Uruguai diz "nunca mais" à ditadura, 40 anos depois do golpe de Estado
Internacional|Do R7
Álvaro Mellizo. Montevidéu, 27 jun (EFE).- O Uruguai disse nesta quinta-feira "nunca mais" à ditadura e elogiou a figura daqueles que se opuseram em 1973 ao golpe de Estado que liquidou as instituições democráticas e afundou o país no período mais obscuro de sua história recente, sem esquecer as dívidas que ainda restam desse período. Dezenas de atos, conferências, cerimônias, conversas e manifestações foram realizados em todo o país para lembrar o 40º aniversário do golpe que dissolveu as duas câmaras do Parlamento, e o início de uma greve geral que se prolongou por 15 dias no meio da repressão e que foi o principal ato de resistência civil enfrentado pela incipiente ditadura. O lema que marcou a jornada de lembrança foi "nunca mais" e a defesa da democracia, mas também fez-se sentir a reivindicação pelas dívidas que ainda quatro décadas depois não foram saldadas, segundo o julgamento dos ativistas e defensores dos direitos humanos. Segundo explicou à Agência Efe Raúl Olivera, um dos responsáveis da área de Direitos Humanos da central operária PIT-CNT, a homenagem por esta data é para os homens e mulheres que "de forma inédita na América Latina", resistiram ao golpe em uma greve geral durante 15 dias com um alto custo em "vidas e tortura". "E sim, não resta dúvida que houve essa resistência, que é o que permitiu que hoje tenhamos democracia. Mas o que ainda não entendem todos é que existem temas que ainda não foram saldadas, como a justiça pelo terrorismo de Estado. E esse é o tema que também levantamos", acrescentou. Olivera reconheceu que essa falta de soluções ainda mantém "feridas abertas", uma situação da qual nenhum grupo político do país está livre de culpa, incluindo o governante e esquerdista Frente Ampla. O sindicalista se referia assim à existência de dezenas de detidos desaparecidos pela ditadura dos quais ainda não se conhece o paradeiro e a persistência de uma lei que protege a impunidade que os autores destes crimes. Segundo a Comissão para a Paz criada para investigar aquele trágico período, entre 1973 e 1985 a ditadura no Uruguai deixou 38 desaparecidos, embora na Argentina tenham sido denunciados outros 182 desaparecimentos de cidadãos uruguaios; no Chile, oito; no Paraguai, dois; e no Brasil, um. No fim da ditadura, o Parlamento aprovou em 1989 a Lei de Caducidade, uma espécie de lei de anistia para os que cometeram crimes naquela época que foi ratificada pela população em dois referendos em 1989 e 2009. Na prática, essa norma dificulta o processamento dos violadores de direitos humanos daquela época e embora a Suprema Corte de Justiça a tenha declarado inconstitucional em alguns casos, continua sendo considerada um obstáculo para investigar o paradeiro dos desaparecidos. O reitor da Universidade da República Rodrigo Arocena explicou à Efe após participar de uma grande marcha pelo centro de Montevidéu, que o "principal ensino" que deixaram os atos de resistência ao golpe foi que "a democracia nunca tem certeza e que é preciso afirmá-la todos os dias". "Imagine você um povo unido e desarmado enfrentando a prepotência do aparato militar e resistindo por 15 dias? Essa era uma batalha que se sabia que ia ser perdida, mas tinha que acontecer porque não se podia aceitar a imposição militar. E como houve gente heroica que apresentou essa batalha, hoje podemos dizer que o Uruguai é melhor", disse. O Governo uruguaio liderado por José Mujica participou durante a jornada em uma sessão extraordinária da Assembleia Geral junto com os chefes das Forças Armadas, na qual foram lembrados os fatos daquele ano e se insistiu na defesa dos valores democráticos. Durante essa cerimônia, representantes do Partido Colorado admitiram sua responsabilidade pelo fato de que Juan María Bordaberry, presidente que assinou o decreto de supressão das câmaras e abriu o caminho ao poder para os militares, era representante de seu partido. A Intendência de Montevidéu organizou um percurso histórico pelos lugares emblemáticos da resistência contra a ditadura. EFE amr/ma (foto) (vídeo)