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Luiz Fara Monteiro

A importância do Sistema de Parada de Aeronaves

Piloto e especialista em segurança, Paulo Licati defende implantação de projeto nos aeroportos do país

Luiz Fara Monteiro|Do R7

Paulo Rogério Licati é comandante de Boeing 737
Paulo Rogério Licati é comandante de Boeing 737

Paulo Rogério Licati é comandante de Boeing 737 com 18.000 horas de voo. Experiente, operou por 8 anos na Ponte Aérea entre São Paulo e Rio de Janeiro, justamente dois dos aeroportos considerados mais desafiadores no país. O piloto também é Elemento Credenciado em Prevenção de Acidentes Aeronáuticos pelo CENIPA e especialista em Logística e Supply Chain pela FGV.

“Além de excelente profissional, o Licati sabe tudo sobre fadiga do aeronauta”, elogia o também experiente comandante Fernando Pamplona.

Graduado em Aviação Civil, Licati – como é conhecido – é especialista em Segurança de Aviação e Aeronavegabilidade Continuada pelo renomado Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

E foi por esta especialização que o Blog Aviação encomendou a Paulo Rogério Licati um artigo sobre a importância para os aeroportos brasileiros do Sistema de Parada de Aeronaves, um artifício já implantado em várias pistas de países desenvolvidos. 


Abaixo, o material que o especialista preparou:

EMAS – Sistema de Parada de Aeronaves: Um luxo ou uma necessidade?


Quem passa pela Avenida Washington Luiz, na zona de Sul de São Paulo, pode avistar uma estrutura imponente de ferro com laje na cabeceira 17 direita em frente ao aeroporto de Congonhas. Sobre a estrutura será instalado o sistema de parada de aeronaves (EMAS), que tem o objetivo de atender regras da Organização Internacional e Aviação Civil (OACI). O sistema tem como meta principal a melhoria da segurança dos aeródromos.

A necessidade de um sistema como este em Congonhas foi reforçada por meio de um relatório do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) após o acidente com o voo 3054 da TAM em 17 de julho de 2007, quando 199 pessoas morreram.


O documento emitido exatamente dois meses depois do acidente recomendava a implantação da Runway End Safety Area (RESA), em conformidade com os padrões técnicos estabelecidos “mesmo que isto possa implicar na redução do atual comprimento das pistas principal e auxiliar”.

Congonhas será o primeiro aeroporto da América Latina a receber este sistema.

Estrutura na cabeceira 17 direita do Aeroportos de Congonhas para receber o EMAS
Estrutura na cabeceira 17 direita do Aeroportos de Congonhas para receber o EMAS

Histórico

O sistema de parada de aeronaves foi utilizado pela primeira vez em 1911 pelo piloto Eugene Ely, considerado um pioneiro da aviação americana por ter sido o responsável pela primeira decolagem e aterrissagem a bordo de uma embarcação. O invento de outro piloto americano, Hugh Robinson, é descrito como um sistema de ganchos instalado no convés de um navio, o USS Pennsylvania, permitindo que a aeronave parasse com rapidez e segurança. Este sistema – muito visto em filmes e gravações feitas a bordo de porta-aviões - é utilizado para aeronaves militares até os dias atuais.

Pouso de Eugene Ely no USS Pennsylvania
Pouso de Eugene Ely no USS Pennsylvania

Não demorou muito para que fosse criada uma espécie de rede para as operações de porta-aviões. O objetivo era parar um avião quando o gancho da cauda perdesse todos os cabos de travamento. Primeiro, um cabo de aço. Depois, dois cabos foram estendidos ao longo do convés com cerca de um metro de altura em cada estação de barreira. Os cabos eram presos a pilares que podiam ser dobrados para colocá-los no convés, de forma que os aviões pudessem deslizar além das barreiras.

EMAS

O sistema de parada de aeronaves, originalmente chamado de Engineered Materials Arresting System (EMAS), foi criado após o acidente de uma aeronave modelo DC10-30 de matrícula LN-RKB – da Scandinavian Airlines - quando o trimotor ultrapassou os limites da pista 04R em New York JFK em 28 de fevereiro de 1984. Este acidente ocasionou ferimentos a passageiros e danos substanciais à aeronave.

O Federal Aviation Administration (FAA), órgão de controle de aviação dos Estados Unidos e a Força Aérea dos Estados Unidos (USAF) concordaram em determinar a viabilidade e desenvolver critérios para o projeto de um sistema de parada de aeronaves de forma mais suave que os até então conhecidos como os cabos e barreiras. Em 1998, a FAA emitiu a primeira especificação genérica para o projeto de instalação e manutenção do EMAS.

O EMAS basicamente é um material poroso de alta absorção de energia. O material fornecido para o aeroporto de Congonhas é feito de concreto celular com vidro reciclado, e, conforme o projeto, instalado sobre as plataformas elevadas que estão ao nível da pista do aeroporto.

As pesquisas e desenvolvimentos deste material ocorreram com testes laboratoriais e em escala real. O programa de testes utilizou um trem de pouso de aeronave montado em um veículo especial simulando o mesmo peso e velocidade de uma aeronave durante a saída de pista. Os dados coletados na unidade de testes foram utilizados para validar uma modelagem computacional de alto desempenho e, posteriormente, utilizada para simular vários cenários. Testes com aeronaves também foram realizados.

Regulamentação

O Regulamento Brasileiro de Aviação Civil (RBAC 154) que trata sobre infraestrutura aeroportuária, é quase em sua totalidade baseado no Anexo 14 Organização de Aviação Civil Internacional (OACI), com diferenças pontuais em alguns requisitos técnicos. Porém, uma diferença significativa trazida pelo RBAC 154 é o fato de que todas as recomendações contidas no Anexo 14 foram internalizadas no Brasil como padrão (standard), o que enrijeceu o regulamento brasileiro. Desta maneira, este documento traz no item 154.209 (b) (3) o seguinte:

“Caso seja instalado um sistema de desaceleração de aeronaves, as dimensões da RESA devem ser adequadas com base nas especificações de projeto do sistema.” Como podemos ver, o EMAS é reconhecido pela OACI e passa ser uma alternativa segura, até mais que uma simples área de escape, para os aeroportos onde existam restrições ambientais, geográficas e crescimento desordenado.

Análise de Impacto Regulatório (AIR)

Metodologicamente, a AIR traz uma maneira de avaliar o lado econômico que deve balizar a ação do regulador, como qualquer agente, administra recursos escassos e deve fazê-lo de forma cuidadosa, por tratar de recursos públicos, em que os custos e benefícios considerados na tomada de decisão afetam direta ou indiretamente os cidadãos.

A Infraero está construindo em São Paulo um dos melhores equipamentos para a parada de aeronaves. Isto ocorre após uma década das recomendações feitas pelo CENIPA, resultado de investigações de acidentes e incidentes e, pleitos requisitados pela comunidade aeronáutica. O objetivo desta obra é atender requisitos e melhorar a segurança operacional no aeroporto de Congonhas, bem como agregar valor na concessão que está em processo.

Através do conceito AIR, em uma análise breve e de muito valor para a sociedade - até mesmo porque ninguém quer se coadjuvante em um acidente aéreo - deve ser levado em consideração o valor médio de uma vida e equipamentos em caso de saídas de pistas, para chegar em um equilíbrio na viabilidade para instalação deste sistema. O valor médio de vida é determinado para efeitos administrativos e jurídicos, uma vez que vidas humanas não têm preço.

Podemos dizer que o Aeroporto Santos Dumont-RJ, é um grande parceiro do aeroporto de Congonhas-SP pela ligação feita através da ponte-aérea entre as duas cidades. Por isso, vale a pena trazer uma reflexão dos custos de um acidente para que as autoridades não deixem este aeroporto de extrema importância para economia brasileira fora do escopo para instalação do EMAS.

Em uma tese do curso de Mestrado em Economia do Setor Público da Universidade de Brasília, o autor Virgílio de Matos Santos Castelo Branco apresentou o trabalho intitulado “Análise de Impacto Regulatório dos Requisitos de Projeto de Aeródromos no Brasil: uma análise econômica e aplicação ao caso do aeroporto de Congonhas”.

Na pesquisa, Castelo Branco realizou uma revisão bibliográfica e trouxe a tona um valor aproximado sobre o Valor da Vida Humana, que se concluiu ser o valor ideal que a sociedade estaria disposta a pagar para a redução dos riscos à vida, cujo estabelecimento se faz necessário para constituição dos corretos incentivos para se evitar que as mortes ocorram. Com base na revisão bibliográfica, calculou-se o Valor Estatístico da Vida (VSL) para o passageiro da Aviação Civil Brasileira como 5,1 milhões de reais para o final de 2015, bem como os valores de 4,1 e 8,0 milhões de reais para a condução de análises de sensibilidade.

Aliado ao VSL, outro custo direto a ser considerado é o da aeronave. De acordo com o site “aviação brasil”, o valor de um Boeing 737800 NG gira em torno de 106 milhões de dólares e um Airbus 320 NEO, 110 milhões de dólares. Outros custos também podem estar envolvidos em um acidente aéreo, mas depende também do local da ocorrência.

Com estes dois valores podemos estimar que os custos de um acidente aéreo com a perda de 150 vidas mais o equipamento pode custar as seguradoras o valor de 626,5 milhões de reais com custos diretos, se considerarmos o valor total com custos indiretos estes valores podem chegar a 1.4 bilhões de reais.

O valor do investimento feito pela Infraero no Aeroporto de Congonhas, conforme publicado foi de 122.5 milhões de reais, o que justifica o investimento na construção do EMAS naquele aeroporto, como também pode justificar no aeroporto Santos Dumont, dependendo da solução.

Outro estudo importante feito pela empresa brasileira Runway Safe foi a análise do comportamento do risco as possíveis mudanças entre as soluções, foram escolhidos quatro cenários, sendo:

Cenário 1: Situação atual – Infraestrutura existente;

Cenário 2: Implantação de RESA recomendada pela OACI/ANAC – 90x90metros;

Cenário 3: Implantação de RESA regulamentar recomendada pela OACI/ANAC 240x150 metros;

Cenário 4: Implantação de EMAS com área de 116 metros.

A imagem acima refere-se a cabeceira 02R. O estudo concluiu que anos esperado para um acidente de grandes proporções no cenário 1 é de 6 anos, cenário 2 é de 13 anos, cenário 3 é de 22 anos e cenário 4 é 19 anos. Desta forma, a construção do EMAS no aeroporto Santos Dumont é a alternativa mais viável.

Concessão

A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) aprovou no dia 21 de setembro de 2021 a minuta do edital para a sétima rodada de concessão de aeroportos do Governo Federal, que inclui o Aeroporto Santos Dumont, o processo está passando por audiência publica, oportunidade que a sociedade e interessados em participar do leilão podem enviar sugestões. Finalizada a etapa de contribuições através da audiência publica, a ANAC vai finalizar a minuta, aprovar a proposta em reunião de diretoria colegiada e enviar o documento para avaliação do Tribunal de Contas da União (TCU). Neste edital é interessante que a instalação do EMAS seja descrita de forma clara e temporal como obrigação para o novo administrador, lembrando a que área de escape de 150 metros (60 metros de área de pista mais 90 metros de RESA) é um requisito, porém, no aeroporto Santos Dumont não existe espaço suficiente e a solução para aterro não é adequada devido o alto impacto ambiental na Baia da Guanabara.

A ideia inicial para o aeroporto Santos Dumont é instalar plataformas em balanço (uma parte fica suspensa e fora dos limites do aeroporto) na extensão das cabeceiras, sem que sejam instalados pilares na Baia da Guanabara. O Instituto Nacional do Meio Ambiente (INEA) do Estado do Rio de Janeiro, foi consultado para esta solução de engenharia e emitiu no dia 9 de junho de 2021 Licença Prévia IN052107, com validade de quatro anos.

A comunidade aeronáutica, espera que esta o EMAS seja um requisito e não apenas uma opção para o Aeroporto Santos Dumont e tantos outros que estão em situações semelhantes, como Navegantes, Joinville, Porto Seguro, Ilhéus entre outros.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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