveis pelo fato de que as posições que tinham sido mantidas durante anos caíram em questão de dias. “Já é uma máxima da guerra: comandantes seniores, em sua maioria, não podem avaliar objetivamente os conhecimentos do pessoal subordinado ou se recusam a fazê-lo”, escreveu Kuliak nas redes sociais.

Georgiy Tuka, ex-ministro responsável pelos territórios ocupados pela Rússia e pelas pessoas deslocadas internamente, além de antigo membro da 206ª, disse que foram enviados poucos soldados ucranianos para a zona de Toretsk e que as unidades de infantaria ligeira receberam ordens de ataque da 41ª que, visivelmente, excediam suas capacidades, o que acarretou perdas graves.

A 41ª não comanda mais a área de Toretsk. A Ucrânia enviou algumas de suas melhores brigadas para tentar estabilizar a situação, mas elas estão sobrecarregadas. E os combates ferozes podem suprimir qualquer esperança de que a Ucrânia venha a tomar iniciativas de voltar à ofensiva, comentaram os soldados.

O Estado-Maior, em resposta a perguntas enviadas por escrito, recusou-se a discutir detalhes operacionais, mas declarou: “A liderança militar sempre leva em consideração uma iniciativa que se mostre razoável e sugestões vindas de comandantes de campo. Ao mesmo tempo, comandantes que não gerenciam corretamente as unidades e, como resultado, perdem pessoal subordinado, equipamento e territórios devem assumir a responsabilidade por isso, depois de estabelecer o grau de sua culpa.”

cidade ucrânia luta desespero - NYT David Guttenfelder/The New York Times - 13.08.2024

Soldados de diferentes brigadas, que agora lutam na área, disseram que deixariam a avaliação do que deu errado para outros e se concentrariam em conter os ataques russos.

“Por cerca de um mês não houve pausa na luta”, afirmou Bohdan, vice-comandante de um regimento de assalto da Brigada Nacional de Polícia, Liut, que aqui é identificado apenas pelo primeiro nome, de acordo com o protocolo militar. Ele se mostrou esperançoso de que o poder de combate dos russos venha a acabar brevemente. Mas, até que isso aconteça, não há nada a fazer senão esperar. “Pelo menos enquanto Toretsk está sendo defendida, outros assentamentos podem viver a vida de uma forma mais ou menos normal.”

c. 2024 The New York Times Company

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