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Luiz Fara Monteiro

Especialistas explicam o procedimento de remoção de avião acidentado  

Comandante Paulo Licati, técnico em Prevenção de Acidentes Aeronáuticos e Marcelo Miranda, profissional de Recovery de Aeronaves e Regulador de Sinistros Aeronáuticos falam dos equipamentos que podem mitigar riscos

Luiz Fara Monteiro|Do R7

Avião da Azul para fora da pista em Salvador
Avião da Azul para fora da pista em Salvador

No último dia 10 de maio um avião de passageiros da Azul ultrapassou o limite da pista 17 ao pousar no Aeroporto Internacional Deputado Luís Eduardo Magalhães, em Salvador. A aeronave só conseguiu parar na área de segurança. Ninguém ficou ferido. Os trabalhos de remoção do jato levaram oito dias. Nesse período, a pista classificada como auxiliar ficou impraticável por conta da presença da aeronave acidentada.

De janeiro a abril desse ano o aeroporto de Salvador foi o nono em movimentos de pousos e decolagens do Brasil, segundo dados estatísticos do Ministério de Portos e Aeroportos. Por ser a pista secundária, nem as compahias aéreas, nem os usuários sentiram um grande impacto na logística de operações do terminal.

Em outubro do ano passado, um acidente envolvendo um jato executivo neste domingo afetou a operação do Aeroporto de Congonhas, na zona sul de São Paulo. Mais de 300 voos foram cancelados, gerando um prejuízo milionário às companhias aéreas e com prejuízo sobre centenas de passageiros que embarcariam no local.

Ocorrências como essas levantam uma antiga discussão no setor de aviação no Brasil: nossa infraestrutura aeroportuária está preparada para agir com celeridade em casos como o de Salvador?


Recuperação de aeronave de área acidentada
Recuperação de aeronave de área acidentada

Em alguns casos o tempo de remoção de uma aeronave acidentada pode gerar grandes prejuízos para todo o sistema devido aos detalhes da operação. Cada caso é específico, e precisa ser analisado para montar uma estratégia apropriada às condições de parada. Em alguns casos, por exemplo, pode ocorrer a quebra de um trem de pouso, que é o conjunto de rodas do avião. Ou o derramamento de combustível, óleo, presença de detritos ou ainda condições geográficas do terreno desfavoraveis, como mangues, por exemplo.

"A operação de retirada de aeronaves acidentadas envolve a logística de equipamentos e equipes qualificadas, visto que não são todos os aeroportos que dispõem dos recursos técnicos necessários e específicos", explica o experiente comandante Paulo Licati, técnico credenciado em Prevenção de Acidentes Aeronáuticos pelo CENIPA, especialista em Logística e Supply Chain pela FGV e estudioso de casos de fadiga de tripulantes. E só pra lembrar, a fadiga humana pode ser um fator contribuinte importante para este tipo de evento.


A área de Segurança de Final de pista chamada tecnicamente como RESA, sigla em inglês para "Runway End Safety Area" é definida pela ICAO, a Organização Internacional de Aviação Civil - International Civil Aviation Organization - no Anexo 14, que determina que a RESA deve estender-se além do fim da faixa de pista de 60 metros a uma distância mínima de 90 metros, totalizando 150 metros, onde o número de código for 3 ou 4, normalmente utilizado para aeronaves de médio e grande porte.

Onde não for possível estar em conformidade com a recomendação, seja por espaço ou outras razões de desenvolvimento, soluções alternativas podem incluir a construção de uma "cama" com concreto leve, poroso e destrutível, para desaceleração da aeronave no fim da pista, chamado de Sistema de desaceleração com materiais projetados, ou Engineered Materials Arresting System (EMAS). Quem transita pelas proximidades do Aeroporto de Congonhas já viu uma estrutura metálica azulada construída na cabeceira da pista. Aquilo nada mais é do que o EMAS. Outras medidas mitigadoras também poderão ser usadas para casos de emergência.


Comandante Paulo Licati
Comandante Paulo Licati

No Brasil a ANAC, Agência Nacional de Aviação Civil, através do Regulamento Brasileiro de Aviação Civil (RBAC) 154 segue as recomendações da ICAO, como foi feito na pista principal do aeroporto de Congonhas (SP). 

No caso do aeroporto de Salvador a área de segurança de final de pista atende aos requisitos internacionais. Além da segurança superior que o EMAS oferece em relação à RESA regulamentar para parada de uma aeronave que venha ultrapassar os limites de uma pista, seja no pouso ou na decolagem (Interrupçao), a remoção ocorre de maneira muito mais simples e diligente.

Uma ocorrência bastante repercutida e resolvida com considerável celeridade ocorreu em 2016 no Estados Unidos, quando um avião fretado que transportava o companheiro de chapa de Donald Trump , Mike Pence, saiu da pista enquanto aterrissava no Aeroporto LaGuardia, no bairro de Queens, na cidade de Nova York, levando ao fechamento temporário de todo o aeroporto. Segundo a FAA, não houve feridos entre as 48 pessoas - 37 passageiros e 11 tripulantes - a bordo do Boeing 737, que chegava de Fort Dodge, Iowa.

"O tempo dos procedimentos de ação inicial da investigação e retirada da aeronave da pista levou oito horas e vinte minutos. Ou seja: um período de interrupção operacional no local aproximadamente 8 vezes menor do que o registrado na capital baiana", recorda o comandante Licati.

Vale lembrar que o Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, ainda não atende as recomendações internacionais com relação à RESA. O blog tem tratado do assunto constantemente, incluindo entrevistas com Ronei Glanzmann, antigo titular da Secretaria de Aviação Civil. Com a troca de governo, aguardamos uma posição do Ministro da Infraestrutura, comandando pelo ministro Márcio França, para saber sobre a continuidade do projeto. 

Marcelo Miranda, especialista em Recovery de Aeronaves e Regulador de Sinistros Aeronáuticos
Marcelo Miranda, especialista em Recovery de Aeronaves e Regulador de Sinistros Aeronáuticos

As equipes responsáveis pela retirada de aeronaves acidentadas são chamadas de Recovery Team. O blog conversou com Marcelo Miranda, especialista em Recovery de Aeronaves e Regulador de Sinistros Aeronáuticos.

Como funciona o primeiro passo para este trabalho, quando a equipe é acionada?

Marcelo: O primeiro passo é estabelecer um processo e fluxo da comunicação, com a equipe de Recovery Team, seja da própria empresa ou subcontratada. Essa comunicação ocorre logo após o acidente, e a equipe é acionada de imediato de forma estar preparada a qualquer missão, e esse processo de recuperação da aeronave é dividido em etapas, como: Initial Survey, Planejamento, Preparação e Recuperação.

Initial Survey – Essa é uma tarefa de reconhecimento do acidente, como a Análise de danos, mapeamento geral da aeronave e tudo ao seu redor, como, peso, centro de gravidade e determinação sobre o equipamento necessário para a missão.

Planejamento - O planejamento tem o tempo como fator crítico de sucesso na recuperação; e é crucial para um bom trabalho, muitas matrizes são calculadas, como, se o aeroporto ou uma pista estiver fechado, o tempo de Recovery toma conotação de prioridade, se o movimento da aeronave no trem de pouso for possível, se o peso da aeronave, combustível e carga e a localização CG, nivelamento, levantamento ou remoção serão necessários e se os sistemas da aeronave podem ser usados. É nesse momento que se determina a quantidade de pessoas do Recovery Team e equipamentos do Recovery Kit que serão transportados e utilizados.

Preparação – Todo Recovey de aeronave tem seus desafios e preparações, como controlar peso e CG para remoção ou transferência de combustível e carga útil, estabilizar a aeronave, montar o equipamento necessário para o método de nivelamento / elevação, remover componentes que estão danificados, ou para redução de peso, avaliar novamente e testar, se necessário estabilizar o solo

Recuperação – A recuperação tem como ordem prioridade a segurança do pessoal, o monitoramento e controle de carga ao nivelar a aeronave, levantar a aeronave – conforme necessidade, mover a aeronave para o local seguro desejado.

Quais são as maiores dificuldades que podem ser encontradas para remoção de uma aeronave?

Marcelo: O Resgate de uma aeronave é muito complexa e fatores interno e externo dificultam as atividades, como:

1. Características do avião e do acidente - As características do avião aumentam as dificuldades, quanto maior o peso, mais dificultoso é missão, devido as dimensões e pesos, outro ponto é localização, muitas vezes em áreas, desniveladas, pantanoso e molhado, ou no meio da mata, além a maioria das vezes fora da superfície pavimentada de uma pista, aeronave atolada em neve ou lama, por fim as previsões meteorológicas é fator extra as dificuldades, pois as mudanças meteorológicas podem prejudicar ou mesmo ajudar nas técnicas empregadas durante o processo de recolhimento.

Um dos piores cenários é quando todos trens de pouso estão colapsados, pois não há a certeza de que os trens de pouso da aeronave sejam capazes de mover-se por meios próprios após o levantamento da aeronave, e assim sucessivamente, um ou mais trens de pouso colapsado aumentara as dificuldades. Outro fator importantíssimo é volume de combustível e carga, isso influencia o grau de risco das atividades, algumas vezes não é possível remover a carga e nem o combustível, e pode se imaginar essas dificuldades, por exemplo, pode ser que a aeronave esteja com carga viva no porão, perecíveis ou radiológica.

2. Movimentação do Recovery Kit, até o local do acidente - Na américa do Sul, há apenas 2 provedores de Recovery Kit, um é a LATAM através da IATP, esse kit é exclusivo para empresas aéreas membras da IATP - International Airlines Technical Pool, porém, empresas não membras podem solicitar o apoio, sem a certeza da confirmação do empréstimo. O segundo Recovery Kit é do aeroporto de VCP, concessionária ABV, mas esse equipamento é de uso exclusivo do aeroporto. O fato de uma região continental ter apenas 2 Recovery Kit, afeta diretamente o modal desse transporte, dependendo do local do acidente, essa movimentação se faz apenas por aviões cargueiro ou fracionados em aeronaves de carreira, o kit pesa ao todo 25 toneladas, e para opera-lo é necessário um time treinado ao qual embarcam juntos a missão.

A preparação do envio do equipamento é tão importante quanto a sua operação, e deve ser efetuado pelo próprio time do Recovery Team, essa movimentação normalmente empregasse 5 horas, além do transporte até ao local, e muitas vezes o aeroporto afetado está fora de operação, e levar o equipamento e time até ao local é uma missão extra da equipe de BackOffice, sendo assim, tendo que ir para um aeroporto alternativo mais próximo, o que muitas vezes são quilômetros de distância.

Em resumo, por mais que seja um trabalho planejado, a movimentação do equipamento, Recovery Kit é uma grande dificuldade dependendo da localização devidos a quantidade disponível em toda américa do sul.

3. Trabalhos sob Pressão externas - Visto que casos como estes proporcionam prejuízos em diversas áreas ao aeroporto, prejudica as operações de pousos e decolagens, e afeta diretamente a receita da comunidade aeroportuária, isso faz com que diversos canais de informação pressionem a retirada rápida da aeronave.

Qual é o tempo médio de remoção de uma aeronave acidentada?

Marcelo: É muito difícil determinar a média de tempo da remoção de uma aeronave, já trabalhei em caso aonde fizemos a desinterdição de pista em 4 horas, como também teve um caso ao qual demoramos 4 dias, devido ser necessário a construção de um pavimento para transporte da aeronave, ou seja, pode superar horas ou dias, isso depende muito do planejamento estratégico do time.

Como você imagina que seria, e qual o tempo necessário para a remoção de uma aeronave que venha parar no Sistema de Parada de Aeronaves EMAS?

Marcelo: Esse sistema de remoção por excursão em área de EMAS pode representar uma melhor recuperação da aeronave e apresenta relativamente poucos danos e rápida desinterdição de pista.

O procedimento pode ser efetuado de 2 formas:

1. Puxar a aeronave através do sistema de cabo;

2. Levantar a aeronave através de Slings ou Colchões e ar.

Imaginando um cenário aonde o kit já estivesse no aeroporto do incidente, como Congonhas, possivelmente levaria algumas horas, entre 6 a 12 horas.

Em resumo o procedimento seria:

Puxar a aeronave através do sistema de cabo;

1. A necessidade da remoção do composto de concreto espumoso (EMAS).

2. Estabilização do solo, de forma que piso esteja pronto a receber as cargas de peso da aeronave ao seu retorno.

3. A montagem do equipamento de Recovery, e neste caso o o equipamento seria para procedimento de “aircraft debogging - Emergency Towing” (aeronave atolada).

4. Puxar a aeronave de ré através de eslingas e polia entre os trens de pouso principais, sempre equalizando as cargas em cada trem. É importante reduza a pressão dos pneus para obter uma maior área de superfície e, portanto, uma menor pegada de carga, como sugerido por alguns fabricantes de aeronaves;

Levantar a aeronave através de Sling ou Colchões e ar.

1. Estabilização da aeronave em solo e levantamento da aeronave, seja através dos colchões de ar ou através de slings.

2. Estabilização e nivelamento do solo, após isso, usar chapas metálicas ou o que chamamos de Trakmat como apoio de solo e distribuição do peso da aeronave.

3. Descer a aeronave sobre as chapas/ Trakmat.

4. Criar uma pista de chapas metálica/ Trakmat, do ponto que está a aeronave ao local mais seguro, taxi way.

5. Puxar a aeronave de ré através de eslingas e polia entre os trens de pouso principais, sempre equalizando as cargas em cada trem. É importante reduza a pressão dos pneus para obter uma maior área de superfície e, portanto, uma menor pegada de carga, como sugerido por alguns fabricantes de aeronaves.

Lembrando sempre que esses procedimentos devem ser consultados no manual do fabricante da aeronave, através do manual ARM, e será necessário mão de obra especializada e equipamentos de movimentação, como guindastes, empilhadeira e entre outros.

Atuação de técnicos para a recuperação de aeronaves acidentadas
Atuação de técnicos para a recuperação de aeronaves acidentadas

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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