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Luiz Fara Monteiro

"Poderia ser melhor", diz especialista sobre pesquisa em relação a fadiga entre tripulantes

Com expertise em Segurança de Aviação e Aeronavegabilidade Continuada pelo ITA, Paulo Licati afirma que leis e regulamentos adequados são primordiais para a segurança operacional na aviação

Luiz Fara Monteiro|Do R7


Comandante Paulo Licati: "resultado sobre fadiga entre tripulantes poderia ser melhor"
Comandante Paulo Licati: "resultado sobre fadiga entre tripulantes poderia ser melhor"

O Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) divulgou em seu site no dia 24/02/2023 os resultados da última pesquisa de fadiga dos tripulantes de aeronaves, ou seja, pilotos e comissários, totalizando 4.359 respondentes. Os dados obtidos foram apresentados para a Federação Internacional das Associações de Pilotos de Linha Aérea (IFALPA), através do comitê de Desempenho Humano (Human Performance - HUPER). Segundo o sindicato, o comitê fez os seguintes apontamentos a respeito do relatório:

“Desafios relacionados ao tratamento do gerenciamento de fadiga no Brasil foram relatados e mostram preocupações do piloto Brasileiro. A pesquisa apresentada no documento enviado pelo sindicato mostra que o medo de retaliação e indisposição a relatar fadiga são fortemente presentes. Quando discutido o assunto em reunião do comitê, a região da Ásia e Pacífico demonstrou ter os mesmos desafios.”

Algumas questões que chamam a atenção quando se lê o relatório:

Quando você opera 2 madrugadas consecutivas e repousa na terceira madrugada, você se sente apto a iniciar a jornada seguinte antes das 8h da manhã?


Não 92,48%

Sim 6,58%


Não respondeu 0.85%

Por quanto tempo nas últimas quatro semanas você se sentiu cansado?


A maior parte do tempo 49.09%

Algumas vezes 31.29%

O tempo todo 16.49%

Poucas vezes 2.62%

Não respondeu 0.28%

Nunca 0.23%

Quando se trata de fadiga, você consegue se recuperar totalmente de jornada anterior durante uma folga de um único dia (monofolga)?

Não totalmente 98.21%

Sim 1.42%

Não respondeu 0.37%

Você já pegou no sono de forma involuntária (mesmo que pouco tempo) durante o período de trabalho?

Sim, alguns minutos 32.39%

Sim, poucos segundos 57.63%

Não 9.73%

Não respondeu 0.25%

A pesquisa também procurou investigar o tempo de deslocamento do tripulante para o aeroporto, meio de transporte utilizado, tempo necessário para despertar antes da programação, hábito de reportar fadiga para a empresa, licença médica por problema de fadiga, tempo de sono necessário para recuperação, entre outras questões.

O especialista em Segurança de Aviação e Aeronavegabilidade Continuada pelo ITA, Paulo Licati, lembra que o tema foi discutido amplamente na Câmara dos Deputados e no Senado Federal de 2011 até 2017, quando uma nova lei para o regime de trabalho dos aeronautas foi promulgada pela presidência da República.

"Colocar limites máximos e mínimos para o ser humano é trabalho sério, complexo e requer estudos constantes para aprimoramentos", afirma Licati, estudioso de casos de fadiga na aviação.

Desta maneira, o legislativo e o executivo estabeleceram no artigo 19, parágrafo segundo deste instrumento, que os limites seriam estabelecidos segundo as recomendações e padrões da Organização de Aviação Civil Internacional (OACI), garantindo as melhores práticas para a mitigação do risco da fadiga humana no transporte aéreo brasileiro, colocando regras para que a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) regulasse e fiscalizasse o tema.

Em 2020 a ANAC publicou o Regulamento Brasileiro de Aviação Civil – 117 (RBAC 117), com muitas inovações, buscando se igualar a países como a Austrália e os Estados Unidos.

Até aqui, a agência demonstrou bom empenho, porém, faltou se atentar a pontos importantes em que a OACI preconizou desde o início das discussões sobre fadiga humana na aviação, volta a lembrar o comandante Licati.

Por exemplo: os países signatários até podem utilizar uma estrutura de processos utilizadas por outras nações, mas, jamais copiar limitações ou deduzir números sem os devidos estudos. Os limites deveriam ter como base estudos científicos robustos, analisando o ambiente da malha, infraestrutura do espaço aéreo/aeroportos, direção dos voos, cruzamento de fusos horários, ciclo vigília sono, tempo de descanso adequado entre outros pontos.

Mesmo após tentativas de convencimento dos aeronautas junto à ANAC, para que se fizesse os estudos necessários, conforme preconiza a OACI, a agência lançou o regulamento (RBAC 117) sem analisar em campo o cenário em que os tripulantes da aviação comercial brasileira estão inseridos. O tema foi levado ao Ministério Publico do Trabalho (MPT) e está sendo investigado.

Licati resgata parte de um texto redigido por Carlos Barbosa, especialista em Direito Aeronáutico, ao afirmar que o assunto está tramitando desde janeiro de 2020 no Ministério Público do Trabalho de São Paulo, tendo o órgão inicialmente negado ter competência para investigar o tema fadiga dos tripulantes. Contudo, após reanálise da questão, o MPT decidiu instaurar Inquérito Civil para apuração da efetividade e legalidade/constitucionalidade do RBAC 117, norma da ANAC que possibilita às empresas aéreas alterarem os já pesados limites máximos de jornada e mínimos de repouso dos aeronautas. Embora passados mais de três anos, não foi adotada pelo MPT qualquer medida extrajudicial (como o firmamento de um Termo de Ajuste de Conduta - TAC com a ANAC) ou mesmo proposta eventual ação no Judiciário visando o questionamento da norma administrativa e os níveis de fadiga a que são submetidos os profissionais de aviação.

Ao analisar as pesquisas divulgadas pelo SNA, Paulo Licati finaliza:

“A OACI escreveu o que deve ser feito, estudos científicos deveriam ter sido realizados pelo órgão regulador para atender o que está descrito no artigo 19 parágrafo segundo da lei 13475/2017, leis e regulamentos adequados são primordiais para a Segurança Operacional. Se estes detalhes tivessem sido atendidos, com certeza os resultados desta pesquisa seriam melhores.”

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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