'Meu filho queria saber qual daqueles sacos era o pai dele'
Sandra Assali perdeu o marido na queda do Fokker da TAM, que completa 25 anos neste domingo (31). Fundadora da Abrapavaa, ela fala sobre o apoio a familiares de vítimas da tragédia
Luiz Fara Monteiro|Do R7
Talvez não haja ninguém mais indicado para presidir uma entidade que orienta pessoas que perderam parentes em uma ocorrência aeronáutica do que Sandra Assali.
Advogada e mediadora de conflitos, Sandra perdeu o marido — o médico José Rahal Abu (45 anos) — na queda do Fokker-100 da TAM, em 31 de outubro de 1996. Ao todo, 99 pessoas morreram na tragédia do voo 402, que decolou às 8h26 do Aeroporto de Congonhas. O acidente completa 25 anos neste domingo (31)
A aeronave teve problemas no reversor de empuxo de um dos motores, que, acionado, fez o jato perder velocidade e sustentação logo após a decolagem de Congonhas rumo ao Rio de Janeiro. As 96 pessoas a bordo e outras três que estavam no solo morreram.
A dificuldade para obter informações e apoio da companhia aérea em um momento tão delicado e desesperador levou Sandra a fundar, meses depois, a Abrapavaa (Associação Brasileira de Parentes e Amigos de Vítimas de Acidentes Aéreos), que conta com a participação de outras pessoas que perderam familiares em acidentes, além de especialistas de vários setores que auxiliam na atuação em casos semelhantes.
Hoje, Sandra fala de um panorama bem diferente: “As companhias evoluíram em assistência aos familiares de vítimas de acidentes aéreos”.
Com dois livros publicados sobre o assunto — O Dia que Mudou Minha Vida e Acidente Aéreo – O que Todo Familiar de Vítima Pode e Deve Saber, este com depoimentos também de outros envolvidos no acidente e na investigação do voo 402 —, Sandra faz parte ainda da Comissão Especial de Direito Aeronáutico da OAB – Conselho Federal e é integrante da Associação Internacional de Direito de Seguros (Aida).
A Abrapavaa realiza em março um congresso sobre gerenciamento de crise e assistência aos familiares de vítimas de acidentes traumáticos. O evento, presencial e online, já está com as inscrições abertas.
Na entrevista ao Blog, Sandra Assali relembra os piores momentos que viveu após a queda do Fokker e critica coberturas desrespeitosas de acidentes aeronáuticos e opiniões apressadas de "especialistas ávidos por holofotes".
As companhias e autoridades aeronáuticas mudaram a relação com os familiares de vítimas de eventos traumáticos?
Desde o voo 402 da TAM, em outubro de 1996, sim. As companhias aéreas evoluíram na assistência aos familiares de vítimas de acidentes aéreos. Principalmente após a Norma Anac-IAC-200-1001, de 2005. Norma essa que as empresas aéreas de aviação civil, como Gol, Azul e Latam, ou seja, a aviação comercial, são obrigadas a cumprir caso vivenciem um acidente aéreo. Antes dessa data, a assistência aos familiares ficava por conta do operador. Já as empresas ou operadoras da aviação geral, privada etc. não são obrigadas a cumprir a IAC. Esse é um grande desafio, pois, afinal, elas respondem pela maioria dos acidentes aéreos atualmente. No Brasil acontece um acidente aéreo a cada dois dias. Há muito por fazer ainda.
Quais as principais falhas cometidas pela imprensa na cobertura de um acidente aeronáutico com vítimas?
Considero a imprensa essencial no pós-acidente aéreo. Hoje, com as redes sociais, as informações são importantes até para a orientação a familiares de vítimas que, eventualmente, estejam distantes do local do acidente. A imprensa presta um serviço importante. Infelizmente, porém, em alguns casos, a necessidade e o interesse em "furos" para obter um maior acesso às publicações ou até aumentar a venda de jornais e o ibope levam a imagens chocantes que demonstram falta de respeito aos familiares atingidos. E também com a divulgação de informações sem comprovação ou o convite a "especialistas de plantão ávidos por um holofote" para dar suas impressões ou possíveis fatores que levaram ao acidente por mera dedução. [Os palpites deduzidos] Trazem um enorme prejuízo quando desmentidos, mas aí já causaram um grave impacto aos familiares que porventura tenham presenciado tais declarações, muitas vezes imediatamente após o acidente.
Em relação ao Poder Judiciário, a senhora percebe algum avanço na legislação para reparar as famílias de vítimas?
Hoje o Brasil possui parâmetros definidos para os cálculos indenizatórios: idade da vítima, salário, dependentes, expectativa até a aposentadoria etc. Temos hoje uma jurisprudência na referência desses parâmetros e temos também o dano moral, ou seja, "a dor da perda". Os familiares têm direito ainda ao seguro Reta [Responsabilidade Civil do Explorador ou Transportador Aéreo], que é o seguro obrigatório, semelhante ao DPVAT. Esse seguro é pago após o acidente e, hoje, está por volta de 82 mil reais.
Vinte e cinco anos depois, pode-se dizer que foi feita justiça aos familiares das vítimas do voo 402?
Na época do acidente TAM 402, tudo foi muito impactante; mais ainda por ter sido um acidente na cidade, num bairro e rua residenciais em São Paulo. Infelizmente não existia preparo por parte da empresa aérea. Ficamos desassistidos, e foi bastante traumático para todos. Poderíamos ter sido poupados de algumas situações e sido acolhidos? Sim, poderíamos. Mas hoje, 25 anos depois, os familiares seguem com sua vida e temos certeza de que nossa experiência trouxe reflexões e ensinamentos importantes.
A Abrapavaa acompanhou o desenrolar dos acidentes do Gol 1907 e do TAM 3054? Como estão esses casos hoje?
A Abrapavaa esteve próxima e participante em todos os grandes acidentes aéreos. Estivemos próximos dos familiares e colaboramos para a fundação de suas associações. Permanecemos em contato. São casos finalizados hoje.
Como familiar de vítima de um acidente aeronáutico, quais foram os piores momentos após o acidente do voo 402?
Os piores momentos foram a notícia; a perda de meu marido, meu amor e pai de meus filhos; entender e aceitar que realmente aconteceu e o perdemos; as cenas chocantes do local do acidente, principalmente aqueles sacos pretos enfileirados e o sangue que escorria pela sarjeta; meu filho, então com 7 anos, querendo saber desesperadamente qual daqueles sacos era o pai dele; e a falta de assistência e insensibilidade por parte da empresa aérea.
Como a senhora define o trabalho da Abrapavaa e quais as maiores conquistas alcançadas pela associação?
Entendo como uma missão recebida. Temos feito um trabalho que hoje é referência em assistência, apoio e orientação a familiares de vítimas. Já trabalhamos, seguramente, em mais de 200 acidentes aéreos. Quando recebemos notícias de um familiar que nos conta que nossas orientações foram efetivas, isso nos dá uma sensação de bem-estar e de missão cumprida.
Como será para a senhora este 31 de outubro?
Não somente este dia 31. Todos os dias 31 de outubro estarão para sempre em nossos corações!
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