Terror na Europa: ataques revelam atuação de jihadistas nas prisões
Jovens marginalizados são facilmente recrutados por terroristas. Superlotação e falta de controle nas cadeias contribuem para problema
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
No último mês, o argelino Djamel Beghal foi extraditado da França e enviado de volta para seu país natal. Há mais de dez anos, Beghal cumpria pena por associação criminosa e terrorista. Mas nem enquanto esteve encarcerado ao sul de Paris ele parou de agir.
Beghal foi apontado como mentor dos irmãos Cherif e Said Kouachi — responsáveis pelo atentado contra a redação do jornal Charlie Hebdo em janeiro de 2015, matando 15 pessoas a tiros na capital francesa.
O caso de Beghal e os irmãos Kouachi é um entre muitos nas prisões da Europa e evidencia a transformação das penitenciárias em bases para o recrutamento de terroristas jihadistas — aqueles que seguem uma vertente mais radical do islamismo.
Segundo Scott Stewart, ex-agente do Departamento de Estado americano e analista de segurança e terrorismo na Stratfor, plataforma de inteligência geopolítica, os processos de "aliciamento" dentro das cadeias são diversos.
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"O que nós vemos são muitos muçulmanos presos por crimes menores, como roubo e invasão. Uma vez na prisão, eles se convencem de que o que fizeram foi errado e retomam a própria religião", relata.
"Isso meio que os deixa vulneráveis ao recrutamento pelos jihadistas (os islâmicos extremistas) que já estão na cadeia. Também acontece de os presos serem convertidos: neste caso, pessoas que não tinham um histórico muçulmano ou sequer religioso encontram o islã na prisão e acabam se apegando à versão radical da fé."
Jovens marginalizados
Peterson Silva, pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos do Exército Brasileiro, considera que jovens marginalizados em suas respectivas sociedades podem buscar em ideologias jihadistas alguma sensação de pertencimento.
"Eles se tornam presas fáceis para recrutadores e materiais voltados para a promoção dessas correntes nas redes sociais, os quais alimentam ataques em países pobres como Iraque, Afeganistão, Síria, Nigéria e Iêmen, mas também na França, Reino Unido, Bélgica e Alemanha, conforme observado nos últimos anos."
Um exemplo é o de Benjamin Herman, traficante belga de 31 anos que esteve preso durante anos, mas recebeu permissão para sair da cadeia durante dois dias no último mês de maio.
Durante a licença, matou a tiros dois policiais e um pedestre enquanto gritava "Allahu Akbar", a afirmação muçulmana da fé.
Investigações posteriores acabaram por revelar que ele teve contato com radicais islâmicos na prisão entre 2016 e 2017, quando também seguiu exortações online do Daesh (também conhecido como Estado Islâmico).
"Obviamente, organizações como Al-Qaeda e Daesh se beneficiam desse processo dentro das prisões. Mas além dos detentos que se juntam a grupos específicos, uma grande parte se declara simplesmente simpática ao extremismo e age sem necessariamente ser membro de uma organização. São pessoas que terminam por atuar como lobos solitários", comenta Stewart.
Problema global
Pelas regras do Estado laico, a França considera ilegal a contagem de prisioneiros muçulmanos dentro de suas cadeias, mas experts apontam que pelo menos 70% dos detentos no país seguem o islamismo. Já na Inglaterra, um levantamento do Home Office — departamento do governo britânico que lida com assuntos domésticos — aponta que 15% dos prisioneiros ali são muçulmanos.
Levantamento apresentado ao Comitê de Segurança Interna dos EUA em 2015, por exemplo, revelou que o islã tem sido descrito como a religião que mais cresce entre os prisioneiros norte-americanos, com estimativas de que até 40.000 se convertam a cada ano.
O analista da Stratfor lembra ainda que a guerra na Síria e a conduta do ditador Bashar al-Assad desempenharam um papel importante nos episódios recentes de radicalização dentro das prisões.
"Quando Assad queria controlar a insurgência contra ele, no início da guerra da Síria, ele tinha a intenção de pintar o que estava acontecendo como um movimento terrorista. Para tornar mais 'verdadeiro' este discurso, ele ordenou a liberação de muitos extremistas islâmicos que estavam presos na Síria. Alguns ficaram no país e se tornaram militantes da Al-Qaeda e outras organizações, outros foram para o exterior."
O caso da Indonésia
Carl Ungerer, especialista em política e segurança internacional que já trabalhou como conselheiro da Otan, desenvolveu um estudo especialmente sobre os casos de radicalização islamista nas prisões da Indonésia — onde, em 2002, pelo menos 202 pessoas foram mortas na zona turística de Bali em um atentado com bombas perpetrado por membros do grupo terrorista Jemaah Islamiya.
"Os indonésios prenderam mais de 700 indivíduos nos anos seguintes aos ataques. Só que os terroristas foram colocados nas mesmas prisões que detentos comuns, eles interagiam e se misturavam", detalha.
Para Ungerer, a superlotação pela qual passou o sistema penitenciário indonésio e a própria administração das prisões contribuíram para a radicalização de muitos detentos.
"O controle dentro do sistema penitenciário na Indonésia era muito frouxo em relação às atividades dos terroristas. Eles podiam, inclusive, usar laptops e ter acesso ao mundo exterior, o que não é o caso em muitos outros países", explica.
Além disso, Ungerer conta que a corrupção dentro do sistema prisional facilitava o fluxo de informações e materiais para dentro e fora das cadeias. "Isso dificultava o rastreamento, por parte da polícia, do que estava realmente acontecendo", afirma.
Outros grupos
Na opinião de Scott Stewart, os casos nas prisões europeias e da Indonésia encontram paralelos nos sistemas penitenciários de países da América Latina. "É o que acontece no Brasil com os prisioneiros que acabam obrigados a se unir a gangues de rua ou facções", lembra.
Processo é idêntico ao recrutamento de jovens para gangues e facções criminosas e também ocorre entre grupos de extrema-direita
Peterson Silva, do Centro de Estudos Estratégicos do Exército Brasileiro, conclui que a radicalização e a difusão de ideias extremistas não se dão apenas no contexto do islamismo. Neonazistas e o grupo supremacista branco Ku Klux Klan, nos EUA, são exemplos de movimentos extremistas bem conhecidos que também se aproveitam dos ambientes prisionais.
"Infelizmente, as prisões em vários países são terrenos férteis para a cooptação de grupos criminosos. Essa aproximação entre prisioneiros e as organizações pode ocorrer por questões de sobrevivência e integridade física, bem como afinidade ideológica, dependendo não só da situação psicológica particular daquele cidadão que acabou de chegar no estabelecimento prisional, como de eventuais quadros de superlotação e condições precárias de assistência e medidas socioeducativas."