Áudio revela drogas para lobista na Papuda e propina em mochila
Deputado João Magalhães diz ter levado dinheiro para Lúcio Funaro comprar cocaína na Papuda e relata dinheiro vivo pra ex-vice-governador de MG
Minas Gerais|Ezequiel Fagundes, da Record TV Minas
Uma gravação feita pelo ex-executivo da J&F Ricardo Saud, delator da Lava Jato, revela que o então deputado federal do MDB de Minas, João Magalhães, levou dinheiro para o doleiro Lúcio Funaro comprar drogas na penitenciária da Papuda, em Brasília.
Em outro trecho da conversa, o parlamentar conta que Funaro lhe deu uma mochila de dinheiro e que o montante tinha como destinatário o ex-vice-governador de Minas Antônio Andrade, do MDB. O jornalismo da Record TV Minas teve acesso à íntegra da gravação.
Ex-braço direito do empresário Joesley Batista, dono do grupo J&F, Ricardo Saud gravou uma longa conversa com o ex-deputado federal e atual deputado estadual do MDB, João Magalhães, na sede da empresa em São Paulo.
A gravação faz parte da operação Capitu, desdobramento da Lava Jato, desencadeada a partir da delação premiada do doleiro Lúcio Funaro. Funaro é apontado como operador financeiro do MDB na Câmara dos Deputados.
Em um trecho, o deputado João Magalhães e Ricardo Saud começam a falar sobre uma pendência financeira. Em seguida, Magalhães conta ter levado chocolate e dinheiro para Lúcio Funaro comprar drogas na Papuda. A maconha, segundo o parlamentar, é para o próprio Funaro, citado pelo apelido de Maluquinho.
Já a cocaína seria para Funaro comprar e distribuir para outros presos do pavilhão. O deputado diz que deu R$ 1.300 em espécie, apesar de admitir que o valor máximo permitido é R$ 300.
Magalhães, em tom de brincadeira, diz a Saud que nunca viu uma pessoa devorar um barra de chocolate tão rapidamente. Funaro passou uma temporada na Papuda e depois foi solto após fechar acordo de delação premiada.
Confira a transcrição das mensagens:
JOÃO MAGALHÃES: O MALUQUINHO resolveu não.
RICARDO SAUD: Não, ele não foi ele que resolveu. O conta-corrente dele. Aquilo tá resolvido. Cê tomou um chapéu.
JOÃO MAGALHÃES: Quem que resolveu? Vocês resolveram, o MALUQUINHO, não.
RICARDO SAUD: Ele autorizou.
JOÃO MAGALHÃES: Ãh?
RICARDO SAUD: E debitou pra ele.
JOÃO MAGALHÃES: (ininteligível).
RICARDO SAUD: Ãh?
JOÃO MAGALHÃES: (ininteligível).
RICARDO SAUD: Tá bem, né?
JOÃO MAGALHÃES: Mais ou menos.
RICARDO SAUD: Tá não, tá bem.
JOÃO MAGALHÃES: Eu fui levar chocolate pra ele, me tomou uns R$1.300. Enquanto eu tentei pegar... (ininteligível)... o cara autorizou e pegou e me passou, e eu levei pra ele...
RICARDO SAUD: Por que não pode dar dinheiro lá não?
JOÃO MAGALHÃES: Só trezentos por mês.
RICARDO SAUD: Tá louco, e ele compra o que com esse dinheiro lá?
JOÃO MAGALHÃES: Tem lanchonete lá dentro, eles compram uma maconhazinha lá também.
RICARDO SAUD: É?
JOÃO MAGALHÃES: Compra umas cocainazinha pra servir pros caras.
RICARDO SAUD: Ele adora uma cocaína.
JOÃO MAGALHÃES: (ininteligível) só na maconha.
RICARDO SAUD: Maconha, corre tudo né?
JOÃO MAGALHÃES: Eu, não.
RICARDO SAUD: Não?
JOÃO MAGALHÃES: Nunca cheirei e nunca fumei, 57 anos.
RICARDO SAUD: Oh JOÃO, mas ele tá tranquilo, não tá?
JOÃO MAGALHÃES: Ele já teve mais tranquilo. Esses dias pra trás, ele tava meio nervoso. O menino que cuida dele... trabalhou comigo uns quinze anos, antes de eu ir pra Brasília, eu acho. Então, é o (ininteligível) que leva a RAQUEL lá, busca, leva a roupa dele pra lavar. A roupa dele tem que lavar em casa à mão.
RICARDO SAUD: É?
JOÃO MAGALHÃES: É, assim que é o chefe.
RICARDO SAUD: Vem cá.
JOÃO MAGALHÃES: Escuta aqui, ele comeu uma barra de chocolate assim com 20 segundos, 6 mordidas. Eu levei duas barras de chocolate...
RICARDO SAUD: Oh JOÃO me conta uma coisa?
JOÃO MAGALHÃES: Ele deu três mordidas (risos)... é bom demais, né? Aí tinha uma sacola na mesa do, do, do chefe da Polícia, tava lá, uma bolsa interna assim, era ali que ficava os papéis dele, cópias de documento, caneta, papel, ele falou assim: "Eu vou deixar essa barrinha aqui na sacola", na sala do diretor.
RICARDO SAUD: (risadas) Sério?
JOÃO MAGALHÃES: Sério. Ele falou: "Oh Dr. eu tô sem dinheiro, na semana que vem, eu posso pegar com o DEPUTADO aqui uns R$ 200mil, não posso?". E o diretor conversando com o MAJOR, o MAJOR (ininteligível). Eu fui abrir a carteira assim, quando eu puxei assim, tinha uns mil e tanto, ele foi juntando, e disse: "Às vezes, dá". Foi tudo que tinha na carteira, devia ter uns mil e... e foi e ele jogou assim na calça assim.
RICARDO SAUD: E como eles ficam vestido? Com roupa normal, né?
JOÃO MAGALHÃES: Ele tava com uma calça marrom e uma camiseta branca.
RICARDO SAUD: Mas é roupa lá de dentro ou é roupa dele mesmo?
JOÃO MAGALHÃES: Não, uma calça de moletom marrom e uma blusa branca, branca de malha.
Mochila com dinheiro
Em outro trecho da gravação, o deputado João Magalhães diz ao ex-executivo Ricardo Saud que entregou uma mochila com dinheiro para o ex-vice-presidente da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), Mateus de Moura.
Magalhães conta que entregou todo o montante para Moura porque estava com medo de descer com a mochila, na véspera da eleição, no Aeroporto de Governador Valadares, pois em frente ao local tem uma delegacia da Polícia Federal. O destinatário do dinheiro, segundo o deputado, foi o ex-vice-governador de Minas Antônio Andrade. Na conversa, fica evidente que Andrade "deu o cano" em Magalhães.
JOÃO MAGALHÃES: Peraí, minha conversa com ele foi um ano e tanto atrás. Não sei quando ele recebeu. Eu cheguei lá e falei: "Oh TONINHO, é... é... da última vez que eu cheguei, cê perguntou se eu tinha tirado, eu falei que não. Do jeito que veio, eu te entreguei". Tava, tava o advogado dele tava comigo, entregando aqui no escritório.
RICARDO SAUD: Não, sô.
JOÃO MAGALHÃES: Peguei a mochila, entreguei. Tava o DR. MATEUS, advogado, ele tava comigo no avião. Quando nós chegamos na Pampulha, ele desceu com a MOCHILA e foi embora. Tô fazendo o controle, mas...
RICARDO SAUD: Mas aquele dinheiro do MALUQUINHO, ele ficou com o dinheiro inteiro?
JOÃO MAGALHÃES: Quem?
RICARDO SAUD: Cê não descontou?
JOÃO MAGALHÃES: Não.
RICARDO SAUD: Ah João, mas cê também.
JOÃO MAGALHÃES: Não é descontou não, eu tava indo pra um comício em MANTENA.
RICARDO SAUD: Eu lembro, eu lembro.
JOÃO MAGALHÃES: O avião...
RICARDO SAUD: Cê só largou ele lá e foi pra...
JOÃO MAGALHÃES: Larguei ele em Belo Horizonte, nós "tava" num jato, deixei ele, ele desceu. Eu vou pra Valadares. Descer em Valadares, a Polícia Federal é em frente ao aeroporto. Faltando três dias pra eleição, com uma MOCHILA DE DINHEIRO. Aí ele levou o dinheiro. Aí passou a eleição. Eu tenho as anotações todas no, no, no, no... escondidas no gabinete. Tá escondida num lugar lá, ninguém vê. Tá enroladinho assim oh...
RICARDO SAUD: Cê tomou aquele ferro, então?
JOÃO MAGALHÃES: Aí, aí, eu vim aqui. Aí o maluco te ligou: Cê falou, "Não, nós vamos resolver isso por aqui mesmo. Depois cê sumiu. Começou a pipocar uns trem aqui...
RICARDO SAUD: Não, não.
Operação Capitu
A Operação Capitu foi desencadeada pela Polícia Federal em novembro de 2018 para investigar um suposto esquema de desvios de verbas no Ministério da Agricultura durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff.
Sessenta e três mandados de buscas e 19 de prisão temporária foram autorizados pela Justiça. Em Minas, foram presos o ex-vice governador Antônio Andrade, o deputado estadual João Magalhães, o ex-vice presidente da Cemig Mateus Moura, do empresário Joesley Batista e do ex-executivo Ricardo Saud, entre outros.
Outro lado
Na última sexta-feira (19), nossa produção mandou um e-mail para o deputado estadual João Magalhães (MDB). Nesta segunda-feira, voltamos a entrar em contato, desta vez por telefone, para cobrar um posicionamento. Falamos com o chefe de gabinete, mas até o fechamento da reportagem o parlamentar não se pronunciou.
A reportagem também entrou em contato com o MDB de Minas para ouvir o ex-vice-governador Antônio Andrade, mas não tivemos resposta.
O ex-vice-diretor da Cemig Mateus de Moura foi procurado em seu escritório de advocacia, mas não se manifestou.
O advogado do ex-executivo da J&F Ricardo Saud disse que não vai comentar o assunto.
A assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal, que responde pelo presídio da Papuda, informou ter aberto um procedimento interno para apurar o caso e que vai se pronunciar sobre o assunto.
Em nota, o advogado de Lúcio Funaro declarou que, durante todo o tempo que esteve recolhido na Papuda, jamais viu quem quer que fosse utilizando ou comercializando qualquer tipo de droga ou substância ilícita, que ele segue colaborando de modo efetivo com a Justiça e desde já informa que irá processar quem quer que faça afirmações criminosas como a presente.