Dólar tem valorização de 20,7% em um ano, após atingir R$ 6; entenda
Alta reflete fatores externos e internos, como a moeda americana mais forte no exterior e as incertezas com as contas públicas
O dólar bateu recorde por três dias seguidos na última semana, ultrapassando a barreira dos R$ 6. Na sexta-feira (29), chegou a bater em R$ 6,11 ao longo do dia e fechou a R$ 6,001, pela primeira vez na história. No acumulado dos últimos 12 meses, a moeda americana já registra valorização 20,7%. No dia 29 de novembro do ano passado, a cotação era de R$ 4,889.
A escalada do dólar pode ser atribuída a uma série de fatores, tanto internos quanto externos, afirma o professor de economia Hugo Garbe, da Universidade Mackenzie. “Internacionalmente, o fortalecimento da moeda americana geralmente ocorre em períodos de alta dos juros nos Estados Unidos, já que isso atrai investidores para ativos denominados em dólar. Além disso, tensões geopolíticas e incertezas econômicas globais aumentam a busca por segurança, beneficiando a moeda americana”, diz o professor.
No contexto doméstico, Garbe destaca que as incertezas fiscais, políticas ou econômicas também podem contribuir para a valorização do dólar frente ao real. “Por exemplo, se há dúvidas sobre a capacidade do governo em cumprir metas fiscais ou sobre a credibilidade da política monetária, investidores podem precificar um maior risco, elevando o câmbio.”
A economista Claudia Moreno, do C6 Bank, vai na mesma linha sobre os motivos da alta da moeda. “Acho que são dois fatores importantes. O primeiro é o externo, com a eleição do Trump. Agora a gente está vendo um dólar global mais fortalecido, que deve ficar nesse patamar forte por mais tempo. E isso traz uma pressão para o real. O dólar fortalece lá fora, o que impõe uma certa depreciação para o câmbio aqui”, explica a economista.
Para ela, houve uma decepção do mercado com o anúncio do pacote fiscal do governo federal, na última quarta-feira. A proposta de ajuste fiscal, para garantir uma economia de R$ 71,9 bilhões nos anos de 2025 e 2026, foi anunciada junto com a isenção do Imposto de Renda para salários de até R$ 5 mil, o que não agradou o mercado financeiro.
“A gente teve um pacote que saiu, que deve trazer algum ajuste nas contas. Ele representa um avanço para que o arcabouço seja viável nos próximos anos. Então ele é positivo. Lembrando que as medidas ainda precisam ser aprovadas no Congresso e podem ter alguma desidratação”, afirma Claudia.
No entanto, ela destaca que essas medidas não impedem o aumento do endividamento do governo, que já é bastante elevado.
A gente tem uma dívida líquida bastante alta. E mesmo com esse pacote anunciado, os analistas projetam que a dívida vai continuar subindo. Ou seja, esse ajuste não é suficiente para estabilizar a dívida no médio prazo. Diante desse cenário, a percepção de risco em relação às contas públicas segue ruim, o que deve manter o câmbio pressionado.
Segundo ela, a previsão do dólar no encerramento do ano será revisada, já que era de R$ 5,50. “A gente deve revisar para cima. Isso porque a gente está vendo um movimento mais intenso do mercado, incorporando esse risco fiscal”, avalia.
Impactos
O dólar alto pressiona a inflação, o que influencia na elevação da taxa básica de juros. Ao mesmo tempo a economia brasileira mostra resultados positivos. Segundo o IBGE, a taxa de desemprego no Brasil recuou a 6,2% no trimestre encerrado em outubro, menor patamar da série histórica. Nesta semana, será divulgado o PIB (Produto Interno Bruto) para o 3º trimestre de 2024. A previsão é de um crescimento para o ano de 2024 de mais de 3%, o dobro do previsto pelo mercado.
O professor Hugo Garbe cita os seguintes impactos do dólar alto na economia:
1. Inflação: a alta do dólar encarece produtos importados, como combustíveis, eletrônicos e insumos industriais, impactando o custo de vida e pressionando a inflação.
2. Exportações e importações: dólar alto beneficia setores exportadores, como agronegócio e commodities, ao tornar os produtos brasileiros mais competitivos no mercado externo. Por outro lado, encarece as importações, o que pode reduzir o consumo de bens.
3. Setor produtivo: empresas que dependem de insumos importados podem enfrentar dificuldades para repassar os custos ao consumidor final, reduzindo margens de lucro.
4. Política monetária: um câmbio pressionado pode levar o Banco Central a manter juros elevados por mais tempo, impactando o crescimento econômico.
Perspectivas
Com as expectativas de inflação subindo, os economistas já estão revisando as previsões para o câmbio em 2025, além da taxa básica de juros, a Selic. “O câmbio está depreciando e traz consequência para inflação, que deve ficar um pouco mais pressionada. Isso deve fazer com que o Banco Central tenha que subir mais os juros do que a gente imaginava anteriormente. Então hoje o nosso cenário é de uma taxa Selic mais alta”, avalia Claudia Moreno.
A economista afirma que a expectativa para a próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), do Banco Central, nos dias 10 e 11 de dezembro, é que se intensifique a alta de juros em função desse cenário. A previsão é de elevação de 0,75 ponto percentual, passando dos atuais 11,25% para 12%. “Com a Selic um pouco mais alta, deve conter um pouco uma pressão adicional do câmbio”, afirma.
Para Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, a perspectiva para a moeda americana é que fique nesse patamar dos últimos dias.
“Depois do anúncio e um pouco a frustração do mercado em relação às medidas apresentadas conjuntamente a uma agenda de reforma tributária sobre a renda, que ao nosso ver poderia ser discutida em outro momento, porque no momento atual é importante que o governo sinalize maior responsabilidade fiscal para cumprir o arcabouço fiscal. Eu acho que é essa deveria ser a pauta do momento. E isso gerou volatilidade, e toda essa incerteza à frente”, afirma Sung.
Ele chama a atenção que o crescimento da taxa de câmbio já começa a refletir sobre o custo de bens dos produtos agrícolas e de bens industriais. “Se o câmbio se mantiver no patamar de R$ 6 por um longo período, também vai exercer uma pressão extra sobre os custos dos produtores, que serão repassados aos consumidores. Então é bem provável que já nas próximas divulgações os bens industriais e bens agrícolas que compõem o IPCA tendem a acelerar”, avalia.
Diante da expectativa de piora do cenário inflacionário, ele acha que o Banco Central terá uma postura mais contracionista. “Nó alteramos nosso cenário-base para uma alta dos juros de 0,75 ponto percentual na reunião de dezembro do Copom. Assim, a taxa Selic deve encerrar o ano em 12%. Essa alta deve continuar na primeira reunião do próximo ano, e o ciclo de elevação deve se encerrar acima de 13,25%”, afirma.
O professor Garbe defende que a perspectiva para o dólar dependerá de interação de fatores. “Se o Banco Central dos EUA (Fed) mantiver uma postura mais dura em relação aos juros, o dólar deve continuar forte globalmente. No Brasil, a trajetória da moeda dependerá de sinais de estabilidade econômica, avanços em reformas estruturais e na percepção dos investidores sobre o compromisso do governo com o ajuste fiscal”, conclui o professor.
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