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Um repórter no verão do litoral de São Paulo não quer guerra com ninguém, só uma sombra

Do aquecimento global às zonas frigideiras da metrópole mais quente da Baixada Santista

Bloco de Notas com Gabriel Graciano|Gabriel GracianoOpens in new window

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Um repórter no verão do litoral de São Paulo não quer guerra com ninguém, só uma sombra Freepik

Olhei o termômetro do celular, que marcava 24 graus. Desacreditei! A sensação térmica era de 40.

No alto, o sol irradiava toda a sua força enquanto eu decorava o que ia dizer em uma entrada ao vivo que já não me lembro mais. O verão, meu caro leitor, é torturante para quem trabalha na rua, mas, se for em Santos, multiplique a potência disso!


Eu saio todos os dias de casa para viver a rotina do trabalho no relento e amo. Aprendi com a vida de repórter tudo sobre tecidos de camisa, sobre protetores solares, sobre desodorantes. Santos tem uma característica cruel nesse aspecto. É uma cidade tropical, à beira-mar, e com uma metrópole erguida a muito cimento.

Não sei se você sabe, mas moramos na área mais quente da Terra. No verão, ao meio-dia, o sol marca o centro do céu. A radiação dele atinge diretamente essa região do planeta. Diferente de outros lugares do mundo, como Estados Unidos, Rússia e Espanha. Eles estão nas laterais, onde o sol passa mais distante.


Por ser mais quente aqui, chove mais também, e o calor motiva as correntes marítimas. Como temos a Serra do Mar, a região tem muitos dias molhados. Logo, aqui tem tudo ao mesmo tempo: sol, umidade, calor, chuva. É difícil se preparar.

“Enquanto a responsável pelo projeto falava, um raio de sol surgiu na areia. As nuvens se movimentaram e eu vi o sol ir tomando, aos poucos, o espaço dele. A radiação subia pelo corpo da surfista e, de repente, chegou ao meu braço. Senti uma ardência forte. Aqui, os raios UVA e UVB são muito intensos.”

As mudanças climáticas também não colaboram com o pobre jornalista aqui. Os modelos calculados pelos cientistas do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, apontam um crescimento médio de 1,5 grau na temperatura global. Parece pouco, mas é médio! Significa que há regiões que ficaram extremamente quentes, outras extremamente frias.


No meu primeiro verão aqui em Santos, fui gravar em uma praia a prática de surfe adaptado. Eram pranchas com cadeiras ou com locais de assento. Adaptações que tornassem o esporte acessível a pessoas que vivem com deficiência.

Cheguei com o céu encoberto, era bem cedinho. Estava uns 30 graus, sensação térmica de 38. Enquanto a responsável pelo projeto falava, um raio de sol surgiu na areia. As nuvens se movimentaram e eu vi o sol ir tomando, aos poucos, o espaço dele. A radiação subia pelo corpo da surfista e, de repente, chegou ao meu braço. Senti uma ardência forte. Aqui, os raios UVA e UVB são muito intensos. Era bem dolorido mesmo. Em outra ocasião, eu sairia do sol imediatamente, mas tive que aguentar a tortura. Passei a entrevista toda tentando entender como aquela mulher não sentia a ardência como eu.


Não tenho dados científicos para lhe apresentar e vou me aproveitar da oportunidade que este espaço dá para poder expressar minha opinião popularesca. Acredito que quem vive uma vida toda no litoral já tenha se acostumado. Tenho uma amiga que odeia ficar debaixo do guarda-sol na praia; ela prefere a radiação.

“As cidades aplicaram plástico nas ruas e avenidas, a água não é absorvida e o piche escuro segura o calor. As calçadas estão tomadas pelo concreto, que vira uma frigideira com o sol forte. Há pontos em Santos que chegam aos 50 graus. Isso é metade da temperatura que a água precisa para ferver.”

É perigoso. O sol é ruim para a pele e pode incentivar o desenvolvimento do câncer.

Os especialistas recomendam o uso do protetor solar repetidas vezes ao dia. Fico preocupado porque é um produto caro e temos muita pobreza no país. A maioria das pessoas escolhe entre comer ou comprar um produto qualquer.

É o período em que este humilde repórter muda de cor. Dá até para conjugar o plural e falar cores.

Maquiagem nem dá para usar, ou terei que ter toda a cartela de tons. Em dias de sol forte, o bronzeamento é inevitável e, como uso camisa, do antebraço ao pescoço, estou quatro tons mais claro que o rosto e as mãos. Não há protetor solar que elimine isso. Evito ao máximo ficar exposto, mas a câmera gosta de luz. E, se o cenário está no sol, o repórter vira a sombra se não se iluminar com ele também.

A gente não se preparou para as mudanças do clima. Isso é evidente.

As cidades aplicaram plástico nas ruas e avenidas, a água não é absorvida e o piche escuro segura o calor. As calçadas estão tomadas pelo concreto, que vira uma frigideira com o sol forte. Há pontos em Santos que chegam aos 50 graus. Isso é metade da temperatura que a água precisa para ferver.

É um chamamento! Precisamos rever a maneira de habitar o planeta.

E este texto, apesar de misturar desabafo e piadas, existe para isso: gerar reflexão. Porque, se está difícil hoje, imagine para o repórter que existir daqui a 50 anos?

Ótima semana, beba água e um Feliz Natal fresquinho para você!

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