Sem remédios e dinheiro, brasileiros no Egito imploram: 'Nos tirem daqui'
Entre os que estão 'presos' por causa do coronavírus, há dramas como o de Fábio Barbero, que, sem medicação, se sente mais vulnerável ao vírus
Internacional|Marcos Rogério Lopes, do R7
O professor de matemática da rede pública de Caraguatatuba (SP) Fábio Galfke Barbero, de 48 anos, ficou meses juntando o dinheiro que dava para fazer a viagem dos seus sonhos. Seriam 38 dias passando por quase vinte países, o problema é que ao chegar ao 18º, o Egito, em 15 de março, os aeroportos foram fechados por causa da pandemia do coronavírus.
Barbero conta os últimos trocados e não faz ideia de quando poderá retornar. Pior que isso, toma remédios que acabaram no início desta semana. Um para uma doença crônica que afeta sua imunidade e outro para manter os nervos em dia, receitado quando teve depressão, há 12 anos. "Sabe aquela pessoa que fala palavrão, xinga e briga com todo mundo a qualquer hora? Sou eu agora", diz.
Sua história e a dos inúmeros brasileiros presos no Egito autorizam-nos a ficar bravos. O Itamaraty não informa o número oficial. "A Embaixada do Brasil não nos ajuda em absolutamente nada, nem informações corretas sabem passar. Falam agora que a gente tem que pagar do próprio bolso pelo voo de volta, que nem sabemos se tem alguma chance de sair."
Segundo o professor, uma das opções que sugeriram é a compra de bilhetes para Beirute, e de lá partirem para São Paulo, mas os aeroportos do Líbano estão fechados.
A Embaixada do Brasil no Cairo afirmou ao R7 ter conhecimento da situação dos brasileiros retidos no país. Diz, no entanto, que "a excepcionalidade da situação e as dificuldades impostas pelo isolamento imposto pelas autoridades no país desaconselham qualquer previsão, mas o Itamaraty está trabalhando, ininterruptamente, para lograr o retorno de nossos compatriotas". (Veja a nota completa no fim da reportagem).
Fábio Barbero saiu do Brasil em 24 de fevereiro. Na passagem por Itália e Espanha, dois dos países mais castigados pelo coronavírus, estranhou que ninguém usava nada para se proteger da covid-19. "Parecia que não havia risco, não estavam nem aí. Chegamos a tirar foto porque éramos os únicos com máscaras."
Desembarcaram no Egito ele e os amigos Jean e Valéria, que também está sem remédios essenciais para o tratamento de sua doença crônica, a fibromialgia.
As escalas seguintes foram todas canceladas. De Dahab, a 800 quilômetros do Cairo, iriam para Israel, de lá para a França e então para o Brasil.
"Não quero levar aborrecimentos"
Se hoje está perceptivelmente desolado e irritado com o descaso do governo brasileiro, não é isso o que repassa para os familiares brasileiros. "Quando falo com eles, digo que está tudo bem, que a embaixada ajuda bastante e que logo estará tudo resolvido ..."
No dia em que falou com o R7, sexta-feira (27), completavam-se 14 meses da morte de seu sobrinho, uma criança. O episódio deixou a família inteira em luto. Por mais que saiba o tamanho do problema que está passando, não tem coragem de levar mais aborrecimentos aos parentes.
Fábio se diz uma pessoa feliz, de alto astral (como mostra a foto acima), mas admite que tem momentos nos quais tem que se esforçar para ficar assim.
Como nesses últimos dias.
"Liguei para o Brasil para ver se meu médico conseguia despachar meus medicamentos e ele foi super grosseiro. Eu não posso ficar sem os remédios. Preciso voltar logo, quero que me tirem daqui!"
Segundo ele, ficar mais de uma semana sem remédio pode comprometer bastante sua saúde, e logo no período em que deveria estar mais forte para se proteger do coronavírus.
A diária de seu hotel vence neste sábado (28), mas um empresário local cedeu hospedagem ao saber a história do trio brasileiro. "Quanto ao resto, não sei o que fazer. Estamos passando necessidade em um país com uma estrutura médica terrível e com toque de recolher nas ruas."
Há alguns dias, sentiu fortes dores abdominais e teve de procurar atendimento médico em Dahab. "Você não tem noção do que é um hospital egípcio, não usam luvas e não têm qualquer tipo de prevenção contra a pandemia." Não era nenhum problema mais grave de saúde, mas custou 500 libras egípcias (por volta de R$ 160). "É pouco, mas para a gente que está sem nada é uma fortuna."
Dramas pessoais
A história de Fábio é uma entre dezenas de dramas pessoais de pessoas que só querem ter o direito de voltar. Entre as quais...
A de Valeria Vieira Rocha Arrais, professora e servidora pública, amiga de Fábio Barbero, a que toma remédios contra fibromialgia. "A gente não vê movimentação no sentido de nos repatriar, estamos no final de viagem e os recursos estão acabando. Não podemos gastar com passagem sendo que a qualquer momento elas podem ser canceladas. Sinto dores no corpo, tomo medicamento controlado. Teria que ingerir duas cápsular por dia, mas, como estou racionando, só tomo uma. Meu corpo já amanhece enrijecido e sinto dores. Tenho muita pressa."
Ou de Bianca Diniz Camargo, 19 anos, esteticista. "Estamos muito assustados, pois o Egito não tem boa estrutura hospitalar e estamos com nosso dinheiro contado. A Embaixada do Brasil pede para comprarmos passagens com custos absurdos, de mais de R$ 12 mil, e quando falamos em repatriação dizem que isso não é possível."
Sergio Póvoa, chef de cozinha. "Vim para abrir o primeiro restaurante brasileiro no país .Estamos voltando por causa do fechamento de todos os hotéis no Egito. A empresa está tentando nos mandar de volta ao país desde o dia 18, quando chegou a ordem de fechar tudo. Estamos bem, sendo monitorados diariamente [o hotel em que trabalha mede a temperatura e faz perguntas sobre a saúde dos funcionários]. Estamos só esperando abrir a primeira janela para o Brasil."
Edmo Roberto Maia, 66 anos, grupo de risco da covid-19. "Não tenho condições de comprar as passagens a esse preço que estão pedindo e a embaixada só tem mandado esperar."
Paloma Duarte Figueiredo. "O dinheiro está acabando e não tenho como me manter no mês que vem. Não tenho opção e espero uma solução rápida do Brasil."
Gabriela Barbosa de Almeida. "Eu iria sair do Cairo no dia 24 para Dubai, depois para Portugal e então para o Brasil, mas os voos da Emirates foram suspensos. Eu preciso de ajuda para comprar outro bilhete. Nossa situação está muto difícil."
Jean Cley Miranda dos Santos. "Tenho um voo marcado amanhã [sábado] da França para o Brasil, mas não tenho como ir. A embaixada dá pouco apoio, somente informações incompletas."
Nota do Itamaraty
A Embaixada do Brasil no Cairo tem conhecimento da situação dos brasileiros retidos nesta última cidade, em decorrência das medidas de isolamento decretadas pelo governo egípcio.
Negociações com o governo e com as companhias aéreas estão em andamento para viabilizar solução que permita a todos os nacionais não residentes retidos no Egito o mais rápido retorno possível ao Brasil. A excepcionalidade da situação e as dificuldades impostas pelo isolamento imposto pelas autoridades no país desaconselham qualquer previsão, mas o Itamaraty está trabalhando, ininterruptamente, para lograr o retorno de nossos compatriotas.
Recomenda-se aos brasileiros, que ainda não o tiverem feito, informar de sua situação à Embaixada ou, por telefone, ao Grupo Especial de Crise para assuntos consulares e migratórios (G-CON), cujo número para casos na África e Oriente Médio é + 55 (61) 9826 00 568. Também é aconselhável acompanhar os anúncios feitos no site e nas mídias sociais da Embaixada.