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Você ainda chama o louco de tam tam?

Projeto em Santos revoluciona a inclusão de pessoas com deficiência intelectual e faz história com o uso da arte

Bloco de Notas com Gabriel Graciano|Gabriel GracianoOpens in new window

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Com o projeto, Renato ganhou projeção nacional e internacional, sendo entrevistado poelo saudoso Jô Soares, mas também em páginas dos grandescjornais do mundo, como o The New York Times. Foto/ arquivo Tam Tam

Eu aposto que você que já passou dos 30 lembra dos tempos longevos da escola e dos “louquinhos” que eram poucos, mas presentes nas salas. Na antiga João Pinheiro, escola onde estudei, existia um garoto que era visto como esquisito. Ele tinha um comportamento diferente, falava com dificuldade e era motivo de risadas por qualquer coisa que fizesse. Morava em um hotel; os pais eram donos. A minha memória pode ter inventado essa história, ou algum detalhe dela.

O que realmente importa é que esse menino é apenas um exemplo de como o passado revela a nossa falta de cuidado no diagnóstico e na inclusão de pessoas com alguma deficiência intelectual nos anos 90.


Nessa época, o Brasil ainda mantinha manicômios e carecia de acesso a diagnósticos. Eu não sou especialista, tampouco da área da saúde, mas sei que aquele menino (caso existisse) teria muita chance de ter algum grau de necessidade de suporte no espectro autista e, nos dias atuais, deveria contar com apoio na sala de aula, terapia comportamental, fonoaudiologia, psicoterapia, psiquiatria…Talvez até tivesse.

Neste mesmo período, em Santos, um homem tocava uma revolução que acompanhou uma fase muito importante no Brasil: a luta antimanicomial.


“Eu vi, com meus próprios olhos, algo que me espanta até hoje: o Renato fala com os 50 da mesma maneira. Independentemente do grau de suporte, do espectro autista, da síndrome. Incrivelmente, todas as pessoas entendem.”

Renato Di Renzo eu conheci em 2023, em uma reportagem. Um senhor desses de alma jovem, energia de 20 e poucos anos. Não aparenta a idade que tem, mesmo com os cabelos brancos.

Foi ele quem, ousadamente, começou um projeto na época, em um manicômio de Santos chamado Anchieta. O espaço foi um dos palcos dessa revolução. O então secretário de saúde da cidade, David Capistrano, abria os portões do lugar que encarcerava pessoas com deficiência intelectual. Uma atitude que colocou seu nome na história. Muitos internos chegavam a perder a identidade; sequer os funcionários do local sabiam seus nomes.


De mãos dadas com o movimento, Renato e David participaram de maneira atuante no maior ato de inclusão que o Brasil já administrou. As grades do Anchieta foram retiradas e o local passou de sanatório a um espaço de atendimento, diagnóstico e tratamento.

Bastidores da Radio Tam Tam aoresentada pelos internos da Casa de Saúde Anchieta, o local já foi conhecido como casa dos horrores. Foto/ Projeto Tam Tam

O Renato, de quem lhe falei, pedagogo e professor de teatro, levou a arte ao local e chegou a fundar uma rádio que despontou e virou líder de audiência na Baixada Santista. Fernanda Montenegro já foi entrevistada pelos “loucos”. Foi a maneira que Renato encontrou para mostrar que aqueles que a sociedade trancava por não saber lidar eram gente e eram capazes.


O projeto ainda existe. Chama-se TAM TAM, uma tatuagem marcada pelos apelidos do passado. Eu fui até o projeto TAM TAM conhecer os bastidores da peça anual que eles produzem. O Renato é dramaturgo, escreve os espetáculos também. Ele tem ao seu lado a psicóloga Cláudia Alonso, que é outra figura. Respira teatro e faz a ponte entre a arte e a saúde.

Lá, são atendidas dezenas de pessoas: de quadros de deficiência intelectual a pessoas que simplesmente gostaram do projeto ou acompanham seus filhos.

“De mãos dadas com o movimento, Renato e David participaram de maneira atuante no maior ato de inclusão que o Brasil já administrou. As grades do Anchieta foram retiradas e o local passou de sanatório a um espaço de atendimento, diagnóstico e tratamento.”

Em parceria com órgãos públicos, a Cláudia e os voluntários encaminham quem precisa para psiquiatras e outros serviços.

Na época, a peça levaria ao palco 50 pessoas. Eu vi, com meus próprios olhos, algo que me espanta até hoje: o Renato fala com os 50 da mesma maneira. Independentemente do grau de suporte, do espectro autista, da síndrome. Incrivelmente, todas as pessoas entendem.

Não importa que limitação o aluno tenha, na peça todos têm falas, coreografias, figurino. Ninguém é “café com leite”, ninguém é “TAM TAM”. Na verdade, é tudo muito bonito. O espaço é todo decorado com coisas que remetem à loucura. Existem muitos voluntários que colaboram com as atividades: professores, pais, mães… Na época, muitos deles foram costurar figurinos. O projeto é muito forte em Santos. Todo mundo acredita nele. É fácil: basta ir lá conhecer.

Esta é mais uma das histórias que me impressionam e que me mostram como essa cidade é história viva. Separei a reportagem para você assistir. Um abraço e boa semana!

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