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O tempo pedia uma dose de esperança na 1ª vez que vi a morte se aproximar de alguém

A única coisa que a poderia impedir era o dinheiro

Bloco de Notas com Gabriel Graciano|Gabriel GracianoOpens in new window

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Para uma mãe, temer a vida é duro. É olhar para os filhos e ver o abandono, a incapacidade Inteligência artificial/ChatGPT
Escrevo este texto em silêncio e lembro como se fosse ontem. Todo o meu esforço, a fome, a pobreza, as noites em claro estudando. Tudo valeu a pena!

Das muitas histórias que vivenciamos todos os dias, várias tocam o repórter. Eu, pelo menos, preciso me emocionar para me motivar, mas as experiências que me marcam eu posso contar nos dedos. O que você vai ler hoje é um retrato fiel do abismo da vida, onde as naus da experiência humana ainda não desbravaram.

Fui designado a fazer uma reportagem que chamamos de “Reclama”. Não sei se você sabe, mas nós, jornalistas, temos uma missão nobre: dar o microfone para pessoas que não são ouvidas nas reclamações, que, por algum motivo, são ignoradas por quem as deveria atender. Dar voz ao público mesmo!


RESUMO DA NOTÍCIA

  • Repórter relata uma experiência marcante ao cobrir uma história de vida e morte.
  • Desiree, uma mãe diagnosticada com câncer, luta por tratamento em meio a dificuldades financeiras.
  • Após a reportagem, uma telespectadora doou o medicamento necessário para sua sobrevivência.
  • A história de Desiree exemplifica a luta pela vida e a solidariedade entre as pessoas.

Produzido pela Ri7a - a Inteligência Artificial do R7

Nesta reportagem, fui apresentado a um caso que possui um espaço forte na minha memória e que devo dividir com você. Nosso trabalho poucas vezes é ligado a positividades, mas em raríssimas oportunidades é dotado de casos como esse.

Cheguei ao local para gravar. Era uma manhã ensolarada em um período em que trabalhei cedo na TV. Saí com o Ademir Orfei, nosso cinegrafista, e chegamos rápido ao roteiro. Uma mulher de meia-idade, que estava com um lenço na cabeça, nos recebeu. A cena já dava o recado do que eu encontraria: o câncer.


Para uma mãe, temer a vida é duro. É olhar para os filhos e ver o abandono, a incapacidade.

A história dela é parecida com a de muitas mulheres. Desiree morava nos Estados Unidos com a família (marido, dois filhos e a mãe) há alguns anos. A mãe dela teve um problema de saúde lá e precisou fazer uma cirurgia. Veio ao Brasil realizar o procedimento, já que aqui a saúde é um direito público.

Desiree acompanhou ela na volta ao país. Já no Brasil, sentiu algo estranho no seio e buscou um especialista. O médico logo identificou o câncer, que obrigou a medicina a lhe retirar a mama.


Tempo depois, a doença se alastrou e foi descoberta em outras partes do corpo. Desiree enfrentou uma batalha dura a ponto de ficar sem saída. As quimioterapias intensas debilitaram o corpo dela, que começou a ficar dormente.

Era impossível continuar o tratamento — mesmo carregando um câncer agressivo. É uma doença muito maldosa, porque é gerada pelo próprio corpo. São células malucas, anormais, que se multiplicam e estragam partes dos tecidos dos órgãos.


No caso dela, era tão forte que ela tinha um tempo de vida determinado pela medicina. Para uma mãe, temer a vida é duro. É olhar para os filhos e ver o abandono, a incapacidade.

Derisee nos recebeu com um sorriso da esperança e a Amarô, uma grande amiga dela, de anos, estava ajudando como podia. Em várias situações, foi atrás de medicamentos e consultas para a parceira.

Era a primeira semana que a Desiree sentia os efeitos da doença. Até então, ela resolvia tudo sozinha. Fazia os tratamentos, cuidava dos trâmites. Mesmo com os primeiros sinais da debilitação, ela ofereceu um refrigerante e nos contou o drama.

Uma mulher sadia, diante dos teus olhos, fala contigo segurando uma ampulheta com os olhos marinados, semblante triste — e você vê a areia escorrer para a parte de baixo do vidro...

Quando o SUS não lhe ofereceu mais solução, Desiree juntou o pouco dinheiro que sobrou para buscar luz em uma consulta médica particular. Lá foi apresentada uma alternativa: um remédio chamado Abemaciclibe. É um medicamento de alto custo. Alto mesmo! Dezenas de milhares de reais por uma caixa. Ela usaria uma delas por mês. Algo impossível de pagar, mesmo não tendo saída.

O tratamento da “químio” estava interrompido. Ou era o tal do Abemaciclibe, ou nada. Desiree estava pronta para boas notícias e depositou em mim e no Ademir o papel de lhe abrir as portas da esperança.

Agora eu preciso dizer como lidei com toda aquela situação: era a primeira vez que encontrava uma pessoa com um prazo determinado de vida. A gente se pega a imaginar quantos anos viveremos, o que faremos até nosso último dia, como queremos deixar este planeta, se partiremos no meio de um sono profundo...

Todo mundo pensou ou vai pensar sobre isso em algum momento. Mas estar diante da finitude, com prazo determinado de vida, e ver que ela tem um dono — que uma mulher sadia, diante dos teus olhos, fala contigo segurando uma ampulheta com os olhos marinados, semblante triste — e você vê a areia escorrer para a parte de baixo do vidro...

A televisão tem muita força, e a Desiree assinou esta frase, comprovou isso.

Tive que me segurar, engolir o choro e ser a personificação da esperança para ela. Como repórter, não posso prometer, mas posso acreditar que é possível e apoiar para que a menina de olhos verdes chamada Esperança desça dos céus e pouse onde ela é esperada como diz a poesia.

O tempo parou naquela gravação. Eu ouvi ele passar devagar, a passos lentos, respeitando o momento. Parecia querer ajudar ela. Fizemos o apelo, contamos a história e mostramos aos 4 milhões de lares alcançados por nossas ondas de rádio, as imagens dos absurdos desse caso: um medicamento custar mais de R$ 10 mil, a dificuldade do direito à saúde ser uma realidade, a morte viva em uma pessoa, a mãe que só queria ver a filha se formar.

Eu viverei o tempo que me for permitido com a história de Desiree na memória

Escrevo este texto em silêncio e lembro como se fosse ontem. Todo o meu esforço, a fome, a pobreza, as noites em claro estudando. Tudo valeu a pena! Meu diploma teve o sentido mais útil naquele dia.

Tomei o refrigerante, conversei, fui uma presença agradável como manda a minha tradição familiar. Saí de lá nutrido de fé. A reportagem foi ao ar, a gerente de jornalismo ficou apegada à história e manteve contato com a Desiree. Eu tentei não me afundar nessa história, tinha outras para enfrentar. A televisão tem muita força, e a Desiree assinou esta frase, comprovou isso!

Quando a matéria estava em exibição, em uma casa de Peruíbe, no litoral paulista, a TV estava ligada. Uma família estava almoçando e uma mulher, que nem prestava muita atenção ao Balanço Geral, ouviu o nome Abemaciclibe.

Ela era viúva, o marido também lutou contra o câncer e tomou o medicamento. Havia morrido há pouco tempo e deixou para trás duas caixas do remédio. Um encontro foi marcado entre as duas mulheres e as caixas foram entregues à Desiree. Festejamos! Chorei em casa e acreditei naquele milagre.

Vou te poupar do fim. Ele não é importante. Meu último contato com essa história foi no velório da Desiree. Fiz questão de ir! Conheci os filhos dela, o marido, e deixei o local assim como deixei a história.

Desiree viveu um pouco mais. Eu viverei o tempo que me for permitido com ela na memória. É uma das minhas ferramentas de trabalho.

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