Saiba por que Bashar al-Assad já é chamado de "Assassino do século"
Organizações internacionais acusam ditador de repressão violenta e atrocidades na guerra local
Internacional|Eugenio Goussinsky, do R7
Os passos de Bashar al-Assad, 51 anos, ecoam pelos amplos salões do Palácio de Tasheen, residência oficial do presidente da Síria. Esguio, com um terno elegante, ele caminha para outra ala do local. A cada passada, pode-se dizer que um cidadão sírio está morrendo na guerra civil que assola o país. A palavra morte, mesmo escondida na suavidade de seus olhos azuis, já entrou quase despercebida no relógio biológico do ditador.
Segundo o OSDH (Observatório Sírio de Direitos Humanos), nos mais de seis anos de guerra, cerca de 330 mil pessoas morreram. Grande parte dessas mortes, aliás, conforme já afirmaram repetidas vezes instituições como a ONU (Organização das Nações Unidas), a Anistia Internacional e o próprio OSDH, ocorreu com a conivência do mandatário sírio, refletindo toda a sua fúria e desespero para se manter no poder de uma sociedade há anos fragmentada. Mas que ele ainda consegue - até quando? - controlar com mão de ferro. Ou de aço damasco, matéria-prima para uma faca letal e milenar produzida no país.
Catedráticos como o experiente professor Milton Greco, pós-graduado em Ciências Sociais pela Fundação Escola de Sociologia e Política, então pertencente à USP, afirmam que, apesar de haver outros nomes que também se encaixariam à denominação, o título de "Assassino do século 21" caberia bem ao presidente sírio.
— Até alguns anos atrás, países do Oriente Médio, como a Síria, viviam uma espécie de paz interna, em que o ódio estava imanente e, por isso, de repente as pessoas começaram a se matar umas às outras. Nestes momentos figuras como Assad usam recursos drásticos. Esse título poderia ser dado também para o Muamar Kadafi (que governou entre 1969-2011), que derrubou um boeing no Reino Unido (em 1988). Assad é mais uma dessas figuras horrendas.
O perfil do oftalmologista Assad, formado no Reino Unido e tendo herdado o governo de seu pai, Hafez, morto em junho de 2000, reúne várias nuances da complexidade humana. Ele é elegante, educado, mas, assim como a Síria aparentou estar pacificada durante anos, guarda em seus porões uma sede de vingança e um apego ao poder que o brutalizam e o fazem se distanciar de qualquer sentimento de compaixão humana.
O médico e o monstro
Tal descrição o aproximaria de uma versão real do romance O Médico e o Monstro (1886), do escocês Robert Louis Stevenson. Fabricada, segundo Greco, por interesses de potências em contraponto ao estilo de vida no Oriente Médio. Para o professor, esta é uma fórmula conhecida de se fomentar líderes autoritários.
— Há toda uma lógica interna na Síria que não é uma lógica ocidental. Se você retornar a 30 anos atrás vai encontrar um Oriente Médio tranquilo (em relação às sociedades internas). Porém em cada país existia um ditador, como Kadafi na Líbia, Saddam Hussein no Iraque (1979-2003), o pai do Assad na Síria, mas eles mantinham um tipo de equilíbrio deles, uma forma de viver dos países árabes. Que ficou demonstrado ser um equilíbrio instável.
Diante de uma fragmentação étnica e social do país, a dinastia Assad chegou ao poder sob os auspícios da França, que até 1943 controlava a Síria, mantendo influência posteriormente. E chegou como minoria, já que os alauitas, grupo étnico-religioso ao qual a família Assad pertence, representam apenas 15% da população síria.
Mas, para não fortalecer a maioria sunita, mantendo a Síria dividida, os governos franceses da época deram suporte ao grupo de Assad, fortalecendo-o a ponto deste assumir o governo em 1971. E, por ser minoritário, já tomar o controle de maneira autoritária. Mas o pior estaria por vir.
Crítica às potências
Quando a revolta contra o governo tomou corpo, em 2011, a Síria viu aflorarem as diferenças que até então estavam fermentando silenciosamente, com a participação de curdos, sunitas, xiitas e outros grupos locais no conflito. Sentindo-se acuado, Assad fez de tudo para manter o apoio das Forças Armadas e ao mesmo tempo iniciou um período de repressão desenfreada.
A primeira denúncia de abuso veio em 2011, quando a ONU apontou que o governo praticava torturas, violações sexuais, provocava mortes e desaparecimentos de milhares de pessoas, inclusive crianças. A guerra fez o governo Assad criar 27 centros de detenção, com práticas altamente abusivas. Segundo a Anistia Internacional, entre 5 mil e 13 mil pessoas foram torturadas e enforcadas na prisão de Saindnaya. Isso sem contar denúncias de lançamento de armas químicas em 2013 e 2017 e outras atrocidades (veja o gráfico).
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Greco, porém, também critica as potências por manejarem o conflito de acordo com seus interesses e acabarem por promover tal prática ditatorial no Oriente Médio.
— O que o Ocidente tem de se meter, junto com a Rússia, na terra dos outros em busca de petróleo e outras fontes de energia? O Ocidente chora os crimes que os terroristas fazem na Europa, mas recentemente têm ocorrido ataques de forças ocidentais a bases no Iraque, Síria e Afeganistão, em que morrem milhares de civis. Isso é algo que vai gerando ódio de um lado para outro e só estimula esse tipo de ditador.
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Assad, por seu lado, atribui essas acusações a falsas informações vindas do Ocidente. Ele acusa mais de 80 países de fomentar grupos terroristas na Síria e se diz perseguido, negando a responsabilidade pelos ataques químicos. Afirma que estes foram forjados por grupos inimigos. Para ele, sua personalidade tem um único lado. Na função de presidente, ele garante ser apenas um médico.