Provas mostram elo entre traficantes em chacina de 43 estudantes no México
Material inédito com milhares de mensagens aponta que órgãos do governo trabalhavam secretamente para cartel
Internacional|Do R7
A história dos 43 universitários que foram atacados a tiros pela polícia, forçados a entrar em carros de patrulha, entregues aos cartéis e que continuam desaparecidos talvez seja o caso antigo sem solução mais famoso do México.
O mistério atormenta o país há quase dez anos. Como uma gangue relativamente desconhecida conseguiu cometer uma das piores atrocidades da história nacional recente, com a polícia e o Exército acompanhando o sequestro em massa em tempo real?
Um material inédito com cerca de 23 mil mensagens de texto, depoimentos de testemunhas e arquivos investigativos, obtido pelo The New York Times, aponta para uma resposta: praticamente todos os ramos do governo naquela região do sul do México trabalhavam secretamente para a organização criminosa havia meses, colocando a máquina pública estadual nas mãos do cartel para eliminar os obstáculos em seu caminho.
A comunicação mostra que os comandantes cujos homens sequestraram parte dos estudantes naquela noite de 2014 vinham recebendo ordens diretas dos traficantes; de fato, um deles chegou a fornecer armas aos criminosos, enquanto outro perseguiu a facção rival a pedido destes.
O Exército, que monitorou de perto a abdução, mas em nenhum momento ajudou os jovens, também recebeu propina. Nos torpedos, pegos por grampo, os narcotraficantes e seus colaboradores reclamavam da ganância sem fim dos soldados.
Guerreros Unidos
Há muito se sabe que os policiais e vários membros do governo ajudaram os criminosos a raptar os estudantes ou assistiram à ação sem fazer nada para impedi-la, mas as mensagens foram uma verdadeira revelação para os investigadores, proporcionando a definição mais clara até o momento dos possíveis motivos para o conluio entre as autoridades e os assassinos.
Até então, o público tivera acesso a pouco mais de 25 conversas eletrônicas, mas o que os milhares de outras revelam é estarrecedor: o cartel Guerreros Unidos foi muito além da compra de favores individuais, tendo, na prática, transformado esses servidores públicos em seus empregados.
Segundo os investigadores, a morte dos 43 estudantes só foi possível graças à subserviência do governo e a uma lealdade profundamente arraigada. Um dos primeiros socorristas a chegar à cena naquela noite fazia bico colhendo informações para o cartel. Durante vários meses, os grampos registraram as atualizações minuto a minuto sobre as atividades dos policiais a um líder do Guerreros Unidos a quem chamava de "patrão".
Um legista também agiu segundo ordens, enviando fotos dos cadáveres e provas da cena do crime. As investigações revelam que, depois de matar alguns dos estudantes, os traficantes incineraram os corpos em um crematório que pertencia à família do médico.
Perguntas
As mensagens talvez também ajudem a responder a uma pergunta que continua aberta no caso: por que a gangue executou dezenas de universitários que estavam estudando para serem professores e não tinham nada a ver com o crime organizado?
O fato é que, nas semanas e nos meses anteriores à abdução, o grupo foi ficando cada vez mais paranoico, fragilizado por disputas internas fatais e com dificuldade para defender seu território diante da pressão dos rivais.
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Por isso, quando dezenas de jovens chegaram à cidade de Iguala em uma caravana de ônibus — não muito diferentes dos que seus integrantes usavam para esconder drogas —, os traficantes confundiram o comboio com uma invasão inimiga e deram ordem para atacar.
Nove anos depois do desaparecimento dos jovens, ninguém foi condenado, transformando o caso em símbolo de um sistema falido, que não consegue nem solucionar os atos mais explícitos de barbárie. O governo anterior foi acusado de orquestrar uma operação ampla para encobrir o envolvimento das forças federais no caso.
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