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Transformação da TV: do chiado ao combate à desinformação

Um jornal diário na tela da TV não é apenas para passar o tempo, é ferramenta para que não te enganem

Bloco de Notas com Gabriel Graciano|Gabriel GracianoOpens in new window

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Assis Chateaubriand e a própria criação, a TV Imagem/Alesp

Nos anos 90, entre um canal e outro existia um chiado. Ele tinha imagem, pixels pretos e brancos que salpicavam perdidamente na tela arredondada de tubo. Conheço muita gente que arriscou a vida subindo no telhado para virar a antena a fim de solucionar o problema, uma ciência inexata.

Isso mudou: os canais são muito mais nítidos e sintonizados digitalmente, não há nada entre um canal e outro e não se gira mais um botão barulhento. Acredite! Tem marca de TV que faz o chiado recriado para criar um clima, o que acho justo.


Outra coisa que melhorou com o tempo foram os jornais. Eles ainda são diários e no mesmo horário, mas estão mais dinâmicos, imediatos e falam de tudo. Tem alguns mais regionais, outros mais amplos, alguns especializados em política, finanças.

Assisto há 30 anos. É tão coloquial que preciso exercitar a cabeça para entender as mudanças.


Com a internet, as fofocas acontecem quase em tempo real. Sempre tem alguém com um celular no local exato do fato e isso acelerou a notícia. Vou até te contar como era antes...

“A televisão, que é um ‘ser vivo’, se apronta nas mudanças. Se antes ela era dona das notícias porque era mais rápida que o jornal de papel e abrangente, [...] hoje assumiu outro papel: lavar a notícia.”

Entrei na RECORD como estagiário em 2018. Fiz faculdade tarde, com 28 anos. No meu começo, os métodos estavam mais parecidos com os tradicionais.


Eu chegava às 8 da manhã com uma tarefa quase que religiosa: pegava um chumaço de folhas de papel impresso que tinham dezenas de números de telefones de delegacias e ligava uma a uma, sem pestanejar.

A gente buscava notícia que vinha de bom grado, às vezes, ou chegava após uma excelente persuasão e simpatia telefônica. Foi meu primeiro grande ensinamento para ser repórter, e eu nem sabia.


Jornalista Assis Chateaubriand na cidade de Santos Imagem/ Alesp

Os aplicativos de mensagens ficaram fundamentais a partir desse início, e hoje existem grupos e mais grupos. O povo, muitas vezes, avisa a gente e a polícia ao mesmo tempo. Faziam isso antes também, mas era preciso achar um telefone e ter dinheiro para custear a ligação. Hoje se fala pela internet, né?

A televisão, que é um “ser vivo”, se apronta nas mudanças. Se antes ela era dona das notícias porque era mais rápida que o jornal de papel e abrangente, estava em quase todas as casas dos grandes centros, hoje assumiu outro papel: lavar a notícia.

— O que é isso, Gabriel?

Faz muito tempo — 75 anos — os primeiros aparelhos de TV vieram pelo porto de Santos, em 1950. Assis Chateaubriand desceu a serra com Hebe Camargo e a trupe toda para buscar os equipamentos transmissores e os primeiros televisores do Brasil. Era o início da tecnologia mais popular do século XX.

Com programações educativas, a TV Tupi tinha uma faixa de horário dedicada a musicais, peças de teatro, tudo ao vivo.

Foi definido nessa época para que ela serviria, e decidiu-se que era para educar e, claro, vender anúncios. Assim, ela seria de graça. A profecia se cumpriu, e muitos brasileiros se educaram pela televisão ao longo dessas sete décadas. Destas, mais de 70 são da nossa emissora, que sobreviveu a todas as fases e segue na missão.

Gabriel estagiário em 2019 na Record Vale em São José dos Campos. Imagem/ Arquivo pessoal

Um dos ensinamentos é a notícia — uma aula diária de atualidades, política, geografia e curiosidades. Fazemos isso há muitas décadas e em muitos horários. O Brasil possui 3 pessoas a cada 10 que são analfabetas funcionais — são dados de um indicador levantado por uma organização não governamental há 20 anos.

Analfabeto funcional é aquela pessoa que não consegue ler um bilhete e compreendê-lo. A TV, para essa gente, é a janela para o mundo.

— Ah! Mas tem a internet agora!

Claro! Ela existe e estamos aqui agora! E foi dessa primavera digital que a TV assumiu outra bronca: garantidora da verdade.

Agora vamos conhecer outro ser humano, um cara chamado Perseu Abramo. Ele foi um jornalista de carreira, nasceu nos anos 40 e fez parte de grandes veículos de comunicação.

Dedicou a vida também a desenvolver muitas técnicas usadas em universidades pelo país. Em um dos livros dele, Perseu aborda critérios de manipulação usados na mídia e que são extremamente perigosos, já que trocam a verdade por outra, distorcida.

“A relação entre a imprensa e a realidade é parecida com aquela entre um espelho deformado e um objeto que ele aparentemente reflete: a imagem do espelho tem algo a ver com o objeto, mas não só não é o objeto como também não é sua imagem; é a imagem de outro objeto que não corresponde ao objeto real. A manipulação da informação se transforma, assim, em manipulação da realidade.”

(— Perseu Abramo)

Para ele, pequenos gestos — como deixar de falar sobre um assunto, já que ele não é positivo para alguém — são uma maneira de manipular os usuários da mídia.

A desfragmentação da informação, por exemplo: está tudo ótimo, exceto aquele ponto. E é ele que ganha vez e cria a sensação de que nada presta. Tirar a importância de um assunto, jogando-o no meio de tantos outros...

A lista é maior, mas não vamos nos estender. Assim como Perseu desenvolveu um mapa de como manipular a população, ele também criou uma cartilha de como fazer um jornal, o que chamou de “critérios de noticiabilidade”, que combatem a manipulação e aproximam a notícia da realidade.

“A manipulação da informação se transforma, assim, em manipulação da realidade.” — Perseu Abramo Imagem/ Fundação Perseu Abrano

Estou lhe explicando isso porque a TV usa os critérios de Perseu para criar um jornal e automaticamente virou a ferramenta contra a manipulação da internet.

Faça um teste agora! Olhe na tua rede social as publicações e analise os horários. Vai perceber que estão todos fora de ordem e seguindo critérios de ranqueamento aleatórios.

Um sistema entende o que você gosta te monitorando e depois prepara uma rede social capaz de te fazer ficar mais tempo online — te viciar mesmo! As notícias passeiam por ela, muitas vezes sem a técnica jornalística, e é aí que mora o perigo.

Quantas vezes você conversou com uma pessoa que é vidrada em determinado lado político que até cansa, por que parece que endoideceu? Acha que o mundo está para acabar? Viu só?

Trouxe hoje um pouco de educação midiática para deixar nosso blog mais inteligente e ficar à altura do nosso leitor que é livre para tomar as próprias decisões.

Boa semana!

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