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Conversa de Repórter

São Paulo às cegas! 

Ficou claro é que a metrópole não está preparada para as mudanças climáticas que, às vezes, chegam sem mandar recado

Conversa de Repórter|Lucas Carvalho e Lucas Carvalho

Paulistano sem luz no fim do túnel
Paulistano sem luz no fim do túnel

É como se os paulistanos tivessem sido vendados por mais de 72 horas. Em algumas regiões, muito mais do que 72 horas. Uma eternidade. No escuro, os moradores da maior cidade do país não conseguiam enxergar, absolutamente, nada. Não dava pra ver, sequer, uma luz no fim do túnel.

São Paulo ficou às cegas, a mercê do caos. Em meio à escuridão, o que ficou claro é que a metrópole não está preparada para as mudanças climáticas que, às vezes, chegam sem mandar recado. Ficou nítido, também, que a Enel, empresa de energia elétrica, e as autoridades não deram conta do básico: oferecer dignidade às pessoas.

Não quero, aqui, parecer engenheiro de obra pronta. Aqueles chatos que opinam sobre o trabalho dos outros sem, ao menos, ter noção da complexidade. Longe de mim. Mas faz parte da função de quem se propõe a governar agir com rapidez e dar respostas convincentes à população. Faltou isso e mais um pouco.

Não adianta, apenas, colocar a culpa nos ventos que atingiram 100 km/h. Não é de hoje que São Paulo nada e não sai do lugar quando o assunto são as tempestades. A cidade sempre esteve por um fio. Ou, talvez, sempre esteve por um emaranhado de fios que encobrem nossas cabeças quando, na verdade, deveriam estar escondidos debaixo do solo.


Estive no bairro Capão Redondo, na zona sul de São Paulo. Na rua, duas árvores de grande porte estavam caídas em cima de fios e de casas. Moradores estavam, praticamente, presos dentro das residências. Quando cheguei, avisei um morador no portão com a mãe, uma idosa de 92 anos, dependente de uma cadeira de roda. Não havia a menor condição de correr com a mulher para um hospital caso fosse necessário.

Não demorou nada pra rua se encher de pessoas revoltadas. Vizinhos, descontentes e desacreditados, que viam na Record a possibilidade de serem ouvidos e representados. Eram muitos moradores me pedindo pra contar suas histórias, querendo que fôssemos até suas casas. Conheci a realidade de muita gente. Entrei em várias residências.


Uma das maiores frustrações do jornalismo é o deadline: a pressão para entregar o material a tempo de ser editado e entrar na edição do jornal no horário previsto. Não bastasse esse desafio, ainda tem a luta por cada segundo da reportagem. A gente grava, grava, grava, mas nem tudo entra na matéria por falta de tempo – novamente, tempo.

Testemunhei tantas situações que não consegui reportar que chegam dói. Uma delas, mexeu, inclusive, com o repórter cinematográfico, Gilberto Cotobelo. Uma mãe nos levou até a casa dela. A filha, acamada, nasceu com microcefalia. A jovem, de 20 e poucos anos, imóvel, passava calor e não estava em condições de receber o oxigênio para respirar. Isso porque a rua estava interditada e não conseguia abrir caminho para o caminhão que fazia o abastecimento. A menina ganhava sobrevida a partir de uma bombinha, dessas de asma.


Além da falta de energia elétrica, esses mesmos moradores não tinham um pingo d’água nas torneiras. Imagina só. A população não conseguia nem tomar banho direito. Nas pias, a louça suja se acumulava. Em toda casa que a gente entrava, ouvíamos dos moradores: "Não repare a bagunça, por favor!"

Gente simples, humilde e honrada que, mesmo diante do caos, não queria passar uma má impressão. Em outra casa, assim que entrei, a mulher chorava. Chorava de desespero, de angústia, de raiva... Chorava porque não conseguia ter acesso ao básico, mesmo com todas as contas quitadas. Precisei abraçá-la ao terminar a gravação.

Quem vai pagar pelos alimentos estragados? Vi moradores jogando sacolas de carne no lixo. Quem vai pagar pelo prejuízo dos estabelecimentos que não funcionaram por falta de energia? Quem vai se responsabilizar por questões mal resolvidas de pessoas que ficaram incomunicáveis por não terem onde carregar o celular? Quem? Quando? Como?

São muitas perguntas sem respostas. Talvez, perguntas demais pra quem deixou São Paulo nas trevas. A culpa não pode cair só em São Pedro ou no clima que segue ritmo próprio. A responsabilidade é humana, sim. Não há ninguém desavisado sobre a precariedade que vivemos há tempos.

Em lugar nenhum é admissível uma situação como essa, mas na maior cidade do País e no Estado mais rico da Federação até parece mentira, pegadinha ou qualquer outra brincadeira de péssimo gosto.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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