Russos compram artigos de luxo em Dubai para driblar as sanções do Ocidente
Eletrônicos de última geração, carros de marcas famosas e itens de grife são adquiridos graças a uma rede global de intermediários
Internacional|Anton Troianovski e Jack Ewing, do The New York Times
Em uma estrada poeirenta nos arredores de Dubai, Sohrab Fani está lucrando com a resposta do Ocidente à guerra na Ucrânia: sua loja instala aquecedores de assento em carros que estão sendo reexportados para a Rússia.
Ele disse que, durante anos, 12 mil almofadas de aquecimento definharam em seu depósito, até que a invasão da Rússia e as sanções ocidentais resultantes expulsaram as montadoras americanas, europeias e japonesas do mercado russo. Agora, os russos importam esses carros via Dubai, nos Emirados Árabes Unidos — e, como os carros enviados para o Oriente Médio tendem a ser feitos para climas quentes, as lojas de acessórios como a de Fani estão fazendo um bom negócio ao equipá-los para o clima de inverno. "Quando os russos vieram, vendi tudo. E encomendei vários milhares de almofadas de aquecimento. Na Rússia, eles têm sanções. Aqui, não. Aqui tem negócio", afirmou Fani.
Mais de um ano depois da invasão do presidente Vladimir Putin, as sanções ocidentais prejudicaram a economia da Rússia, mas não a paralisaram. A teia do comércio global se ajustou, o que permitiu ao líder russo cumprir em grande parte uma promessa fundamental: a de que a guerra não interromperia drasticamente o estilo de vida de consumo das elites russas.
A Rússia ainda está importando produtos ocidentais cobiçados, graças a uma rede global de intermediários. Em Moscou, os iPhones mais recentes estão disponíveis para entrega no mesmo dia por menos do que o preço de varejo na Europa. As lojas de departamentos ainda estocam Gucci, Prada e Burberry. Os sites de venda de carros listam novos Land Rover, Audi e BMW.
Quase todas as principais marcas de eletrônicos, automóveis e artigos de luxo do Ocidente anunciaram no ano passado que estavam se retirando da Rússia. Nem todos os produtos violam tecnicamente as sanções, mas o comércio com a Rússia se tornou muito difícil diante da indignação pública, da pressão de funcionários, das restrições às exportações de semicondutores e das transações financeiras.
Mesmo assim, a demanda russa por itens de luxo continua forte, e os comerciantes em Dubai e em outros lugares estão atendendo a ela. "Gente rica é sempre rica. A guerra não a afetou", resumiu Ecaterina Condratiuc, diretora de comunicações de um showroom de carros de luxo de Dubai que recentemente enviou um Porsche Cayenne Turbo GT de 300 mil dólares a uma concessionária russa.
Em Dubai, os compradores percorrem os showrooms de um amplo mercado automotivo, compram carros ocidentais — o Dodge Ram é um dos favoritos recentes — em dinheiro vivo e os enviam para a Rússia. Alguns são russos ricos que compram veículos para si mesmos ou pequenos empresários que tentam revender carros para fazer dinheiro rápido.
Em outros casos, as concessionárias de automóveis russas, tendo perdido suas afiliações oficiais com marcas ocidentais, estão organizando suas importações, às vezes de centenas de carros ao mesmo tempo.
A empresa russa de análise Autostat informou que essas importações indiretas representaram 12% dos 626,3 mil novos carros de passageiros vendidos na Rússia em 2022.
Os produtos eletrônicos também seguem por rotas tortuosas até o mercado russo. Em Deira, antigo bairro comercial de Dubai, os atacadistas de eletrônicos têm se esforçado para recrutar funcionários que falam russo. "É um segredo aberto. A competição pela Rússia está bem acirrada agora", afirmou o proprietário da Bright Zone International General Trading LLC.
O proprietário, que pediu que fosse identificado apenas pelo sobrenome, Tura, disse que enviou centenas de smartphones e laptops para a Rússia no ano passado, antes das festas de fim de ano. Um potencial comprador solicitou um orçamento de 15 mil iPhones, mas aparentemente encontrou um negócio melhor em outro lugar.
Em outra loja de eletrônicos nas proximidades, um vendedor afegão, Abdullah Ahmadzai, informou que chegara a Dubai havia menos de um ano e que, desde então, aprendera russo o suficiente para negociar com seus clientes de língua russa. Do outro lado da rua, um homem do Tajiquistão, ex-república soviética, contou que ele e seu colega rapidamente encontraram emprego em uma loja que vendia telefones, laptops e drones: "Todas as lojas aqui estão procurando pessoas que falam russo. Tivemos sorte".
Depois que muitas empresas ocidentais se retiraram da Rússia, o governo de Putin incentivou importações não autorizadas de produtos de outros países. O Ministério do Comércio russo publicou uma lista de dezenas de empresas cujos produtos poderiam ser importados sem o consentimento de seus fabricantes, incluindo a Apple, a Audi, a Volvo e a Yamaha. "Quem quiser trazer qualquer bem de luxo poderá fazê-lo", prometeu Putin em maio passado.
Um relatório russo estimou que essas "importações paralelas" de laptops, tablets e smartphones totalizaram 1,5 bilhão de dólares no ano passado. Ao mesmo tempo, carros e eletrônicos chineses inundaram o mercado russo. "Você pode trazer o que quiser, desde que tenha dinheiro. Quem não é preguiçoso está trazendo carros", comentou Pyotr Bakanov, jornalista automotivo baseado em Moscou.
Bos parte das novas rotas comerciais passa por países que têm relações amistosas com Moscou. Analistas e autoridades ocidentais apontaram a Turquia, a China e ex-repúblicas soviéticas, como a Armênia e o Cazaquistão, como países que redirecionam produtos ocidentais para a Rússia. Eles dizem que o Kremlin está se aproveitando dessas importações não apenas para acalmar uma população acostumada a telefones e carros estrangeiros, mas também para obter microchips para armas usadas contra a Ucrânia.
Bakanov, como outros blogueiros e jornalistas especializados em carros russos, entrou no negócio sozinho: posta anúncios no aplicativo de mensagens Telegram, oferecendo-se para importar carros "sob encomenda de qualquer parte do mundo". Revelou que as peças de carros estrangeiros também estão chegando via importação paralela — algumas agora estão disponíveis na Rússia por preços mais baixos do que antes da guerra, quando eram vendidas por revendedores autorizados.
Os novos padrões comerciais aparecem nas estatísticas internacionais; as exportações de carros da União Europeia para a Rússia, por exemplo, caíram de 5 bilhões de euros em 2021 para cerca de 1 bilhão de euros (cerca de 1,1 bilhão de dólares) em 2022.
Mas as exportações da União Europeia para o Cazaquistão aumentaram quase quatro vezes, para mais de 700 milhões de euros, e as exportações para os Emirados aumentaram cerca de 40%, para 2,4 bilhões de euros. A Armênia relatou que suas importações de carros mais do que quintuplicaram, tendo chegado a 712 milhões de dólares no ano passado.
As montadoras ocidentais geralmente negam ter conhecimento de que seus carros estão indo para a Rússia em quantidades significativas, ou de um aumento nas vendas para os Emirados. "Não vimos nada disso", declarou Jim Rowan, CEO da Volvo. Paul Jacobson, diretor financeiro da General Motors, garantiu: "Não estou ciente de produtos que estejam indo para a Rússia."
Segundo autoridades do setor, as montadoras teriam problemas para rastrear as vendas de veículos por meio de intermediários. E autoridades americanas responsáveis por impor restrições se concentraram mais em bens que podem ser usados para fins militares.
Os Emirados Árabes Unidos foram identificados como um "país de foco" por autoridades dos EUA por seu papel como um centro de produtos enviados para a Rússia, em violação das sanções. Os eletrônicos são particularmente preocupantes, de acordo com as autoridades, porque seus chips podem ser reaproveitados para uso militar. "Os Emirados Árabes Unidos têm medidas rigorosas em vigor que regem as licenças de importação e exportação de materiais de dupla utilização para impedir sua exploração para fins militares", afirmou uma autoridade dos Emirados em um comunicado.
(Anton Troianovski, de Dubai, e Jack Ewing, de Nova York. A reportagem contou com a contribuição de Vivian Nereim, em Riad, na Arábia Saudita; Ahmed Al Omran, em Jeddah, na Arábia Saudita; e Oleg Matsnev, em Berlim.)
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