‘As outras companhias virão atrás da gente’, diz presidente da ITA
Em entrevista exclusiva, Sidnei Piva e o CEO Adalberto Bogsan prometem aumento da frota de aviões e ‘comida de verdade’ a bordo
Luiz Fara Monteiro|Do R7
A nova companhia aérea brasileira fez seu primeiro voo em 29 de junho. São apenas sete aviões em operação até agora. “Mas já temos contratadas 50 aeronaves”, frisa Sidnei Piva, presidente do Grupo Itapemirim. Sempre citando a experiência com o transporte rodoviário, Piva revela que uma das estratégias da companhia é aproveitar-se da tradição do ônibus para valorizar voos regionais e ligar as capitais ao maior número de cidades. O presidente do grupo diz que vai recuperar o glamour das viagens aéreas, que incluirá nos voos serviço de bordo com refeições e lanches balanceados assim que houver autorização da Anvisa, por causa da pandemia. Piva tem saudade da época em que era oferecida refeição a bordo “sem que o passageiro precisasse sacar o cartão de crédito”. E lembra da alta qualidade das grandes companhias brasileiras do passado, como Varig e TAM. “Teremos comida de verdade”, promete.
A poucos dias de a ITA iniciar operações em Congonhas, um dos aeroportos mais disputados da América do Sul, o CEO Adalberto Bogsan não esconde a ansiedade: “Será uma excelente oportunidade para mostrarmos o diferencial Itapemirim”.
Contratado assim que a ITA começou a voar, Bogsan traz experiências acumuladas desde a Varig/Rio-Sul, passando por Gol e Azul, além da presidência da Asta Linhas Aéreas, empresa regional com sede em Cuiabá. “Vamos voar para Montevidéu agora em novembro em voos fretados, e no ano que vem teremos ainda Buenos Aires”, informa o CEO.
A companhia foi alvo de reclamação dos funcionários por falta de pagamento de diárias à tripulação. A empresa alegou problema no sistema que calcula os diferentes valores para cada tripulante e diz que já corrigiu a falha. Sobre o atraso no depósito do FGTS, informa que tenta um parcelamento na Caixa Econômica Federal mas que, caso não seja possível, depositará os valores.
Os dois executivos conversaram com o Blog nesta quinta-feira (11).
“Eu falo mais com o coração e o Adalberto entra com a razão”, alertou Sidnei Piva.
A seguir, a entrevista com edição final de Fausto Carneiro:
Luiz Fara Monteiro – A Itapemirim começa a operar em Congonhas em 16 de novembro, um dos terminais mais disputados do continente. Entre pousos e decolagens serão 12 movimentos diários, os chamados "slots", na alta temporada. Vocês estão preparados?
Sidnei Piva – Congonhas é o berço do corporativo, tem um público mais exigente, mais ativo na aviação. É o que mais tem frequência de voos. Então para uma companhia aérea em tão pouco tempo conseguir essa quantidade de slots nesse aeroporto é algo extraordinário. Temos uma grande responsabilidade, mas estamos felizes porque vamos mostrar todo o diferencial Itapemirim. É um dos aeroportos mais importantes do mundo, e [a conquista] nos deixa muito satisfeitos. O coração e o planejamento [da ITA] que nasceram em 2017 se consolidam agora em 16 de novembro. Às 7h30 da manhã estarei lá [em Congonhas] cortando uma fita com muita felicidade.
Adalberto Bogsan – É uma operação intensa. Treinamento de pilotos, tem que colocar as aeronaves dentro dos padrões para a operação. Congonhas é uma vitrine, assim como o Santos Dumont. É onde você tem a circulação do maior PIB brasileiro. Isso traz pra gente uma oportunidade muito grande de colocar a marca Itapemirim dentro do corporativo brasileiro, onde você pode expor a empresa. E de lá podemos ligar os grandes mercados corporativos, ligar Congonhas ao Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Salvador. E a partir de Brasília e do Galeão a gente liga Congonhas ao resto do Brasil, que seriam as capitais do Nordeste e, futuramente, as capitais do Norte.
Luiz Fara Monteiro – A Itapemirim se apresenta com o diferencial do espaçamento maior entre as poltronas e uma tarifa competitiva. A companhia já realizou alguma pesquisa qualitativa sobre o serviço oferecido aos passageiros até agora?
Sidnei Piva – Desde que idealizamos a companhia eu quis trazer o resgate da satisfação de voar. A Itapemirim rodoviária foi inovadora no quesito transporte com “dreambus” e resolvemos trazer esse serviço também para o avião. A cada dia as companhias reduziram mais ou até cobravam por aquele serviço de bordo para aumentar a receita. Como usuário, eu estava insatisfeito com essa situação. Em uma viagem internacional você tinha todo um tratamento diferenciado, uma comida adequada, uma bebida que você podia escolher e não precisava sacar o cartão de crédito ou ter que se satisfazer com amendoim. Na criação da Itapemirim fizemos uma extensa pesquisa de mercado perguntando qual é a sua satisfação de voar. Então eu resolvi trazer de volta o glamour. Nós vamos ter um espaço adequado onde, além do conforto, a pessoa terá uma refeição digna de uma companhia aérea de luxo. Vai ter comida de verdade ou também um lanche de verdade, um lanche balanceado. Eu entendo que esse diferencial vai causar um impacto principalmente em Congonhas, por exemplo, porque havia um [público] corporativo e outras cidades que tinham um corporativo que usava esse serviço na Varig, na TAM e foi perdendo [refeição] por tentativas de redução de custos que, a meu ver e como empresário, é desnecessário. Dá pra você fazer outras receitas marginais que não seja tirando o conforto desse cliente. As companhias vão correr atrás das novidades da Itapemirim ou ficarão atrás.
Luiz Fara Monteiro – Isso não impacta o custo?
Sidnei Piva – Claro que impacta, só que nossa equipe tem que ter criatividade. Não vou aumentar passagem por isso, mas posso colocar um bom anúncio na minha revista e buscar uma receita diferenciada pra cobrir esse custo. Acho que é um respeito ao cliente que a ITA está trazendo. Enquanto todo mundo pensa em reduzir algo, estamos fazendo o contrário, [estou dizendo ao cliente] “vem comigo que vou te dar algo mais”.
Luiz Fara Monteiro – Vocês têm apenas seis aeronaves do modelo A320, da Airbus, na frota. Qual o planejamento para aumentar a quantidade de aviões?
Sidnei Piva – Nós temos já contratadas 50 aeronaves, sendo 10 A319 e 40 A320. Tivemos atrasos pela pandemia. Muitos aviões ficaram no chão, parados. Quando o “lessor” pega esse avião de outra companhia, antes de entregá-lo à Itapemirim ele tem que fazer uma checagem de manutenção muito grande. Acontece que essas companhias que fazem essa manutenção estão lotadas porque o mundo inteiro está voltando a voar. O “lessor” está com a oficina lotada. Isso ocasionou atraso no recebimento das aeronaves.
Luiz Fara Monteiro – E vocês ainda enfrentaram recentemente dois casos de choque com pássaros (bird strike), o que atrapalhou as operações...
Sidnei Piva – Sim, e ainda atropelamos essas aves no percurso, uma em Brasília e a outra em São Paulo.
Luiz Fara Monteiro – A Itapemirim acabou de receber um A319 vindo de uma companhia portuguesa. Qual a estratégia operacional para esse avião?
Sidnei Piva – Deixa eu te falar do A319: a estratégia é o voo regional, que vem do nosso rodoviário, que atende 2.700 cidades. Com a tecnologia avançada de hoje, o 319 tem a mesma capacidade de chegar a lugares como um [modelo] ATR chega. A Itapemirim vai disputar a ponta do mercado brasileiro e por isso optou em trazer a linha Airbus completa: 319, 320, 321 e 330, usaremos a linha Airbus. Esse 319, vamos começar a fazê-lo muito forte no regional. Com o diferencial que ele virá com a classificação da Anac de selo “A” em conforto e será o avião com maior conforto porque virá [configurado] com 124 lugares apenas.
Luiz Fara Monteiro – Por que as matrículas dos aviões da Itapemirim têm iniciais de nomes de diretores e colaboradores da companhia?
Sidnei Piva – As 20 primeiras aeronaves terão uma homenagem aos diretores e auxiliares que participaram da montagem da companhia. O 319 traz uma homenagem à luta da mulher, fizemos até um voo especial pelo Outubro Rosa com a [funcionária] Karine, que teve câncer de mama. O 319 homenageia a Silvana Piva, conselheira do grupo. Queremos fortalecer o trabalho da mulher dentro da companhia e [fortalecer] a luta pela igualdade.
Luiz Fara Monteiro – A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) fez uma queixa pública nesta semana: o querosene de aviação (QAV) registrou alta de 91,7% em relação a 2020. Isso afetou o crescimento da Itapemirim?
Adalberto Bogsan – Crescimento não, mas planejamento financeiro sim, porque você tem todo um orçamento feito em cima do preço de QAV que a gente estipulou há seis meses, contando com uma certa estabilidade desse custo. E [agora] a gente teve essa surpresa de 91% de aumento de QAV nos últimos meses. Isso impacta bastante, além do câmbio. Sessenta por cento do nosso custo está em dólar: peças, estoques, leasing de aeronaves, treinamento de pilotos. Quando essas duas curvas sobem muito, temos impacto significativo no custo da empresa. Parte disso a gente é obrigado a repassar ao usuário, o que a gente não gostaria. E outra parte a gente teria que reduzir nossos custos e absorver isso, nunca abrindo mão da segurança operacional. A gente tem que olhar onde? Prestação de serviços em aeroportos, de terceiros, fornecedores, é onde a gente vai buscar essas opções.
Luiz Fara Monteiro – Há diálogo político para sensibilizar a questão tributária?
Sidnei Piva – Estivemos nesta semana em Brasília junto com Eduardo Sanovicz, [o presidente] da Abear, fazendo visita à Casa Civil [da Presidência da República] e buscando [também] falar com parlamentares sobre essa questão. Não só a Itapemirim, mas as outras companhias também utilizando a associação como apoio, sensibilizando senadores e deputados para que essa questão do querosene de aviação seja tratada com carinho, porque a aviação é importante para o desenvolvimento do país, em questões de uma população e de riqueza de cidades. A Abear tem trabalhado muito forte com as companhias, discutimos imposto sobre os leasings de aeronave, porque isso impacta 15% o custo da aeronave, a sua renovação de frota, é um assunto que tem que ser debatido politicamente. Nós levamos riqueza para cidades e usuários, independentemente de qual seja a sigla partidária. Conseguindo esses benefícios, você reflete em custo e impacta a população em todos os sentidos.
Adalberto Bogsan – Temos um movimento forte da associação junto com as empresas aéreas em trabalhar o ICMS de cada estado onde a gente tem redução no ICMS do combustível. Já tivemos conquistas recentes com [alguns] estados, no próprio estado de São Paulo. Mas o que aconteceu? Quando a gente pensou que ia usufruir da redução do ICMS, veio o aumento do QAV e aí praticamente perdemos aquilo que seria uma redução de custo.
Luiz Fara Monteiro – A companhia fez seu primeiro voo no final de junho, são menos de cinco meses de operação. O que você destacaria no nascimento da ITA?
Sidnei Piva – Fomos os únicos a montar uma companhia durante a pandemia e [a começar a] voar na pandemia. Isso reflete a competência de nós, brasileiros, e de todos os profissionais de aviação brasileira. É algo a ser destacado. A Itapemirim é genuinamente brasileira. Quando todo mundo falava que era impossível você fazer, nós fomos lá e fizemos.
Luiz Fara Monteiro – A Itapemirim vai mesmo voar para Buenos Aires e Montevidéu?
Adalberto Bogsan – Nós vamos no final de novembro fazer fretamentos para Montevidéu. Hoje a empresa está homologada para fazer voos internacionais não regulares [fretamentos] para a América do Sul. E a ideia é a partir do ano que vem começar as rotas internacionais regulares, não apenas para Montevidéu, mas para Buenos Aires, e é claro que [isso] depende do aumento de frota.
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