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Feminicídio: por que o Brasil ainda falha em proteger a vida das mulheres?

O que diz a lei, como os tribunais decidem e por que os números continuam alarmantes no Brasil e no mundo

Direito e Vida Real|Stefanny FeresOpens in new window

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LEIA AQUI O RESUMO DA NOTÍCIA

  • O feminicídio é um crime grave no Brasil, tratado com rigor pelas leis, sendo agora considerado um crime autônomo.
  • Em 2022, o Brasil registrou 3.806 feminicídios, com dados indicando aumento nos casos de violência contra mulheres.
  • A Lei nº 14.994, em vigor desde outubro de 2024, agrava as penas e estabelece medidas para prevenir a violência contra a mulher.
  • As causas do feminicídio se relacionam a fatores sociais e comportamentais, como controle coercitivo e stalking, exigindo uma abordagem integrada para a proteção das mulheres.

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Feminicídio cresce mundialmente freepik

Diante do alarmante índice do crime de feminicídio no Brasil, o legislador demonstrou uma preocupação maior tratando as penalidades com rigor - diga-se, a sanção mais grave em relação a todos os demais crimes - deixando de ser uma agravante para o crime de homicídio para tornar-se um crime independente.

A violência de gênero e o feminicídio estão aumentando em um contexto de conflitos, crises humanitárias e econômicas, o que torna necessária a política pública para investir em prevenção e acabar com a impunidade.


Afinal, o que é feminicídio?

Feminicídio é o crime de homicídio (“matar alguém”), cometido contra mulher em razão de sua condição de sexo feminino (pelo fato de ser mulher). Trata-se de fato cometido em situação de violência doméstica e familiar, também como uma nuance do crime de stalking, que expressa, de forma extrema, o menosprezo, discriminação, desigualdade de gênero e violência contra as mulheres.

Princípios do direito relacionados ao feminicídio

Para que uma lei tenha força, ela precisa ter fundamentos, princípios. Isso ocorre em todo contexto jurídico, e a Lei nº 14.994/24 não poderia ser diferente. Dessa forma, podemos citar alguns princípios que colaboram com essa lei:


  • Dignidade da pessoa humana: fundamento da República e norteador da proteção integral à vida; a criminalização do feminicídio protege esse núcleo fundamental, previsto logo no artigo 1º, III, da Constituição Federal;
  • Igualdade e não discriminação de gênero: previsto no art. 5º da Constituição Federal, pelo qual estabelece a igualdade entre homens e mulheres nos direitos e deveres, quanto à inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade;
  • Princípio da legalidade penal e da individualização da pena: o feminicídio, assim como todo e qualquer crime, precisa ser tipificado, ou seja, para dar segurança jurídica, tanto para a vítima como para ofensor (ao ser processado, julgado e passar pela penalização), o crime e a pena precisam ser previstos em lei, que seja amparada por princípios e fundamentos da no Carta Maior, isto é, a Constituição Federal. Significa que todos são amparados e punidos igualmente pelo Poder Judiciário.
  • Interpretação conforme tratados internacionais de direitos humanos: decisões e políticas devem considerar compromissos internacionais do Brasil em matéria de direitos das mulheres e prevenção da violência, tendo em vista que o Brasil é signatário da ONU, buscando a proteção interna e externa de direitos humanos.

Previsão legal

No Brasil, em 2015, o feminicídio era “parte” do crime de homicídio no Código Penal, pertencendo a esse crime como uma qualificadora, o que significa dizer que era uma variação grave do crime de “matar alguém”, tendo em vista a condição do sexo feminino, com a pena do homicídio aumentada de um terço à metade.

Em outubro de 2024, passou a vigorar a Lei nº 14.994, para tornar o feminicídio crime autônomo, agravar a sua pena e a de outros crimes praticados contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, bem como para estabelecer outras medidas destinadas a prevenir e coibir a violência praticada contra a mulher.


Assim, o artigo 121-A, do Código Penal, determina:

Art. 121-A. Matar mulher por razões da condição do sexo feminino:

(Código Penal)

Pena – reclusão, de 20 (vinte) a 40 (quarenta) anos.

(Código Penal)


Razões da condição do sexo feminino

O §1º do artigo 121-A, do Código Penal já estabelece as razões da condição do sexo feminino, quando o crime envolve:

  • Violência doméstica e familiar;
  • Menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Importante destacar que não houve violação aos preceitos constitucionais sobre igualdade, no que diz respeito à maior proteção à mulher em relação ao homem, caso já discutido na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 19, persistindo a força do artigo 1º da Lei nº 11.340/11 (Lei Maria da Penha):

Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

( Lei nº 11.340/11 (Lei Maria da Penha))

De acordo com o Relator, Ministro Marco Aurélio, “a mulher é vulnerável quando se trata de constrangimentos físicos, morais e psicológicos sofridos em âmbito privado. Não há dúvida sobre o histórico de discriminação por ela enfrentado na esfera afetiva. As agressões sofridas são significativamente maiores do que as que acontecem – se é que acontecem – contra homens em situação similar”.

Qualificadoras do feminicídio

O artigo 121-A, do Código Penal, em seu §2º, entrega um rol sobre as qualificadoras do crime de feminicídio (punições mais severas):

§ 2º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime é praticado:

  • Durante a gestação, nos 3 (três) meses posteriores ao parto ou se a vítima é a mãe ou a responsável por criança, adolescente ou pessoa com deficiência de qualquer idade;
  • Contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental;
  • Na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima;
  • Em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340/06, quais sejam:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, como aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas (com limite mínimo de distância); contato por qualquer meio de comunicação; frequentação de determinados lugares (preservação da integridade física e psicológica da ofendida); restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, prestação de alimentos, dentre outros.

  • Nas circunstâncias previstas nos incisos III, IV e VIII do § 2º do artigo 121 do Código Penal: com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; se cometido com emprego de traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; e com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido.

Se duas qualificadoras, há dupla punição?

Segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal conforme citado no AREsp nº 2572671 - TO - em que houve julgamento pelo tribunal do júri pela condenação do acusado que praticou o crime de feminicídio mediante asfixia da vítima - são qualificadoras diferentes: feminicídio possui, no julgado mencionado, o fato de a vítima ser mulher (condição especial da vítima); já a qualificadora do motivo torpe, contida no crime de homicídio, a qualificadora ocorreu pela motivação do crime (torpe - ciúmes).

Portanto, podem incidir duas qualificadoras, aumentando ainda mais a pena para o ofensor.

O que dizem os dados?

Segundo o IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entre 2012 e 2022, ao menos 48.289 mulheres foram assassinadas no Brasil. Sendo que em 2022, foram 3.806 vítimas, uma taxa de 3,5 casos para cada grupo de 100 mil mulheres.

Apenas em 2022, 4.172 mortes violentas de mulheres foram classificadas como MCVI - Mortes Violentas por Causas Indeterminadas. Com base na metodologia desenvolvida por Cerqueira e Lins (2024b), o IPEA estimou que o número de homicídios de mulheres em 2022 foi igual a 4.670, com uma taxa de 4,3 assassinatos para cada grupo de 100 mil, índice 22,8% superior ao calculado a partir dos casos registrados oficialmente.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no que diz respeito à segurança em números, em 2025, o feminicídio teve um aumento de 0,7% de vítimas, que em números, representam 1.492 vítimas, dentre as quais:

  • 63,6% são negras;
  • 70,5% entre 18 e 44 anos;
  • 8 em cada 10 vítimas foram mortas por companheiros ou ex-companheiros;
  • 64,3% foram mortas em casa;
  • 97% assassinadas por homens.

Além do feminicídio, houve 3.870 vítimas de tentativa de feminicídio, o que representa um aumento de 3.870 mulheres; aumento de violência psicológica de 51.866 registros, um aumento de 6,3% e, por fim, uma das nuances do feminicídio, o crime de stalking (perseguição reiterada) teve um aumento de 95.026 registros (são 18,2%).

Ainda referente aos dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a Polícia Militar é cada vez mais demandada nos casos de violência doméstica, com o índice de 1.067.556 acionamentos em 2024, o que significa dizer que são 02 (dois) chamados por minuto!

Finalmente, como um fator relacionado à violência doméstica e feminicídio, foram concedidas 555.001 medidas protetivas de urgência (aumento de 6,6%) e foram descumpridas 101.656 (10,8%) das medidas pelo agressor.

Feminicídio é crise global

Conforme o relatório de feminicídio disponibilizado pela ONU, cujo documento apresenta estimativas globais sobre feminicídios de parceiras íntimas e membros da família em 2024, em um aspecto geral, a África registrou o maior número absoluto de vítimas, enquanto a Europa e a Ásia apresentaram as taxas mais baixas.

Em um aspecto geral, temos como estimativas regionais de feminicídio:

  • África: 22.600 vítimas, taxa de 3,0 por 100.000 mulheres.
  • Américas: 7.700 vítimas, taxa de 1,5 por 100.000 mulheres.
  • Ásia: 17.400 vítimas, taxa de 0,7 por 100.000 mulheres.
  • Europa: 2.100 vítimas, taxa de 0,5 por 100.000 mulheres.
  • Oceania: 300 vítimas, taxa de 1,4 por 100.000 mulheres.

A metodologia para coletar dados

A análise foi baseada em dados de 117 países, coletados principalmente por meio de pesquisas anuais da ONU sobre tendências de crime.

A validação dos dados é realizada para garantir a consistência com definições padrão de homicídio intencional.

Tendências em Feminicídio por Parceiros Íntimos:

  • A taxa de feminicídio nas Américas permaneceu estável desde 2010, enquanto na Europa houve uma diminuição lenta.
  • A falta de dados em África, Ásia e Oceania impede a análise de tendências a longo prazo nessas regiões.

Risco de Feminicídio e Comportamentos de Stalking

O stalking é um dos comportamentos mais prevalentes e um fator de risco conhecido para feminicídio.

Uma análise no Reino Unido revelou que 58,5% dos casos de homicídio doméstico envolveram o uso de tecnologia para controle coercitivo antes do assassinato.

É necessário revisar instrumentos de avaliação de risco e investigações policiais para detectar o uso de tecnologia na violência entre parceiros íntimos.

Uma informação interessante observada nos dados é de que mulheres com alta visibilidade pública, como jornalistas e ativistas, enfrentam riscos elevados de violência facilitada pela tecnologia (alta exposição), revelando que uma em cada quatro jornalistas mulheres globalmente relatou receber ameaças online de violência física, incluindo ameaças de morte.

Políticas emergentes para o enfrentamento do feminicídio

O feminicídio é um fenômeno social, cultural e jurídico que exige respostas integradas: prevenção, proteção, responsabilização penal e políticas públicas de reparação, considerando as diferenças nas formas de violência de parceiros íntimos e familiares. Fatores de risco comuns incluem acesso a armas, controle coercitivo, histórico de violência e separação de relacionamento.

O reconhecimento jurídico do feminicídio tende a revelar e mensurar padrões de violência que historicamente foram naturalizados ou invisibilizados.

A criminalização do feminicídio em várias jurisdições e a criação de unidades especializadas na justiça criminal são exemplos de respostas legais, como o caso do Superior Tribunal de Justiça, que teve a iniciativa de dar celeridade - rapidez e eficiência - no andamento de processos distribuídos até 2022, relacionados à violência de gênero, refletindo “o compromisso do Tribunal da Cidadania com a promoção da igualdade e a erradicação de toda forma de violência baseada em gênero”, segundo a ministra Maria Thereza de Assis Moura.

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Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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