Venezuela: qualquer que seja autor, atentado expõe democracia frágil
Presidente Nicolás Maduro se apressou em acusar o líder da Colômbia e extrema-direita colombiana de envolvimento no ataque com drones
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
De um lado, a versão é de que o suposto atentado contra o presidente venezuelano Nicolás Maduro no último sábado (4) foi perpetrado por grupos oposicionistas de extrema-direita.
Do outro, há quem diga que o próprio governo orquestrou a ação, como meio para justificar a perseguição de adversários políticos. Qualquer que seja o caso, não são positivos os efeitos para a já fragilizada democracia no país.
"Se este foi um ataque realmente planejado contra o Maduro, a impressão é de que as coisas estão piorando no país, que pode viver uma tomada de poder violenta", comenta José Maria de Souza, doutor em Ciência Política e especialista em América Latina das Faculdades Integradas Rio Branco, de São Paulo.
Souza reforça que um processo de deposição marcado pela violência não dá uma boa perspectiva para o cenário pós-Maduro. "Em contrapartida, existe a suspeita de que esse atentado tenha sido promovido pelo próprio governo para legitimar um endurecimento do combate contra grupos oposicionistas. Se essa hipótese for verdadeira, significa que Maduro está usando de diferentes instrumentos para se manter no poder", aponta o especialista.
Guilherme Frizzera, mestre em integração da América Latina pela Universidade de São Paulo e doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, lembra que ameaças a líderes políticos já foram usadas como recurso final de diferentes governos para tentar reaver o apoio da população.
"Um exemplo clássico na história da América Latina é o da guerra nas Malvinas, quando a ditadura militar argentina inflamou a população a lutar na disputa sobre aquelas ilhas e acabou conseguindo um apoio momentâneo. Logo depois, entretanto, a derrota dos argentinos na batalha levou à queda dos militares."
Inimigos externos
Após o incidente — que ocorreu enquanto Nicolás Maduro discursava em uma das principais avenidas de Caracas por ocasião do 81° aniversário da Guarda Nacional —, o presidente se apressou em acusar o líder da Colômbia, Juan Manuel Santos, e a extrema-direita colombiana de envolvimento no ataque.
Frizzera lembra que não é de agora que a Venezuela considera o país vizinho como um de seus grandes rivais. "Pela proximidade da Colômbia com os Estados Unidos, Maduro costuma citar o governo colombiano como um de seus principais inimigos", diz o pesquisador. "Isso é muito típico de estados onde existe autoritarismo e a democracia é frágil. O discurso acaba garantindo que o presidente venezuelano não pareça vulnerável — ele demonstra que a ameaça vem de fora, que não existe falta de habilidade para lidar com a questão de segurança de forma interna."
De acordo com o governo, foram usados, durante o atentado, dois drones modelo DJI M600 com capacidade para suportar grandes cargas. Os artefatos não feriram Maduro, segundo o ministro Vladimir Padrino, “graças às técnicas especiais” da Guarda de Honra.
Nesta segunda-feira (6), a Venezuela informou que seis envolvidos no incidente foram detidos.
"Temos até agora seis terroristas e assassinos detidos, vários veículos apreendidos, e foram feitas várias buscas e apreensões em hotéis da capital do nosso país, onde houve coleta de importantíssimas evidências", disse o ministro do Interior, Néstor Reverol, na emissora oficial de televisão.
Soldados de camiseta
O grupo autointitulado “Movimento Nacional de Soldados de Camiseta”, por sua vez, afirmou em postagem no Twitter que é o autor do suposto atentado.
"A operação era sobrevoar com dois drones carregados com [explosivos] C4 e o alvo sendo o palco presidencial. Mostramos que são vulneráveis, não foram alcançados hoje, mas essa é uma questão de tempo", disse a publicação.
Para quem acompanha a política venezuelana, entretanto, é difícil acreditar que a organização — que diz ter sido criada há quatro anos para "agrupar todos os grupos de resistência a nível nacional e dar efetividade à luta contra a ditadura" — esteja, de fato, por trás do ataque.
"As únicas ameaças de retirada à força de um presidente da Venezuela nos últimos anos se deram por militares. A oposição simplesmente como grupo político nunca demonstrou uma vontade de tomar o poder de forma violenta. Seria novidade se eles estivessem fomentando este tipo de ação, se partissem agora para a luta armada. Os opositores sempre tentaram se firmar por meios eleitorais. Inclusive, quando eles não veem chances de ganhar, ou eles se retiram do pleito ou tentam ganhar maioria no Congresso", ressalta Guilherme Frizzera.
“Caso os indícios de que o próprio Maduro forjou o atentado sejam confirmados, pode ser este um dos últimos suspiros do atual presidente”, conclui o especialista.