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Luiz Fara Monteiro
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Fadiga humana na aviação ganha destaque no Senado

Embora o tema já tenha sido debatido exaustivamente no Congresso, quando foi promulgada a nova lei do aeronauta, pouco se avançou

Luiz Fara Monteiro|Do R7

Gerenciamento de Risco de Fadiga Humana é discutido em sessão do Senado
Gerenciamento de Risco de Fadiga Humana é discutido em sessão do Senado

Na última terça-feira (20), o Gerenciamento de Risco de Fadiga Humana voltou a ganhar destaque na Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado Federal com a audiência do Diretor-presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), Tiago Sousa Pereira. A sessão foi presidida pelo Senador Confúcio Moura (MDB-RO). Embora o tema já tenha sido debatido exaustivamente no Congresso, quando foi promulgada a nova lei do aeronauta, ítens importantes não foram considerados.

Segundo Tiago, o Regulamento Brasileiro de Aviação Civil – RBAC 117 - que trata sobre gerenciamento de risco de fadiga humana, vai entrar em revisão este ano. Este regulamento traz a prescrição dos limites máximos para as jornadas de trabalho e mínimos para descanso.

Dependendo do tipo de voo, as tripulações podem ser simples (normalmente utilizada para voos nacionais), tripulação composta ou de revezamento (utilizadas para voos internacionais).

Tiago informou que a ANAC foi questionada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que a legislação brasileira (regulamentação do aeronauta) é muito restrita e não é harmonizada internacionalmente. E que também é mais restrita que em muitos países Sul-Americanos, dando como exemplo a legislação da Argentina.

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“O piloto gosta de voar, o tripulante gosta de voar, fica muito tempo a disposição, mas ele voa pouco, ele voando pouco, ele ganha pouco porque ganha por hora de voo”, afirmou o diretor:

A ANAC precisa apresentar em prazo exíguo à análise de impacto regulatório (AIR), com o principal objetivo de harmonizar as regras dos principais países e cita como exemplo a LATAM, que precisa escalar pilotos chilenos para determinados voos internacionais partindo do Brasil, uma vez que a legislação do Chile é menos restrita em horas de voo para uma mesma tripulação.

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O que é o AIR?

A "AIR" é uma análise realizada previamente pela ANAC para edição ou alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários da aviação civil e abrange vários pontos, como por exemplo: identificação de problemas, atores afetados, base legal, objetivos, mapeamento da experiencia internacional, identificação e ideação para enfretamento do problema, análise de impactos positivos e negativos, a comparação das vantagens e desvantagens das opções consideradas, e, por ultimo mas não exaustivo, a proposição de estratégias de implementação da opção sugerida, incluindo formas de monitoramento e fiscalização da proposta, bem como a necessidade de alteração ou de revogação de ato normativo em vigor.

Ainda de acordo com o representante da ANAC, a fadiga seria um dos motivos de reclamação das empresas Low Cost, além de bagagem e custo da mão de obra. Segundo Tiago, as companhias querem remunerar os pilotos, mas, a legislação brasileira impede. Na visão dele, o Brasil precisa tratar este tema para o país ficar mais atrativo para novas empresas aéreas.

A sessão no Senado também contou com a participação do Senador Marcos Pontes, que é astronauta e piloto de aeronaves. Pontes ressaltou que o tema fadiga é importante e já vem sendo batalhado há muito tempo pelos pilotos.

O parlamentar concordou com o diretor da ANAC de que os pilotos no Brasil permanecem muito tempo em solo e pouco tempo voando durante suas programações. E citou ele próprio como exemplo ao alegar que prefere voar a permanecer em espera. O senador sugeriu que as escalas dos tripulantes passem a ser combinadas com as companhias para que os profissionais permaneçam menor tempo em solo, o que para ele, seria excelente para a Segurança de Voo. Marcos Pontes destacou que os efeitos da fadiga para um piloto em operação tem efeito semelhante ao do uso de álcool no cockpit. E se colocou à disposição para traduzir as necessidades do setor ao meio político.

O Comandante Paulo Licati, especialista no assunto, participa desde 2008 de várias discussões sobre o tema junto a representantes da Organização de Aviação Civil Internacional (OACI). As atuações junto a Organização trouxeram ao Comandante Licati o entendimento dos princípios, base das recomendações e práticas da OACI emitidas em setembro de 2011.

Fadiga humana tem correlação com níveis de álcool no organismo
Fadiga humana tem correlação com níveis de álcool no organismo

Licati esclarece que as recomendações e práticas balizam a atuação das autoridades do setor em todo o mundo e tratam de aspectos técnicos e operacionais da aviação civil internacional, como segurança, licença de pessoal, operação de aeronaves, aeródromos, serviços de tráfego aéreo, investigação de acidentes e meio ambiente.

Como Membro-fundador da OACI, o Brasil tem participado ativamente nas discussões e elaboração das normativas e recomendações técnicas emitidas pelo Organismo. Eleito sucessivamente como Membro do Grupo I do Conselho, o Brasil dispõe de uma Delegação Permanente junto ao Conselho da OACI, subordinada ao Ministério das Relações Exteriores e assessorada tecnicamente pela ANAC, pelo Comando da Aeronáutica e pelo Departamento de Polícia Federal.

Mesmo o Brasil sendo membro da OACI, o estado pode aderir ou não às recomendações e práticas emitidas. Porém, quando a lei determina, a adesão passa a ser uma obrigação e não mais uma opção. Este é o caso do artigo 19, parágrafo segundo da Lei do Aeronauta, promulgada em 2017. De maneira simplificada, o texto coloca como obrigação da ANAC estabelecer parâmetros para as jornadas de trabalho dos aeronautas e extensões quando necessário em voos específicos, de forma a atender as recomendações e práticas.

A OACI destaca que cada país deve ter a sua própria base cientifica robusta e utilizar sua experiência operacional, não deve fazer "copia e cola" de outras legislações, uma vez que nem tudo o que funciona em um país pode funcionar em outro.

Com referência a fala do Diretor da ANAC na reunião do Senado Federal, Licati fez alguns comentários sobre sua visão e experiência adquirida nestes últimos 15 anos.

O comandante concorda que a legislação sobre fadiga seja uma barreira para novas empresas que querem se estabelecer no Brasil pois a ANAC não seguiu à risca o que está escrito na Lei do Aeronauta - artigo 19, parágrafo segundo - de que a Agência Reguladora deve seguir as recomendações e padrões da Organização de Aviação Civil Internacional (OACI). Caso ocorresse, diz Licati, estaríamos harmonizados internacionalmente.

Comparar a aviação brasileira no geral com a Argentina, como fez o diretor da ANAC não é parâmetro. Voos longos podem ser feitos, mas a Agência precisa ter bases cientificas robustas e evidências sobre a segurança, como está previsto em lei. Considerar que o gerenciamento de risco de fadiga é uma destas barreiras para novas companhias não condiz com a experiência operacional. Como exemplo podemos citar a empresa aérea britânica EasyJet, que opera no modelo Low Cost. A Easyjet foi pioneira em 2005 ao adotar o Gerenciamento de Fadiga Humana para suas tripulações de forma voluntária, com estudos científicos em parceria com a Agência Reguladora do Reino Unido. Como resultado, a empresa conseguiu reduzir em aproximadamente 50% as falhas cometidos pelos pilotos, falhas estas mensuradas por meio do Programa de Análise e Acompanhamento de Voo (PAADV), que todas empresas aéreas são obrigadas a ter. Os dados para esta análise vêm da famosa caixa preta.

Outra empresa aérea que obteve sucesso em reduzir os níveis de fadiga de suas tripulações foi a irlandesa Ryanair, também low cost, concorrente da EasyJet.

Licati sugere que o Senador Marcos Pontes, com boa experiência sobre este tema, poderia ampliar as discussões com propriedade. "Viver no espaço a 400 km de altitude e dar uma volta na terra a cada 90 minutos; Ciclo claro e escuro a cada 45 minutos, bagunçando todo o relógio biológico". Licati lembra que a NASA tem uma equipe dedicada para estudar estes fatores e mitigar os riscos das missões. 

O Blog trouxe uma tabela simplificada, comparando o tempo acordado de um individuo com a concentração de álcool no sangue, complementando a referência do Senador Marcos Pontes.

Lembrando que o tempo acordado, débito de sono, hora do dia e concentração de álcool no sangue alteram a percepção do individuo e aumentam o tempo de reação dos seres humanos, incluindo, é claro, os tripulantes.

Dicas e informações sobre como os estados e operadores devem proceder para gerenciar a fadiga estão descritos no documento 9966 da OACI, que pode ser acessado por qualquer pessoa no site da organização. Na opinião do comandante Licati, esse é o documento que a ANAC deveria seguir fielmente para estabelecer a prescrição das jornadas de trabalho e descansos para as tripulações.

"Não existe bala de prata e não é certo copiar colar a legislação de outros países devido as diferenças culturais, infraestrutura e sentido dos voos (Norte, Sul, Leste e Oeste)", afirma Licati, ressaltando que a afirmação está descrita nos textos da própria OACI.

O Ministério Público do Trabalho (MPT-SP), emitiu no dia 28/04/2023 um relatório conclusivo endereçado a Procuradoria Geral do Trabalho sobre o tema, motivado pela notícia apresentada pela Associação Brasileira de Pilotos de Aviação Civil (ABRAPAC), buscando um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) da agência reguladora. Profissionais do setor aguardam os desdobramentos dessa iniciativa.

"A Segurança dos usuários e tripulantes é a prioridade número um do modal aéreo", reforça o comandante Licati.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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