Tragédia em creche de Janaúba: um ano sem obras em escolas
Prefeitura descumpre recomendação do Ministério Público para aumentar segurança contra incêndios nas instituições de ensino
Minas Gerais|Pablo Nascimento, do R7
Um ano após o ataque na creche Gente Inocente, em Janaúba, no norte de Minas Gerais, quase todas as escolas da cidade ainda não têm estrutura contra incêndios e situações de pânico. A exceção é o Centro de Educação Municipal Infantil Heley de Abreu, erguido no mesmo lugar do local da tragédia.
Em outubro do ano passado, o vigia Damião Soares dos Santos ateou fogo no próprio corpo e em crianças, matando 13 pessoas. De acordo com o Corpo de Bombeiros, o número de vítimas poderia ter sido bem menor, caso adequações de segurança fossem feitas na instituição.
Para receber a certificação dos bombeiros, os prédios públicos precisam cumprir medidas como contar com extintores de incêndio, saídas de emergência e portas e janelas em tamanhos ideais, itens não encontrados na creche incendiada. O tenente Pedro Aihara explica que a importância das medidas vai além de evitar o fogo.
— Elas também preparam para todo fator de pânico como o do atirador que invadiu a escola em Goiás no ano passado. Nestes casos, tem que correr, mas se os funcionários da instituição não estiverem treinados, pode haver o pisoteamento de crianças.
Adaptações
Na época do ataque em Janaúba, ocorrido no dia cinco de outubro, o Ministério Público de Minas Gerais pediu à corporação que fizesse uma vistoria em todas as instituições de ensino da cidade. Nenhuma delas estava totalmente adequada à legislação. A prefeitura se comprometeu à regularizar todas elas.
No entanto, passados 365 dias, um levantamento do Serviço de Segurança Contra Incêndio e Pânico da cidade aponta que das 46 escolas, a única que é certificada com o AVCB (Auto de vistoria do Corpo de Bombeiros) é o Centro de Educação Municipal Infantil Heley de Abreu.
A escola foi batizada com o nome da professora de 43 anos que morreu com 90% do corpo queimado por ter entrado em luta corporal com Santos para salvar seus alunos.
De acordo com secretário de Educação da cidade, Júlio César Tolentino Barbosa, outras seis escolas já estão prontas para serem adaptadas. Nas demais, os projetos estão em andamento.
— O período eleitoral impediu que os bombeiros entregassem a certificação destas seis unidades. Assim que as restrições passarem, nós vamos continuar com os projetos de adequação.
Estrutura
A falta de estrutura não é realidade apenas das escolas de Janaúba. Após visitar 565 unidades por toda Minas Gerais, membros do TCE (Tribunal de Contas do Estado) concluíram que ao menos 384 instituições públicas não possuem nenhum tipo de equipamento de prevenção ou combate a incêndios e pânico.
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Os números foram apresentados ao comandante-geral do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, coronel Cláudio Roberto de Souza, que junto à Secretaria de Estado de Educação, iniciou um trabalho para desenvolver os projetos de adequação.
Este problema é um dos argumentos utilizados na ação que pede a responsabilização da prefeitura pela tragédia. No processo, é solicitado que o município pague indenização às vítimas e destine R$ 3 milhões a um fundo para melhorias da cidade, conforme explica o defensor público Gustavo Dayrell, que acompanha o caso.
— Inicialmente, a prefeitura já tem responsabilidade pelo ocorrido pelo fato de ser uma creche e as crianças estarem sob responsabilidade da equipe. Além disso, o ataque foi cometido por um servidor e o prédio não tinha nem mesmo alvará do Corpo de Bombeiros.
Drama
Em dezembro do ano passado, a Prefeitura de Janaúba fechou um acordo com o MP reconhecendo sua responsabilidade sobre o ocorrido e se propondo a indenizar as vítimas. Famílias que tiveram parentes mortos receberão R$ 12 mil e os feridos, R$ 6.000. Os valores estão sendo pagos em 12 parcelas no decorrer do ano e, segundo o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), ele é apenas um adiantamento de uma possível condenação futura.
Janiel de Oliveira, de 35 anos, conta que o dinheiro tem caído na sua conta sem atrasos. No entanto, o repositor de supermercado desabafa que valor não é capaz de suprir o espaço deixado com a morte do filho Gabriel Carvalho Oliveira, então com cinco anos.
A última morte causada pelo ataque foi a de Gabriel. O menino lutou para sobreviver durante três meses, período em que ficou internado, mas acabou falecendo no dia 11 de janeiro deste ano.
A família que se mudou para a cidade em busca de uma vida mais tranquila, esbarrou em uma tragédia da qual tenta se recuperar a cada dia. Porém, Oliveira, que mora a 300 metros da creche incendiada, conta que o caso é uma "cicatriz difícil de fechar".
— Quando eu passo em frente à escola me dá um aperto no coração. No final da tarde, que era a hora de buscar ele, a dor é maior ainda.
A RecordTV conversou com médicos e socorristas que atenderam as vítimas na época da tragédia. Confira: