Portugal descobriu o Brasil em 1500; eu descobri os portugueses em 2022
A relação estreita entre este mero repórter e a comunidade portuguesa de Santos, a maior fora da Europa
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Ora pois! Não dava para começar esse texto de outra maneira. É o que dá vontade de dizer em um passeio curto pelo centro histórico de uma das cidades mais antigas do Brasil. São fachadas, monumentos, memoriais. Santos é quase uma cidade lusitana, no visual e no comportamento.
A sinceridade fria, o “S” marcado do sotaque e as conexões fortes dos laços de amizade que são fiéis, como o sonho de um país em desbravar o mundo. Quando penso em Portugal, uma pessoa me vem à mente: José Duarte.
Um senhor que preside um centro cultural imponente na Rua Amador Bueno, a parte inicial de Santos. É um palácio, tem estilo real português, suntuoso, com madeira maciça.
Tem obras pintadas à mão, paredes inteiras feitas por artistas. Tudo para simbolizar a epopeia portuguesa que guiou Pedro ao litoral brasileiro e deu um rumo europeu às Américas indígenas.
“Era uma demonstração de amor pela tradição que minha família não tinha. José Duarte é um comediante, eu me divirto muito com ele. E aprendo bastante sobre como saber de onde viemos é importante para entender para onde estamos indo.”
O curioso é que a vida mudou e a simplicidade é a bola da vez. Não existem mais as roupas feitas por alfaiates reais, nem carruagens, tampouco dinastias. Somos uma simples república de cidadãos minimalistas focados em trabalhar para consumir.
Conheci o seu Zé Duarte cobrindo uma festa do Centro Cultural Português. É um clube de membros que festejam a vida, e a renda é destinada à manutenção do prédio.
Tanto que ele está em perfeito estado: as paredes foram recuperadas, o teatro foi restaurado.
É lá que acontece a Vindima, uma tradição europeia de celebrar a colheita da uva. Boa parte dos portugueses que frequentam o centro viram a festa acontecer nas reuniões de família em meados do século passado.
Seu José Duarte migrou para cá nos anos 70. Muita gente esqueceu, mas a história já foi contrária: os lusitanos sonharam em viver no Brasil, e muitos vieram. No centro cultural, boa parte deles veio buscar oportunidades de trabalho.
Alguns de regiões distantes das grandes cidades, como Lisboa e Porto. Outros de antigas colônias portuguesas, como Guiné-Bissau. O Brasil sempre foi um país que abraçou quem viesse de bom grado.
Zé Duarte pegou o dinheiro que tinha e atravessou o oceano de avião. Em 1970 isso já era possível. Para te auxiliar no conhecimento: o primeiro voo comercial em terras brasileiras é datado de 1927.
Já aqui, apaixonado por uma mulher do novo mundo que conheceu em Portugal, o professor de educação física recomeçou a vida. Logo que chegou, foi ao Centro Cultural Português fazer os documentos para viver aqui. Em 30 dias tinha todos eles.
O espaço tem 130 anos recém-completados. É uma das instituições lusitanas mais antigas de Santos. Foi fundada por imigrantes que queriam um lugar onde pudessem sentir-se portugueses de corpo e alma.
Gastaram dinheiro para fazê-lo, assim como gastam hoje para mantê-lo. É um patriotismo bonito de se ver!

Anos mais tarde, Duarte, já com uma empresa própria — uma loja de utensílios domésticos a poucos metros do centro português — começa a frequentar o espaço como imigrante. Aos poucos se envereda nas lideranças e, com o talento de administrador, vira presidente. É o mais longevo em exercício em toda a história do lugar.
A minha primeira impressão dele foi a seriedade. Quando estive no local para conhecer a Vindima, fiquei surpreso. Eram muitos portugueses, muitos mesmo.
Casais para todos os lados e muitas crianças e jovens. No teto, cachos de uvas em parreiras cenográficas e, na beira do palco, um tonel de madeira.
No meio da festa, um grupo étnico de dança, bem populoso, começou uma apresentação. Eram bem animados.
Os mais velhos cantavam e tocavam os instrumentos; os mais novos — e nem tão jovens assim — dançavam usando roupas típicas das canções do passado. Eles colhiam a uva das parreiras e levavam ao tonel.
Após muita cantoria, muitos pisavam nas uvas e sorriam, revivendo o passado. Fiquei um pouco chocado; nunca vi nada do tipo. Era uma demonstração de amor pela tradição que minha família não tinha.

O centro cultural lotado é trabalho do José Duarte. Ele unificou entidades, promoveu a presença de todos. Ele e Dona Fátima, a esposa e também trabalhadora da casa, reviveram fortemente o local.
Não se imigra como no passado. Os portugueses não precisam mais buscar outras realidades fora da Europa. O trabalho da comunidade em Santos é manter a tradição nos descendentes.
O grupo de dança, que tem o nome de “Verde Gaio”, é, em suma maioria, formado por brasileiros filhos de imigrantes.
Aquela imagem de sério caiu por terra, assim como Carlota Joaquina bateu os sapatos para não levar a terra do Brasil. Ao contrário dela, muitos portugueses amam este país e encontraram aqui a vida que buscavam.
José Duarte é um comediante; eu me divirto muito com ele. E aprendo bastante sobre como saber de onde viemos é importante para entender para onde estamos indo.
Boa semana!
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