Ucranianas na linha de frente: 'O mais difícil é ver a morte dos nossos irmãos e irmãs do Exército'
Militar e paramédica que estão no combate contra os russos denunciam 'genocídio absoluto' e crimes de guerra
Internacional|Letícia Sepúlveda, do R7
Na linha de frente da guerra na Ucrânia, mulheres arriscam a vida para proteger seu país da invasão russa. No imaginário que envolve um conflito como esse, é comum que as militares e as profissionais das mais diversas áreas em um campo de batalha sejam esquecidas, porém elas sempre estiveram presentes.
Em seu trabalho sobre o papel feminino na antiga União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial, a escritora ucraniana Svetlana Aleksiévitch, ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura, ressaltou que “a guerra tem rosto de mulher”, com suas conterrâneas não seria diferente.
“Escolhi a profissão militar, o que significa que minha principal função é proteger os cidadãos da Ucrânia”, afirma Khrystyna, que atualmente combate nos campos de batalha.
A ucraniana falou com exclusividade ao R7 e pediu para não se identificada pelo sobrenome por estar atuando diretamente na linha de frente e temer por sua segurança com a exposição.
Para boa parte do mundo, a guerra entre Kiev e Moscou começou com a invasão do território ucraniano em 24 de fevereiro. No entanto, para Khrystyna e muitos outros conterrâneos, essa luta já dura há anos. “A Rússia começou a guerra contra a Ucrânia em 2014, quando ocupou a Crimeia e a região do Donbass. Putin e a Federação Russa agora estão tentando tomar toda a Ucrânia e intimidar o mundo inteiro”, diz a militar.
De acordo com o projeto multimídia Ukraine World, em março de 2020, 29.760 mulheres faziam parte das Forças Armadas da Ucrânia. “Desde o início da invasão russa do leste da Ucrânia em 2014, elas assumiram todas as funções possíveis no Exército e nos batalhões de voluntários, servindo como paramédicas, snipers e operando metralhadoras", completa o texto informativo.
Khrystyna estava entre as mulheres que serviam no leste do país depois do avanço russo. “Após a invasão de 2014, todos os ucranianos perceberam que defender a Ucrânia não tem gênero”, conclui.
Ao lado dela, Katerina Prymak trabalhava como paramédica na região. “O mais difícil é ver a morte dos nossos irmãos e irmãs do Exército. Uma pessoa se acostuma com tudo: novas condições, desconforto, tarefas difíceis… mas não com a morte.”
Para Katerina, a hostilidade da invasão da Rússia no Donbass foi “apenas um ensaio”. Ela explica que o período de invasão foi terrível para quem vivia no leste do país, assim como agora todo o país enfrenta o terror da guerra. “Muitos tiveram que fugir, alguns pela segunda vez.”
Atualmente, Katerina faz parte do Movimento de Mulheres Veteranas do Exército ucraniano e trabalha oferecendo ajuda humanitária em meio ao avanço russo em Kiev. “Quando a Rússia invadiu todo o território do nosso país, a maioria dos membros do nosso movimento voltou às fileiras de suas unidades e agora está em guerra.”
“Minhas irmãs do Exército e eu, que ficamos na capital, montamos um armazém de reação rápida para ser útil. Juntaram-se a nós dezenas de pessoas e conhecidos, que se tornaram voluntários. Todos nós começamos a responder às necessidades de civis e militares que podemos ajudar”, diz a paramédica.
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Refugiados e crimes de guerra
Em meio às ofensivas do Exército russo, mais de4 milhões de ucranianos decidiram deixar seu país, de acordo com o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Apesar da grande crise, a negociação entre as partes do conflito não parece avançar.
Na última quarta-feira (30), o porta-voz da Presidência russa, Dmitri Peskov, afirmou que as negociações entre as delegações russa e ucraniana em Istambul, na Turquia, não produziram resultados promissores. Enquanto isso, autoridades ucranianas acusam a Rússia de bombardear regiões em que prometeu trégua, como a capital, Kiev.
“O governo ucraniano está tentando evacuar civis da zona de guerra, organizando corredores verdes humanitários e ajuda humanitária. No entanto, as tropas russas estão obstruindo as atividades do governo, saqueando ajuda e atirando em corredores pacíficos”, denuncia Khrystyna ao falar sobre um “genocídio absoluto” do povo ucraniano.
As duas mulheres que atuam na linha de frente insistem na ajuda dos países da Otan, entretanto afirmam que os esforços atuais não são suficientes.
Katerina explica que “há a impressão de que os países com exércitos poderosos estão apenas nos observando tentar destruir Putin, um homem incontrolável. Precisamos de forças aliadas, precisamos de armas, precisamos que os países da Otan fechem os céus. O que está acontecendo em Chernihiv, Mariupol e Kharkiv são crimes de guerra”. O governo russo nega ter como alvo os civis ucranianos.
Para a colega Khrystyna, “a Otan e a União Europeia devem compreender que esta não é uma guerra contra a Ucrânia, é uma guerra contra todo o mundo civilizado. Eles devem fazer todo o possível para parar a Rússia e Putin, que não devem ter influência ou recursos para continuar esta guerra e matar pessoas inocentes com o objetivo de realizar suas ambições doentia”.