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Augusto Nunes

O Supremo deve fazer Justiça, e não política

O desfecho do julgamento mostrará se a maioria do Supremo está interessada em fazer Justiça. Fazer política é coisa para os outros Poderes.

Augusto Nunes|Do R7 e Augusto Nunes

Desde 2016, quando o Supremo Tribunal Federal aprovou o começo do cumprimento da pena depois da condenação em segunda instância, tanto os ministros favoráveis à decisão quanto os que lhe são contrários travam duelos retóricos esgrimindo trechos da Constituição promulgada em 1988. Os redatores do que os cultores do juridiquês chamam de Carta Magna pensaram em praticamente tudo, até no estabelecimento de limites para taxas de juros e taxas de inflação. Faltou-lhes tempo para eliminar as ambiguidades e contradições que fazem a alegria dos incumbidos da interpretação de dúvidas constitucionais - e a fortuna de advogados especializados em usar a lei para evitar que se faça Justiça.

Neste momento, seis dos 11 titulares do time da toga recitam que "ninguém poderá ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória". Em língua de gente: só se pode prender um acusado depois de rejeitado o último recurso encaminhado ao STF. Outros cinco ministros ponderam que é perfeitamente legal engaiolar um réu que teve endossada pelo Tribunal de Justiça (a segunda instância do Judiciário) a condenação emitida solitariamente por um juiz. Os integrantes desta corrente argumentam que, a partir daí, os recursos encaminhados às instâncias superiores já não contestam a culpa do réu, mas eventuais irregularidades na tramitação do processo. A presunção de inocência, portanto, é uma questão liquidada. Há um culpado a punir.

Sessão do Supremo: palavrórios de sobra para enfeitar votos
Sessão do Supremo: palavrórios de sobra para enfeitar votos

Enquanto o texto constitucional não for revisado por mãos que tratem a língua portuguesa com mais respeito, os ministros do Supremo terão palavrórios de sobra para enfeitar os votos em que o plenário da Corte vira "pretório excelso". Assombroso, incompreensível e suspeito é um mesmo ministro, no curto período de três anos, mudar de ideia como quem muda de bairro ou de mulher. Há três anos, por exemplo, Gilmar Mendes e Dias Toffoli defendiam aos berros a prisão depois do endosso da sentença pela segunda instância. De uns meses para cá, criticam aos gritos quem ousa minimizar a relevância do trânsito em julgado. Confiram os vídeos que circulam pela internet.

O que provocou a metamorfose tão radical (e estranha) quanto um flamenguista converter-se em corintiano? Entre 2016 e esta pressaga primavera, os fatos efetivamente relevantes no mundo da Justiça foram dois: as investigações da Lava Jato alcançaram bandidos de estimação da cúpula do Judiciário e a prisão de Lula reafirmou que a lei passou a valer até para ex-presidentes da República. Tudo somado, parece claro que Gilmar e Toffoli não trocaram de lado por motivos jurídicos. O desfecho do julgamento mostrará se a maioria do Supremo está interessada em fazer Justiça. Fazer política é coisa para os outros Poderes.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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