Venezuela: Geração Z sonha mais com um futuro em outro país do que com a resistência a Maduro
Crise econômica e repressão política fazem jovens pensarem em deixar o país
Internacional|Stefano Pozzebon, da CNN em espanhol

Espanha, Canadá, República Dominicana, Alemanha… hoje em dia, perguntar a um estudante universitário venezuelano onde ele se vê daqui a cinco anos é como pedir, figurativamente falando, que ele viaje pelo mundo. Eles sonham com muitos destinos possíveis. E a resposta raramente é Venezuela.
O sonho de migrar e de um futuro melhor longe de casa permanece vivo na Geração Z venezuelana, o que também ajuda a explicar por que o movimento estudantil não confronta mais o governo de Nicolás Maduro dentro e fora das salas de aula como fazia em anos anteriores. Outras razões podem ser muito mais drásticas
“Há frustração, há medo e há raiva. Podemos não estar completamente inativos. Mas se sequer levantarmos a cabeça, isso é automaticamente uma sentença de morte”, disse um líder estudantil em Caracas à CNN. Assim como outros estudantes contatados para esta reportagem, ele pediu para permanecer anônimo por medo de represálias.
Em momentos cruciais de tensão política nos últimos anos, como o referendo constitucional de 2007 ou os protestos de rua de 2014, 2017 e 2019, o movimento estudantil sempre esteve na vanguarda da oposição ao governo. Mas, neste ano, a política foi mantida fora dos campi universitários.
Uma exceção ocorreu no início de outubro, quando o Prêmio Nobel da Paz foi concedido à líder da oposição, María Corina Machado, que permanece foragida.
Diante do silêncio quase total no rádio e na televisão da Venezuela, onde o governo Maduro impõe uma censura rigorosa, um grupo de estudantes da Universidade Católica Andrés Bello (UCAB), alma mater de Machado, conseguiu pendurar uma faixa com os dizeres: “O Prêmio Nobel da Paz de 2025 leva o selo da UCAB”. A faixa foi retirada algumas horas depois.
A CNN conversou com alguns dos estudantes responsáveis por esse ato, que explicaram que tal ação era o máximo que podiam fazer em meio à repressão.
“Na Venezuela, não é segredo que tudo é monitorado, tudo é regulamentado, e você não pode se expressar tão livremente quanto em outros países”, disse um deles.
Enquanto este ano houve protestos de jovens em todo o mundo, do Nepal ao Marrocos e no Peru, na Venezuela, aqueles que se manifestam contra o governo têm mais probabilidade de serem interrogados pela polícia do que de receberem apoio popular.
De acordo com a organização de direitos humanos Foro Penal, há atualmente mais de 800 pessoas detidas por motivos políticos no país, muitas delas sem sequer terem sido levadas a um tribunal.
O governo de Nicolás Maduro nega a existência de presos políticos no país e, nos últimos doze meses, concedeu anistia a manifestantes detidos durante os protestos que se seguiram às eleições de 28 de julho de 2024.
“Todos nós conhecemos pessoas que foram presas, sim”, diz um dos estudantes. “Muitos foram libertados, mas a perspectiva de passar algumas semanas em uma prisão de segurança máxima, como a temida Helicoide, é motivo suficiente para não tornar os protestos públicos.”
Se nada mudar, dizem os estudantes da UCAB, é difícil imaginar que ainda estarão vivendo na Venezuela em 2030.
Isso não significa que a Geração Z apoie o cerco militar que parece estar se intensificando em torno de Maduro. Os Estados Unidos enviaram destroieres, jatos, drones e o maior porta-aviões do mundo para o Caribe do Sul em uma aparente tentativa de pressionar Caracas, embora Washington diga que faz parte da luta contra o narcotráfico.
“Não podemos fingir que vamos colocar toda a responsabilidade pela liberdade de uma nação em um estrangeiro”, diz um estudante que vê a recente ofensiva dos EUA com suspeita. “Nunca houve um estrangeiro que viesse libertar uma nação sem pedir algo em troca. Pensar que isso é um ato de pura boa fé me parece um pouco tolo.”
Na última segunda-feira, um grupo de jovens que se identificam como apoiadores da oposição realizou um protesto em frente à Embaixada dos EUA em Caracas, que está vazia desde 2019.
Agitando faixas com as fotos de Alexandria Ocasio-Cortez e Bernie Sanders, eles denunciaram o risco de uma guerra permanente no Caribe.
Um dos manifestantes, Gabriel Cabrera, disse à CNN que o risco era transformar a Venezuela em um novo Vietnã ou Iraque, referindo-se a outras intervenções militares dos EUA no exterior que resultaram em crises humanitárias.
A manifestação de segunda-feira ocorreu perto de alvos sensíveis, como embaixadas e missões diplomáticas, e sob o olhar atento das forças de segurança do governo, incluindo o Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (SEBIN), o que parece sugerir que manifestações como essas têm a aprovação tácita do Executivo.
Cabrera também falou sobre o fantasma da migração. “Não tenho meios para fugir para Bogotá, Madri, ou muito menos Miami”, disse ele à CNN, admitindo que, de uma forma ou de outra, está destinado a viver na Venezuela por razões econômicas.
A crise econômica e o fenômeno migratório são as duas cruzes que caracterizam a história recente da Venezuela.
Entre 2022 e 2024, políticas monetárias mais pragmáticas de Maduro e as dificuldades enfrentadas por milhões de migrantes venezuelanos em toda a América do Sul neutralizaram esses fenômenos. Mas dados preliminares sugerem que eles estão ressurgindo em 2025.
Nos últimos doze meses, o valor do bolívar despencou 400% em relação ao dólar, segundo dados do Banco Central, e o fantasma da inflação voltou a assombrar as ruas de Caracas.
Ainda é cedo para determinar se a escalada geopolítica no Mar do Caribe levou mais venezuelanos a deixarem o país, mas Alba Pereira, da Fundação Entre Dos Tierras, que presta assistência a migrantes no departamento colombiano de Santander, disse à CNN que o número de pessoas que estão sendo ajudadas aumentou de 20% a 30% nos últimos três meses.
“Hoje foram sessenta pessoas, pessoas caminhando. No sábado, 132 pessoas. E são famílias inteiras, famílias inteiras partindo”, diz Pereira.
Embora esses números estejam longe dos níveis recordes de migração de 2021, quando a fundação chegou a ajudar até 700 pessoas por dia, Pereira teme que os cortes na ajuda internacional causados pelo fechamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), a principal agência de ajuda humanitária, possam aumentar o risco de emergências humanitárias. “De uma forma ou de outra, 100% das doações vieram da USAID. Temos o treinamento necessário para prestar assistência, mas não há recursos e ninguém fez o apelo. Podemos continuar até 31 de outubro. Depois disso, não sabemos o que acontecerá”, disse Pereira.
Miguel, um dos estudantes que conversou com a CNN e pediu para não ser identificado, disse que também conhece detentos de quem teve que se despedir. Mas, segundo ele, essa não foi a pior parte. “Uma despedida que me machucou muito foi a do meu primo. E não tanto porque ele estava fugindo de uma possível repressão, mas porque a situação no país, como para todos, nos obrigou a buscar um futuro em outros países. E isso é muito difícil.”
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