Salas de aula à prova de balas: como tecnologias de guerra podem proteger as crianças

Mais de 230 tiroteios em escolas foram registrados nos Estados Unidos na última década. Exercícios de tiro ativo — que simulam como se proteger no caso de surgir algum atirador — se tornaram rotina na vida dos alunos. Agora, tecnologias desenvolvidas para proteger soldados na guerra estão sendo incorporadas aos objetos cotidianos das salas de aula das crianças.

Em uma feira educacional recente, um estande exibindo mochilas com escudos balísticos removíveis — crivados de marcas de balas de testes feitos — foi montado entre os estandes da empresa de livros didáticos McGraw Hill e do brinquedo educativo Speak & Spell.

Alguns desses produtos são fabricados por grandes marcas como a 3M; outros são projetados por pais empreendedores. Mas uma coisa todos têm em comum: são caros (US$ 185 por um estojo, US$ 450 por um moletom à prova de balas, US$ 60 mil por um abrigo protetor de sala de aula).

Apesar dos anúncios que divulgam que os produtos estão dentro das classificações oficiais de proteção do Instituto Nacional de Justiça, este declarou que são alegações “falsas”. A agência federal disse que nunca testou nem certificou nenhum item resistente a balas, exceto coletes à prova de balas destinados aos policiais.

“As medidas de segurança escolar e o chamado ‘endurecimento de alvos’ (garantia de que ativos estratégicos ou táticos estejam protegidos contra ataques) são extraordinariamente caros e, até agora, não há comprovação científica de que tornem as escolas mais seguras”, afirmou Dewey Cornell, especialista em segurança de salas de aula da Universidade da Virgínia que treinou equipes de avaliação de ameaças em milhares de escolas.

Steve Naremore, proprietário da empresa de escudos balísticos TuffyPacks, reconheceu que se trata de uma “indústria mórbida”. Em 2022, ele vendeu dezenas de milhares de produtos para pais, justamente na semana em que foi cometido o tiroteio em uma escola em Uvalde, no Texas. “As pessoas às vezes me dizem: ‘Você está lucrando com a carnificina.’ Quer saber o que respondo? ‘Não me culpe. Sou apenas o fabricante do extintor de incêndio.’”

Uma tática de marketing comum é enfatizar uma estética agradável para crianças, com cores caprichosas, padrões divertidos e personagens adoráveis.

Mochilas à prova de balas

Uma mochila decorada com unicórnios de cílios longos também pode ser adquirida em 13 outros padrões, com filhotes de bichinhos amarelos ou dinossauros azuis. “É uma coleção exclusiva de obras de arte para envolver as crianças”, anuncia a empresa, Atomic Defense. Nessa compra, você também pode escolher um suposto nível de proteção que vai de pistolas automáticas até rifles estilo AR-15 ou AK-47.

Kenneth Trump, consultor nacional de segurança escolar, não acredita que uma mochila teria área de superfície ou posicionamento para ser eficaz na proteção. “Se você tem a mochila nas costas, não vai precisar também de uma mochila frontal, um capacete e um escudo do Capitão América?”, ironizou, acrescentando: “A mochila não é útil quando está pendurada em um gancho na parede do fundo da sala de aula.”

Encartes de mochila à prova de balas

“Tank the Turtle” (Tank, a tartaruga) é uma mascote de escudo balístico para jardim de infância que incentiva as crianças a usar seus “cascos”. “Você sabe como fico seguro?”, Tank pergunta em um vídeo de animação feito pela empresa A Safe Pack, enquanto posa em um balcão de cozinha e pula para a escola ao lado de uma criança. “Levo meu casco grosso e duro nas costas aonde quer que eu vá. Agora você também pode fazer o mesmo.”

Carrie Gaines, mãe de dois filhos que possui experiência militar, projetou os escudos de tartaruga para seus garotos e já vendeu milhares deles. “Se houver um atirador realmente ativo, posso simplesmente enfiar os braços, a cabeça e as pernas atrás do escudo e ele vai me proteger”, disse seu filho Gunnar, de dez anos, em uma entrevista.

Pranchetas à prova de balas

A empresa Hardwire fez uma bonita prancheta à prova de balas para uso dos professores. Colocou folhas de palmeira pintadas que, supostamente, protegem contra tiros de armas de fogo e espingardas. “Não se preocupe e fique feliz com essa fatia extra de proteção com tema de natureza que agora está em suas mãos”, diz o argumento de vendas. Ela também pode ser encontrada com outros motivos artísticos: Pink Sunrise e Starry Night.

Trump, o consultor nacional de segurança escolar, não estava convencido. “Realmente, não há provas de um nível alto de eficácia nesses produtos. Você está me dizendo que a classe inteira vai ficar em uma linha perfeitamente reta atrás da prancheta do professor?”

Fichários de três argolas à prova de balas

A capa do fichário tem uma tira escondida para que ele possa ser pendurado no pescoço de uma criança e, em teoria, agir como um escudo corporal contra armas de fogo, “cem por cento oculto”, como proclamam os materiais de marketing.

Esse fichário chamou a atenção de Aaron Taormino, de Redding, na Califórnia. Ele disse que comprou para seus netos porque estava “constantemente ouvindo falar de tiroteios em escolas”. E completou: “Eu só queria que fossem mais leves para carregar e que viessem na cor rosa.”

Mesas de sala de aula à prova de balas

Essas mesas foram criadas em resposta ao tiroteio de Parkland, na Flórida, e têm uma alavanca que, ao ser puxada, gira a superfície para cima, transformando os tampos em escudos verticais à prova de balas para proteger alunos e funcionários.

A empresa fabricante, First Line Furniture, afirmou que elas foram testadas contra armas de fogo de alto calibre, fuzil AR-15, submetralhadoras, granadas de mão e rifles de precisão calibre .308. Um vídeo de marketing mostra 18 crianças atrás de mesas verticais, bem como um exercício em que alunos do jardim de infância ouvem uma campainha tocar e correm para se proteger em quatro segundos. “Muito obrigado aos nossos pequenos amigos e à sra. Seals, da Escola Elementar Lineville. Essa turma ajudou a demonstrar a rapidez e facilidade com que nossas mesas se transformam em escudos balísticos posicionáveis”, diz a legenda.

Estojos para lápis à prova de balas

O estojo para lápis de três argolas de aparência ordinária da Premiere Body Armor é pouco maior do que um pedaço de papel de carta. “Você está falando de crianças, cuja função executiva no cérebro ainda está sendo desenvolvida, e está pedindo a elas que tomem decisões táticas em um momento de perigo. Uma criança não vai saber instintivamente, nesse cenário, se deve segurar essa bolsa na frente da cabeça ou do peito?”, comentou Trump, o especialista em segurança.

Mas Daniel Leventry, pai e dono de arma em Tampa, na Flórida, disse que escolheu uma dessas para seu filho de dez anos e faz planos de que sua filha, hoje com cinco anos, carregue uma, assim que tiver idade suficiente para levar um fichário para a escola. “Dizer a uma criança de cinco ou dez anos ‘Ei, estou lhe dando um colete à prova de balas para o caso de haver um ataque na sua escola’ não é a conversa que nenhum pai quer ter em nenhum nível com os filhos, se você me entende.”

Ainda assim, com outra temporada de volta às aulas a todo o vapor, alguns líderes educacionais estão profundamente preocupados com a proliferação de produtos blindados. “Devemos ser armados com livros, professores e recursos, não com coletes à prova de balas. É irritante que, em vez de ter a coragem de resolver o problema da violência armada, agora tenhamos de enfrentar a monetização do medo”, declarou Randi Weingarten, presidente da Federação Americana de Professores.

Moletons à prova de balas

A Wonder Hoodie afirma que seus moletons infantis protegerão “todos os órgãos vitais”. A empresa promete: “Se você levar um tiro (Deus me livre!) usando um dos nossos moletons, enviaremos gratuitamente um novo moletom em substituição. Basta incluir o boletim de ocorrência ou o clipe de notícias no pedido.”

Quadros brancos portáteis à prova de balas

O quadro branco para sala de aula é feito de painéis de blindagem balística que foram projetados para centros de recrutamento do exército, mas eles se misturam com outros objetos da sala de aula para que “as crianças não se sintam em um búnquer do exército”, disse J.C. Velazquez, diretor de vendas da empresa, RTS Tactical, acrescentando: “Digamos que os pais não vão notar isso na reunião semestral.” Mas há um vídeo de análise de produto de um quadro branco, produzido por uma empresa concorrente, que mostra os testes de bala sendo feitos na frente de um ursinho de pelúcia.

Salas seguras e dobráveis à prova de balas

Uma sala segura de acesso rápido pode ser instalada como uma estrutura de quatro lados, ou um painel plano, rente a duas paredes de sala de aula pré-existentes, enquanto for necessário ficar protegido. A fabricante, KT Security Solutions, sugere outros usos de “melhoria da sala de aula”, incluindo um “espaço de leitura, área sensorial amigável para crianças com necessidades especiais, sala de lazer e muito mais”.

Um distrito escolar no Alabama comprou dois desses kits por cerca de US$ 60 mil cada.

Película de janela para atenuar explosões

A película transparente para janelas, feita pela 3M, é um laminado de microcamadas destinado a evitar que o vidro se estilhace quando atingido por balas de um rifle semiautomático. A empresa alega que isso pode atrasar um intruso tentando atirar para entrar.

Depois do tiroteio em 2023 na Escola Covenant, em Nashville, no Tennessee, os administradores da Escola Cristã de Salisbury, em Maryland, adicionaram laminado resistente a balas às portas externas da escola. Planejam fazer o mesmo nas janelas do primeiro andar. “Custa uma grana, mas vale cada centavo pela paz de espírito que nos dá”, afirmou Ross Kaelin, diretor de operações da escola.

Escudos portáteis resistentes a balas

Embora a maioria dos produtos seja projetada para ser aparentemente discreta, o escudo de resposta a emergências é estampado com o rótulo “proteção ativa contra atiradores” e traz impressas imagens das mesmas armas que alega defender.

Policiais em Uvalde disseram que precisavam de escudos como esses durante o tiroteio na escola em 2022, de acordo com um relatório federal.

Steven Lamkin, diretor da Escola Cristã de Salisbury, em Salisbury, Maryland, informou que dez escudos contra rifle foram pendurados perto de várias entradas da escola e que inúmeros escudos menores, contra arma de fogo – que ao mesmo tempo funcionam como quadro branco –, foram distribuídos nas salas de aula. “Vou ser honesto: fiquei hesitante no começo, com essas imagens de rifles e armas de fogo impressas e os produtos espalhados pela escola, mas comecei a entender que, assim como no caso dos extintores de incêndio, o aspecto visual é importante”, comentou Lamkin.

c. 2024 The New York Times Company