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Em BH, 81 candidatos a vereador trocaram de cor em quatro anos

No total, 28 candidatos que se autodeclararam brancos, em 2016, agora constam como pardos/negros e podem se beneficiar de fundo eleitoral

Minas Gerais|Enzo Menezes, da Record TV Minas

Loira do Bicho se autodeclarou branca e, agora, negra
Loira do Bicho se autodeclarou branca e, agora, negra

Marcos Naves, gerente de zoonoses, era branco quando tentou ser vereador de Belo Horizonte, em 2016. Dois anos depois, na eleição para

deputado estadual, pertencia à raça amarela, conforme registro no Tribunal Superior Eleitoral. Agora, em 2020, se apresenta ao eleitor como pardo.

Marcília Neves, a Loira do Bicho, foi mais longe: constava

como branca nas eleições municipais, de 2016, em Confins, na região metropolitana de BH. Em 2020, mudou


de cidade e de cor: concorre na capital mineira como negra.

Marcília (PDT) e Naves (SD) estão entre os 81 candidatos à Câmara de BH que


trocaram de cor em relação ao último pleito. Ou seja, um a cada três candidatos que voltam às urnas alteraram a declaração de raça (28,5% de 284 pessoas).

Destes, 28 eram brancos e agora constam como pardos/negros. Em tese, poderiam se beneficiar da cota financeira para pardos/negros determinada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).


Leia mais: Cresce o número de candidatos autodeclarados negros

A discussão sobre autodeclaração de cor dos candidatos em 2020 ganhou relevo após o Tribunal Superior Eleitoral decidir que 30% do fundo eleitoral e do tempo de propaganda na TV devem ter critérios raciais. A medida valeria apenas em 2022, mas o STF, em outubro, respondendo a recurso do PSOL, determinou que as regras já valem para o pleito de 2020.

Candidato se declarou amarelo, em 2016
Candidato se declarou amarelo, em 2016

As legendas não precisam dividir esta cota finaneira igualmente

entre os candidatos: os diretórios podem alocar os recursos entre os que tiverem mais chance de ser eleitos, deixando concorrentes negros do mesmo partido sem recursos.

Para não haver duplicidade de cotas (por conta dos 30% de vagas reservadas a mulheres), o recurso destinado a negros será divido após a divisão por gênero: mulheres negras e brancas, homens negros e brancos.

Reparação

Irapuã Santana é um dos advogados da Educafro, entidade de combate ao racismo que atuou no caso ao Tribunal Superior Eleitoral e ao STF. O pesquisador acredita que a distribuição mais racional dos recursos pode começar a corrigir injustiças raciais.

— Não há cota para negros a ser preenchida, pois isso é papel do Congresso alterar a legislação. O que há é um incremento para distribuir o fundo a essas candidaturas porque a corrida sempre foi desigual em relação aos brancos.

O defensor vê a chance de reparo histórico e combate ao racismo.

— O debate racial nos últimos anos provoca a tomada de consciência. Muitos se declaravam brancos porque achavam que nunca sofreram racismo, e muitos negros nem conseguiam se candidatar. Por isso, metade dos municípios não teve sequer um candidato negro a prefeito nas últimas eleições.

Frei David Santos, coordenador da Educafro, acredita que a pressão dos candidatos negros pode levar o legislativo a apimorar as propostas.

— Historicamente, o perfil dos eleitos no Brasil é o homem branco e grande proprietário, que portanto vai legislar de acordo com esses interesses. Pela primeira vez, a desigualdade racial nas eleições vai ser discutida a sério. Temos acompanhado o aumento da autodeclaração entre pretos e pardos, considerados afrodescendentes pelo IBGE. Pode haver tentativas de fraude no meio, mas a grande mudança é a tomada de consciência das pessoas sobre o racismo, a identificação com a cultura negra.

O cientista político Cristiano Rodrigues, da UFMG, lembra que a declaração de raça começou a ser adotada pelo TSE em 2014. A medida pode acirrar a disputa dentro dos partidos.

— As alterações de cor neste ano parecem ser mais uma adequação do preenchimento equivocado em outros anos. Até agora, não foram levadas a sério. Pode ser que o debate nos partidos passe a acontecer de forma mais séria a depender do sucesso das candidaturas negras com o financiamento. Caso se prove como elemento (para eleger mais negros), vai haver mais disputa nos partidos por recursos.

O pesquisador alerta para duas formas dos partidos tentarem burlar as regras: falsificar a declaração de cor e, contraditoriamente, redução de candidaturas negras.

— Partidos maiores e mais competitivos tendem a apresentar menos candidaturas negras. Uma forma de tentar burlar a regra é não apresentar candidatos negros. Como a proposta do TSE é a divisão é proporcional (do fundo) ao número de candidatos (negros), se você não apresenta candidatos negros, não precisa distribuir os recursos entre eles. Pode acontecer o efeito oposto ao que se espera (com a regra).

Vereadores e candidatos

Dentre os candidatos que alteraram a cor no registro da Justiça Eleitoral, alguns ocupam o cargo de vereador na atual legislatura. Elvis Côrtes (PSD), Maninho Félix (PSD) e Ramon Bibiano da Casa de Apoio (PSD) não responderam à reportagem. Irlan Melo (PSD) afirmou que o registro anterior estava incorreto: "Em 2020 eu corrigi a informação".

O R7 perguntou a todos os candidatos de BH que alteraram a declaração de cor. Apenas sete responderam, e alegaram desconhecer os registros contraditórios. Marcília Neves, a Loira do Bicho, não retornou telefonemas nem e-mails da reportagem.

Marcos Naves, que concorreu como branco, amarelo e agora pardo, diz que não sabia dos registros diferentes.

— Não me lembro desse item na ficha de inscrição, é estranho. Um escritório cuidou do registro, vou pedir para o partido alterar. Me identifico como pardo, e só fiquei sabendo da divisão (do fundo) para negros em reportagens na imprensa.

Adriano Ventura (PSD), que tenta voltar ao legislativo de BH, afirma que está como pardo por conta de "um erro material". Ele concorda com a medida de reparação histórica.

— Desconhecia que estava como pardo. Logo que fui informado solicitei a correção ao partido. O Brasil é um país que sempre teve uma postura negacionista em relação ao racismo, (o fundo) é um importante passo para equilibrar as regras.

O candidato Lucas Jardim Prates (Podemos) também alegou erro da legenda no cadastro e afirmou que pediria correção.

Professor Fábio Cardoso (PRTB) segue o mesmo raciocínio.

— O preenchimento é feito pelos funcionários do partido, e pela foto da época eles podem ter nos definido como branco. Muitas pessoas erraram na definição de cor, sou pardo.

Geraldo Gonçalves, o Dinho do Bar (PDT), também sugere que a mudança se deu por "erro de digitação".

— Ninguém muda de cor de um ano para outro. Vamos resolver.

Tentativa de fraude

A Justiça Eleitoral afirma que vai fiscalizar se houve fraude nas cotas. Em nota, o TSE apontou que "eventuais fraudes na autodeclaração ou na distribuição incorreta dos valores serão acompanhadas ou no julgamento dos registros ou no julgamento das prestações de contas".

O TSE entende que "as regras para cumprimento da distribuição proporcionais de recursos e tempo de TV estão previstas na decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do STF, que adotou as bases do voto dado no TSE pelo relator, o ministro Luís Roberto Barroso".

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