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A morte de Pelé e as histórias do Rei nas ruas de Santos

Percorri os quatro cantos da cidade para mostrar ao público um pouquinho mais sobre o craque

Bloco de Notas com Gabriel Graciano|Do R7

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Visitei o Museu Pelé tempos antes da morte do craque Arquivo pessoal

Vinte e nove de dezembro de 2022. Você lembra onde estava? Eu lembro bem. Já fazia um tempo em que esse assunto rondava as redações. Quando uma pessoa ímpar, conhecida no mundo inteiro, está muito doente, os jornais se preparam. Organizam arquivos, alertam jornalistas. É preciso estar a postos para informar e homenagear com honras.

Eu estava há um mês como repórter. Tinha começado em outubro e colecionava pouca experiência. Também não entendia muito de futebol, embora Pelé esteja num “hall” de popularidade que é alcançado por poucos seres humanos no planeta.


No Azerbaijão, em Liechtenstein — que fica entre a Suíça e a Áustria —, na Nova Zelândia ou em qualquer província asiática, o nome Pelé vem em seguida da palavra Brasil.

É quase que um produto do nosso país, uma identidade nacional, uma assinatura.


“Eu não fui uma criança do futebol, mas aquele cenário construiu algo diferente em mim. Fiquei interessado em observar o impacto de Pelé na vida dos moradores da cidade de Santos e me senti honrado de viver aquilo que devo chamar de: o dia em que a terra parou.”

Eu tive sorte no azar da perda do maior brasileiro: estava na hora e no lugar certo para realizar o que sempre quis — vivenciar os acontecimentos. Acordei em Santos no momento mais exato possível. O grupo do trabalho estava lotado nas primeiras horas, a matéria obituária já estava guardada. Os papéis foram divididos e a produção me pediu que eu saísse pela cidade buscando o luto e as histórias do maior jogador de futebol do planeta.

Na correria, tive que me virar. Alguém soprou uma padaria de um grande fã de Pelé, o lugar onde ele desembarcou pela primeira vez na cidade... Na hora lembrei de uma matéria em um portal que mostrava a senhora que comprou a casa onde Pelé morou assim que chegou aqui.


Queria tudo! Todas essas histórias. A cidade estava movimentada, a imprensa do mundo chegava aos poucos, os santistas estavam alvoroçados, visitantes estavam cada vez mais notáveis e avolumados. Parecia um apocalipse.

O sol era forte, mas os corpos estavam com temperatura baixa. O frio era notável — e ele tinha som: o silêncio entre um ruído e outro. Os carros trafegavam devagar e os semblantes estavam baixos. Lembrando, penso até ser um devaneio da minha cabeça, mas as imagens da memória são muito nítidas.


Apesar do meu cargo “café com leite” na reportagem, tinha uma missão honrosa. Precisava fazer valer a memória do maior esportista do século XX.

É um acontecimento que demanda. Toda a nossa estrutura estava em uso. Os materiais chegavam aos montes, os editores não paravam de juntar vídeos e falas. Os estagiários monitoravam as fontes oficiais, os pauteiros iam em busca dos “amigos” para adiantar velório, se haveria algum evento.

Lembro bem que, um dia antes, a Vila Belmiro havia montado uma estrutura que deixava muitas dúvidas. A sombra da morte era física e previamente fez o seu papel no centro do gramado. Acredito que a família já discutia o funeral.

“No alpendre da casa, que é alta, tinha uma bola de futebol de concreto. Era um sinal, impossível não ser. Apelei pela boa e velha palma e logo uma senhora de óculos aponta.”

Assim que recebi o pedido das pautas, corri para o elevador. O cinegrafista já me esperava. Havia uma escala diferente. O Ademir Orfei estava comigo. Botei a meta de encontrar a casa da tal mulher.

Ela vivia no lugar onde funcionou a pensão. Lá morou Edson Arantes menino, recém-chegado ao litoral. Tinha jogado no Bauru e, com 15 anos, mudou para Santos e ingressou no clube.

Eu sabia o nome da rua, mas não tinha ideia do número da casa. Rodamos um pouco e logo encontramos o lugar por um objeto. No alpendre da casa, que é alta, tinha uma bola de futebol de concreto. Era um sinal — impossível não ser. Apelei pela boa e velha palma e logo uma senhora de óculos aponta:

— Oi, quem é?

— Oi. Tudo bem? Eu sou Gabriel Graciano, repórter da Record. Foi aqui que o Pelé morou, né?

— Isso, foi aqui sim! Pera! Tô descendo.

Pelé está num “hall” de popularidade que é alcançado por poucos seres humanos no planeta Arquivo pessoal

Ela desceu com dificuldade, enxergava pouco. Usava um óculos bem forte. Era um lance grande de escada até o portão — fiquei até agradecido pelo esforço.

A dona da casa era a irmã, dona Benedicta. Uma advogada aposentada que comprou a casa com o marido. É um imóvel muito bom, chão de taco, escada de madeira maciça, dois quartos amplos. Ali funcionou a pensão da dona Georgina, a antiga proprietária, que lhe vendeu a casa em 1997.

Pelé viveu na casa na década de 50 junto com outros craques: Pepe, Coutinho, Zito, Clodoaldo. Essa turma venceu a Libertadores duas vezes e foram campeões do mundo em duas oportunidades — títulos raros em tão pouco tempo.

A dona Benedicta só soube que Pelé morou lá quando foi conhecer o imóvel comprado. Uma mulher que morava na pensão da dona Georgina foi quem lhe disse:

— Essa casa é importante, viu! Aqui morou um homem muito famoso...

A dona Benedicta é um amor de pessoa, muito gentil. Deixou a gente filmar tudo, deu entrevista e ofereceu um café. Outra raridade!

A matéria tinha que continuar e um outro ponto de encontro estava no roteiro: a Padaria Santista. Cheguei lá no início da noite, o trânsito era forte e fúnebre. As pessoas voltavam para casa depois de um dia longo de trabalho — em silêncio.

Essa padaria é muito curiosa. O dono é o Carlinhos, viciado no Santos Futebol Clube. Lá é tudo preto e branco, tudo mesmo — tanto que Pelé passava sempre para tomar um cafezinho.

Nessas idas, fez amizade. Uma relação que extrapolou os limites do balcão. Era comum que ele fizesse um buzinaço e um grito acompanhado do gesto do punho cerrado da janela do carro:

— Carlinhoooooooooooooooos!

Antes da morte, Carlinhos teve a ideia de homenagear o amigo e ídolo. Juntou os próprios recursos, a ajuda de empresários e de colegas do futebol, e mandou fazer uma estátua de bronze na esquina, em frente à padaria. O próprio rei foi inaugurar.

Quando estive lá, o local estava cheio de flores e bandeiras. Carlinhos ocupava a cabeça com a padaria. Não parava um segundo — o filho teve que interromper o pai para gravar. Era a maneira que Carlinhos encontrou para lidar com o luto.

Eu não fui uma criança do futebol, mas aquele cenário construiu algo diferente em mim. Fiquei interessado em observar o impacto de Pelé na vida dos moradores da cidade de Santos e me senti honrado de viver aquilo que devo chamar de:

O dia em que a terra parou.

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