Série de golpes e 'munição a opositores' levaram à queda de Evo
Em entrevista ao R7, professores comentam renúncia de presidente boliviano após ameaça de militares. Sucessor no comando é ainda incerto
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
Depois que Evo Morales renunciou à presidência da Bolívia na tarde de domingo (10) seguido pelo seu vice, Álvaro García Linera, é ainda incerto quem deve assumir o comando do país até a convocação de novas eleições.
Qualquer que seja o desfecho, é consenso entre especialistas ouvidos pelo R7 que a crise na Bolívia foi desencadeada por um golpe — ou por uma sequência de golpes, conforme explica Guilherme Frizzera, mestre em integração da América Latina pela USP (Universidade de São Paulo) e professor de Relações Internacionais na Unità Faculdade.
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“Tudo indica que houve golpes de ambos os lados. O golpe militar foi o que levou à renúncia de Evo Morales, a partir do momento em que ele perdeu o apoio das Forças Armadas e da polícia e decidiu abandonar o cargo”, diz.
“Um outro golpe, esse de Estado, teria partido do próprio Evo, quando ele tentou contrariar a Constituição para concorrer a um quarto mandato consecutivo, convocou um plebiscito no qual os eleitores rejeitaram a possibilidade de reeleição indefinida e acabou por se candidatar só depois de conseguir a liberação do Tribunal Constitucional”, analisa.
Carolina Pedroso, coordenadora e docente do curso de Relações Internacionais da Universidade de Ribeirão Preto, reforça que Evo foi vítima de um golpe militar. “Mesmo que tenha sido uma renúncia, foi uma renúncia com base em ameaças — quando as Forças Armadas pedem que o presidente saia do cargo, a ameaça está implícita, porque os militares e a polícia detêm o monopólio da força no país”, pontua.
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A professora lembra que, ainda na noite de domingo, Evo Morales denunciou que grupos violentos invadiram sua casa. “Membros do partido dele também tiveram casas incendiadas, os parentes foram ameaçados e a integridade física dessas pessoas esteve em risco — o que evidencia a ideia de um golpe."
Munição a opositores
Na opinião de Carolina, entretanto, Morales deu “munição aos opositores” ao percorrer o caminho que culminou na eleição de outubro.
“Evo enfrentou um desafio que outros líderes de esquerda da América Latina já enfrentaram: ele não conseguiu preparar um herdeiro político. Isso não é simples e nem automático”, explica.
“Sem transferir seu poder carismático e sem possibilidade, pela Constituição, de continuar na presidência, ele tentou mudar a Constituição contando com o apoio popular. Tudo isso acabou dando legitimidade às ações dos grupos que sempre quiseram tirá-lo do comando. Quem vê de fora entende que ele quis se manter governando e os opositores tiveram que agir com força porque não havia alternância de poder”, completa.
Sucessão no poder
Pela lei boliviana, na ausência do presidente e do vice, o chefe do Senado assumiria provisoriamente o comando do país — mas a ocupante da cadeira, Adriana Salvatierra, também abriu mão de seu cargo. Em comentários transmitidos pela TV, a senadora oposicionista Jeanine Añez disse que aceitaria a responsabilidade.
“Existe a necessidade de Evo entregar sua carta de renúncia ao Parlamento. É uma formalização importante. A partir do momento em que essa formalização ocorre, há duas possibilidades: de assumir o presidente do Senado ou o presidente da Corte Constitucional. Como o cenário está turbulento não se pode taxar que será um dos dois — ou mesmo se haverá eleições imediatamente”, resume Guilherme Frizzera.
Para Carolina Pedroso, grupos ligados às religiões cristãs devem tentar, a partir de agora, ocupar espaços que foram perdidos durante os mandatos de Evo Morales: “Ele tomou medidas que foram consideradas ofensivas para o cristianismo — uma delas foi proibir o proselitismo, proibir que membros de denominações cristãs batessem de casa em casa para pregar. Acabou comprando uma guerra com os grupos religiosos”, assinala a professora.
Nesse contexto, sobressai o advogado oposicionista Luis Fernando Camacho — que, após o anúncio de Morales sobre a saída do poder, entrou na sede do governo na Praça Murillo, em La Paz, levando uma Bíblia e a carta de renúncia para que o líder indígena assinasse. “Camacho substituiu Carlos Mesa — que concorreu com Evo nas eleições — como líder de oposição. Ele assumiu esse papel”, finaliza Guilherme Frizzera.