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Trump cria problema para EUA e o mundo ao mandar matar Soleimani

Não foi alvo qualquer, mas herói nacional popular e principal arquiteto militar do Irã. O petróleo sobe. Difícil crer em reação suave. E daí para coisa pesada...

Internacional|Eduardo Marini, do R7

Morte de Soleimani tem potencial para gerar revolta no Irã, Iraque e entre árabes
Morte de Soleimani tem potencial para gerar revolta no Irã, Iraque e entre árabes

Os Estados Unidos assumiram a responsabilidade pela ação que matou o chefe da Guarda Revolucionária do Irã, general Qasem Soleimani, e um dos principais comandantes da milícia xiita de influência iraniana no Irã e Iraque, Abu Mahdi al-Muhandis, na noite desta quinta-feira (2) em um ataque aéreo ao comboio que abrigava os dois líderes no aeroporto de Bagdá, no Iraque. A milícia xiita acusa Estados Unidos e Israel de terem liderado a ação.

Veja também: Estados Unidos assumem ataque aéreo que matou general iraniano em Bagdá

Três foguetes teriam atingido o aeroporto. Além de Soleimani e Al-Muhandis, outras sete pessoas pessoas teriam morrido no ataque, que reduziu a poeira e sobras de aço retorcido e fumegante os veículos que abrigavam as duas lideranças.

Ao liderar a ação, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e seu governo certamente criaram, para seus povos, países, o Golfo Pérsico, o Oriente Médio e talvez o mundo, um clima de tensão maior do que as geradas pela queda e morte do líder iraquiano Saddam Hussein e a execução, por comandos americanos, do fundador da Al-Qaeda, Osama Bin Laden.


As duas somadas, a bem da boa explicação. Como, por sinal, fizeram questão de destacar quase todos os gigantes da imprensa mundial, entre eles a seção americana do canal de notícias CNN e o mais influente jornal do planeta, The New York Times.

Os riscos de reação pesada do Irã e de seus parceiros árabes mais cedo ou mais tarde, com desdobramento em guerra, são reais. Imediatamente após o ataque, o preço do barril de petróleo subiu cerca de 4% em todas as cotações do produto no mundo abertas a partir do início da madrugada de sexta-feira (3) pelo horário de Brasília.


Uma reação violenta do Irã e de seus parceiros no Iraque, Síria, Líbano, Afeganistão e nações árabes, a partir de ataques militares formais ou iniciativas de grupos paramilitares com motivações políticas e religiosas, se vier, será motivada sobretudo pela morte do general Soleimani.

Herói nacional, figura extremamente popular entre iranianos, iraquianos e árabes aliados, Soleinami, que tinha 62 anos, era, de fato, a segunda figura em importância e poder do Irã, uma república teocrática islâmica localizada no coração do Golfo Pérsico.


Na prática, ficava atrás apenas do aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do regime e maior autoridade política e religiosa do país. Pairava acima até mesmo do presidente, o moderado Hassan Rohani, sétimo desde a criação do cargo, que substituiu o esquentado e falador Mahmoud Ahmadinejad. Khamenei e Rohani prometeram vingança.

O Afeganistão, país com grande fronteira com o Irã a centro leste, declarou abrir seu espaço aéreo a manobras do vizinho para ações contra os americanos.

Com apoio total de Khamenei e da quase totalidade da cúpula religiosa iraniana, Soleinami era uma das principais vozes a ditar o planejamento e o ritmo das ações diplomáticas e, sobretudo, militares de seu país. E também das milícias árabes, iraquianas, sírias e libanesas parceiras, no vai-e-vem da incessante queda de braço entre árabes, persas, Israel e os Estados Unidos, de longe o calo mais perseverante e incômodo entre todas as disputas geopolíticas internacionais.

Soleinami era inteligente e ao mesmo tempo agressivo na formulação de estratégias. Sabia conduzir comandados e seduzir líderes influentes a fazer o que ele desejava. Tinha poder, carisma e capacidade de interlocução. Era muito ouvido em todos esses setores, grande arquiteto e última palavra na formulação de todos esses projetos de ação.

Por tudo isso, e obviamente por ter estado por trás de inúmeras ações e reações militares nesta que é a região mais turbulenta do planeta, era, não por acaso, considerado terrorista pelos governos israelense e americano.

Criada pelo aiatolá Khomeini em meio à Revolução Islâmica de 1979, a Guarda Revolucionária, que era comandada por Soleinami, representa muito mais do que uma fatia militar poderosa, elitizada e prestigiada pelo governo e os cidadãos iranianos.

Com tropa estimada entre 130 mil e 160 mil componentes em terra, água e ar, ela é, a rigor, uma potência industrial, com tentáculos espalhados pela maior parte dos setores vitais do país, lealdade feroz ao líder religioso supremo e influência política determinante e praticamente inquestionável na sociedade.

Seus braços alcançam o comando do Basij, organização paramilitar religiosa composta por voluntários; as forças Quds, de combate em nome do país nos conflitos na região; e todos os programas de desenvolvimento de mísseis regionais e intercontinentais balísticos do país, incluindo os nucleares.

É oportuno lembrar que o Irã afirma ter mísseis com alcance de dois mil quilômetros, o que deixaria centenas de instalações, núcleos e bases civis e militares e americanas, e também israelenses, ao alcance e possível alça de mira do governo de Teerã.

Não bastasse, qualquer espaço ocupado por americanos e israelenses em áreas persas, árabes ou qualquer outro ponto do mundo se torna, a partir de agora, com o ataque, alvo potencial de ações civis ou militares iranianas. Os sentimentos de um redneck civil do sul de Boston com parentes ou entes queridos morando fora das fronteiras americanas ou um israelense assentado e influente em algum canto do mundo, neste momento, não devem ser exatamente os de segurança e tranquilidade.

O Irã sabidamente enriquece urânio, embora seu governo argumente que o faz apenas para objetivos pacíficos. Israel, que o Irã islâmico não reconhece como nação, considera os projetos nucleares e de mísseis balísticos iranianos ameaças à sua existência. Tem incentivado Trump em sua vontade de abandonar o acordo assinado pelos EUA sobre o programa nuclear iraniano e retomar sanções a Teerã.

A milícias xiitas, que atuam sob proteção do Irã, mataram um funcionário americano recentemente. Na retaliação, os EUA bombardearam posições dos xiitas em três pontos do Iraque e em dois da Síria, em ataques que teriam deixado 25 mortos.

Os milicianos deram o troco invadindo a Zona Verde, área das embaixadas em Bagdá, capital do Iraque. Apedrejaram a representação americana e por pouco não a tomaram. Na quinta-feira (2) veio a reação violenta de Trump, baseada no argumento de que novos ataques iranianos já estavam preparados para ações em breve.

Justificativa aparentemente inócua, mesmo porque agora, se eles, os ataques, estavam de fato engatilhados, as chances delas, as retaliações, ocorrerem com maior intensidade a partir do ataque, com a morte de Soleimani, aumentam de forma exponencial.

Será oportuno, nas próximas horas e dias, observar o que iranianos, iraquianos e árabes farão nas ruas de Teerã, Bagdá, Beirute e de outras cidades árabes e persas.

O fogo ficará mais próximo ou longe do pavio de uma grande reação – e, no limite, de novos ataques militares e combates – a depender da reação popular nestes pontos do mundo.

Ao menos por enquanto, por todos os lados que permitem visão, Trump, ao ordenar a eliminação de Soleimani, parece ter criado muito mais problemas do que soluções.

Enquanto isso, o petróleo segue em alta no mundo. Parece ser apenas o começo. Infelizmente, não será uma conta paga apenas por Trump, americanos e israelenses, como se percebe.

Ao que tudo indica, daqui a pouco parte importante dela – a conta – chegará também por aqui.

Primeiro, nas bombas de combustível. Depois, a se ver.

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