Theresa May enfrenta os dilemas de romper a relação Reino Unido-UE
Prazo para o Brexit termina em março e ninguém sabe ainda em que termos o país deixará de ser parte da União Europeia. Nem a primeira-ministra
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
A semana foi atribulada para a primeira ministra britânica, Theresa May.
Depois que alguns rebeldes do próprio partido Conservador ameaçaram votar contra um acordo para o Brexit da forma como ele tem sido negociado, líderes da União Europeia também concluíram que as sugestões da premiê para a saída do Reino Unido do bloco prejudicariam a unidade entre os outros 27 países do grupo.
"Nesse contexto, ela fica em uma posição enfraquecida e não tem espaço para manobras. Ela se tornou uma prisioneira da própria política e das próprias posições", resume o professor doutor Kai Enno Lehmann, do Instituto de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo).
Enquanto isso, o relógio não para de correr rumo ao próximo dia 30 de março — prazo máximo para que o Brexit, a separação completa do Reino Unido da União Europeia, entre em vigor.
A questão da Irlanda
Um dos maiores impasses nas conversas entre os britânicos e União Europeia é a questão da Irlanda do Norte. O país, que é parte do Reino Unido, faz fronteira com a República da Irlanda — que, por sua vez, não vai deixar o bloco.
"O problema é que existe um trânsito muito grande de pessoas nessa fronteira: há quem cruze todos os dias para trabalhar", pontua Angélica Szucko, professora de Relações Internacionais na UFG (Universidade Federal de Goiás).
"O comércio da ilha também circula por ali. Com o Brexit nos moldes como os mais conservadores exigem — sem nenhuma flexibilidade, com um corte total de laços —, isso tudo ficaria prejudicado", explica.
O ideal seria ter um acordo até novembro, para que os parlamentares britânicos e europeus tenham tempo de revisar e aprovar o texto.
Mas longe de um entendimento entre as partes envolvidas, May foi perguntada sobre um caminho alternativo pela BBC TV. "Acho que a alternativa será não ter um acordo”, respondeu.
Saída sem acordo
Uma desfiliação do Reino Unido sem acordo algum com a União Europeia seria desvantajosa para ambos os lados, na opinião do professor Demetrius Pereira, especialista em Relações Internacionais e professor de Estudos Europeus da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).
"Seria um cenário de muita incerteza, de ruptura de laços entre parceiros de longa data. Uma primeira consequência seria a desvalorização da libra esterlina, já que haveria uma perda de confiança na competência de negociação dos britânicos. Se hoje eles são vistos como uma democracia consolidada, o Reino Unido poderia, sem um acordo, a sua capacidade de potência internacional”, diz o professor.
No caso da União Europeia, haveria também uma desvalorização do euro: embora o Reino Unido não tenha adotado a moeda, o país é uma das três maiores economias do bloco, que ficaria enfraquecido.
‘Brexit significa Brexit’
A despeito das incertezas, Theresa May se comprometeu a liderar o processo de ruptura assim que assumiu o cargo de primeira-ministra — logo depois que 52% dos britânicos responderam, em um referendo realizado em junho de 2016, que preferiam terminar a parceria de décadas com a Europa.
À época, uma das declarações mais famosas da premiê foi "Brexit means Brexit (Brexit significa Brexit)" — dita como um sinal do comprometimento de May em defender o interesse da maioria.
"Ela sempre se posicionou como alguém que vai cumprir a missão que lhe foi conferida e não dá indícios de que abandonaria esse processo", comenta Angélica Szucko, da UFG.
De lá para cá, entretanto, a confiança da população nas capacidades de negociação da primeira-ministra também foi abalada. Em maio de 2017, 47% da população acreditava no sucesso da liderança de May à frente do Brexit, segundo levantamento da ICM Research, uma das principais empresas de pesquisa de opinião pública no Reino Unido. No início de 2018, o número já havia caído para 35%. E atualmente, apenas 26% dos britânicos — um em cada quatro — confiam na liderança da premiê neste processo.
Kai Enno Lehmann, da USP, lembra ainda que o fracasso nas negociações levaria o partido de May a pagar um preço nas urnas.
"Seria desastroso para o governo. Como consequência, os conservadores não seriam reeleitos e provavelmente ficariam muito tempo longe do poder", aponta.
Novo referendo
Diante de tantas controvérsias, o prefeito de Londres, Sadiq Khan, disse no domingo (16) que, agora que a nação enfrenta uma escolha entre um mau acordo do Brexit e um Brexit ‘sem acordo’, os eleitores deveriam ter direito a outro referendo.
É fato que muita gente responderia a consulta popular de forma diferente se ela acontecesse nos dias atuais. De acordo com estudo da ICM Research feito no último mês, 46% dos britânicos optariam pela permanência do Reino Unido na União Europeia se houvesse um segundo referendo — contra 42% que se manteriam firmes na ruptura de laços. Pelo menos 6% disseram que nem votariam. O restante preferiu não comentar ou sequer tem uma opinião formada.
Lehmann, porém, considera remota a possibilidade de haver uma outra consulta sobre o tema. "É improvável, mas não impossível", diz.
"Eu acredito que o mais plausível é que seja feito uma consulta sobre o tipo de acordo a ser fechado com a União Europeia. Na minha opinião, não existe mais a possibilidade de o Reino Unido desistir de deixar o bloco", completa.
Decisão de última hora
Em pronunciamento na sexta-feira (21), Theresa May afirmou que a UE deve apresentar uma alternativa às propostas do Brexit e advertiu que nunca aceitará um desmembramento do Reino Unido, em referência ao impasse envolvendo a Irlanda do Norte.
Os líderes europeus, por sua vez, devem se reunir novamente para discutir o assunto em outubro — no que, segundo Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, deve ser o "momento da verdade" para as negociações.
O professor Kai Enno Lehmann considera que a premiê deve tentar uma solução de última hora para evitar uma saída sem acordo.
"O ambiente no Reino Unido é muito instável neste momento e a UE tem um histórico de fechar acordos no último minuto. É bem provável que as conversas sejam levadas até a meia-noite do dia 29 de março. Isso daria ao bloco a última palavra, um momento de máximo poder", finaliza.