Deputado diz que barragem de Brumadinho operou irregularmente
Político entregou à Polícia Civil e ao MP documentos que mostram que a Vale estaria em desconformidade com a lei entre os anos de 2000 e 2016
Minas Gerais|Pablo Nascimento, do R7, com Kiuane Rodrigues, da Record TV Minas
O deputado estadual Noraldino Júnior (PSC) entregou à Polícia Civil e ao Ministério Público de Minas Gerais, na manhã desta quinta-feira (30), uma série de documentos que, segundo ele, apontam que a barragem da Vale em Brumadinho, na Grande BH, operou irregularmente entre os anos de 2000 e 2016.
Ainda de acordo com o parlamentar, os licenciamentos ilegais teriam sido liberados por uma funcionária do Governo de Minas, que hoje trabalha na mineradora.
Segundo o deputado, desde o ano de 2000, a estrutura não tinha licenciamento de alteamento, conforme a legislação exige. Em 2007 a Vale informou ao Governo de Minas que não tinha licença para operar e pediu um licença corretiva. Contudo, a Supram (Superintendência Regional de Meio Ambiente) teria liberado a documentação sem repreender a Vale sobre os erros.
— Quando foi solicitada a licença de operação corretiva, nós detectamos que houve falha do poder público em não autuar e suspender as atividades. E em 2011 nós temos uma revalidação dessa licença concedida de forma irregular.
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Noraldino Júnior denuncia que a responsável pela licença era Isabel Roquette, na época funcionária da Supram e que, em 2011, assumiu o cargo de diretora institucional da Vale após se aposentar pelo Estado.
— Todos os fatos têm que ser investigados minunciosamente. Eu não tenho a informação [de que ela teria assinado os laudos em troca do emprego na Vale]. O que eu tenho é que foi assinado de forma irregular.
O deputado ressaltou, ainda, que, durante esse período, uma série de alteamentos construídos de forma irregular podem ter contribuído para o rompimento da barragem, em 25 de janeiro deste ano.
— Depois de todo esse trabalho, a gente concluiu que a barragem operou durante muito tempo sem licença ou com a licença em desconformidade com a lei.
As denúncias foram feitas pelo político pouco antes da reunião da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que apura o caso na Assembleia Legislativa de Minas Gerais).
Nesta quinta-feira, três funcionários da Vale prestaram depoimento no encontro.
O primeiro a ser ouvido na CPI foi César Augusto Paulino Grandchamp, geólogo que, juntamente com os técnicos da empresa alemã Tüv Süd, atestou a estabilidade da barragem. Quando questionado pelo relator, o geólogo assumiu a assinatura do documento, apesar de não ter conhecimento em geotécnica e disse que confiou nas equipes de auditoria.
Rodrigo Artur Gomes Melo, gerente-executivo operacional responsável pelo complexo minerário de Paraopeba, e Ricardo de Oliveira, gerente de meio ambiente, saúde e segurança também prestam depoimento até esta tarde.
Os três funcionários da empresa foram presos em duas ocasiões após o desastre, mas já foram soltos. O rompimento da barragem B1, na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho deixou 270 vítimas.
Em nota, a Vale diz que o licenciamento ambiental da barragem B1 "estava em condição regular", que sempre cumpriu as obrigações legais e que a contratação da ex-funcionária da Supram ocorreu mais de um ano após sua aposentadoria, o que "atende às melhores práticas de compliance do mercado".
Confira a nota, na íntegra:
“A Vale reforça que o licenciamento ambiental da barragem B1 estava em condição regular. A empresa sempre cumpriu as obrigações legais exigidas pelo órgão ambiental. Todos os estudos técnicos necessários foram elaborados pela Vale e disponibilizados aos órgãos competentes.
A B1 foi implantada na década de 1970, quando não existia licenciamento ambiental no Brasil. Em 1992 a empresa Ferteco, então proprietária da barragem e da mina do Córrego do Feijão, realizou um Licenciamento Corretivo (LOC), conforme preconiza a legislação.
A Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) revalidou essa LOC em 2003 e o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) em 2008. Em 20 de julho de 2009 o Copam emitiu uma nova LOC para a barragem, que incluía todos os alteamentos já realizados, bem como os demais previstos. A orientação desse licenciamento foi feita pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF) e pela Feam.
Após aposentadoria como funcionária pública em abril de 2012, Isabel Roquete trabalhou por mais de um ano em outras empresas antes de ser admitida pela Vale. O período atende às melhores práticas de compliance do mercado. Isabel é geógrafa de formação, com mestrado em Geografia Física, e foi contratada pela Vale por ter um conhecimento altamente qualificado em meio ambiente e licenciamento ambiental”.
A reportagem também entrou em contato com a Supram e com Isabel Roquette, mas ainda não obteve retorno.