'Seria burrice priorizar o Santos Dumont', diz secretário de Aviação Civil
Em entrevista exclusiva, Ronei Glanzmann avalia concessão conjunta do Santos Dumont com Galeão, defende investimentos para o monotrilho em Guarulhos e celebra a primeira ponte aérea do mundo com embarque biométrico
Luiz Fara Monteiro|Do R7
O secretário Nacional de Aviação Civil, Ronei Glanzmann, não esconde o brilho nos olhos ao falar do acordo de cooperação técnica firmado na última semana entre a Infraero e o Serpro, empresa de tecnologia do governo federal que vai pôr em prática o embarque facial biométrico, projeto do programa Embarque + Seguro, coordenado pelo Ministério de Infraestrutura (Minfra). O funcionamento está previsto para julho próximo, durante a alta temporada, nos aeroportos de Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ).
“Será a primeira ponte aérea com embarque biométrico do mundo”, comemora na entrevista exclusiva concedida ao Blog.
Na conversa, Ronei Glanzmann avalia como um grande avanço a decisão do Tribunal de Contas da União de autorizar as obras para a construção de um monotrilho para ligar a estação da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) ao aeroporto de Guarulhos.
E se diz confiante na decisão que colocou os aeroportos de Santos Dumont e Galeão no mesmo pacote de um leilão marcado para o segundo semestre de 2023, fora, portanto, da sétima rodada de licitação de aeroportos, que ocorre ainda neste ano. A junção foi possível depois que a empresa Changi, de Cingapura, desistiu da concessão do terminal internacional do Rio. Glanzmann discorda sobre uma eventual priorização do Santos Dumont por parte de seus futuros administradores:
“Seria burrice priorizar o Santos Dumont.”
Leia a entrevista concedida pelo secretário Nacional de Aviação Civil:
Luiz Fara Monteiro: Qual a expectativa para o início do reconhecimento facial biométrico na ponte aérea entre Congonhas e Santos Dumont?
Ronei Glanzmann: A expectativa é para o mês de julho, férias. É a primeira ponte aérea do mundo. O Brasil está despontando como um pioneiro mundial com a biometria. A gente vai sair de um mau exemplo em termos de qualidade do seu documento de identificação. Há muita reclamação no mundo inteiro pela fragilidade do nosso documento de identificação. Nossa cédula de identidade é péssima em termos de segurança. São 27 estados que emitem cédulas em papel. Não existe uma base centralizada, não tem QR Code, não tem o MRZ (Machine-Readable Zone) Código Padronizado Internacional, é um papel muito frágil. Discutimos com a Icao (Organização Internacional de Aviação Civil) e temos bases biométricas muito boas como Denatran, TSE. Vamos construir uma base da aviação civil.
Luiz Fara Monteiro: Onde foram realizados esses testes?
Ronei Glazmann: Fizemos testes em sete aeroportos: Florianópolis, Salvador, Confins, Santos Dumont, Congonhas, Brasília e Ribeirão Preto; 6.257 passageiros se cadastraram no sistema até fevereiro de 2022; 328 voos foram realizados nos sete aeroportos; 295 tripulantes realizaram o processo até o momento pelas empresas aéreas. 472 passageiros testaram o sistema em Congonhas e Santos Dumont. 48 voos foram realizados em Congonhas e Santos Dumont. A gente vai sair de uma extremidade de mau exemplo para referência mundial. Demos um salto quântico porque não vamos mais nos preocupar com documento, já vai ser capturado por reconhecimento facial e já vou identificar o passageiro por biometria. Então a gente sai lá da rabeira, da lanterninha e vamos pra dianteira mundial e dizer para o mundo que carteira de identidade é ultrapassado e agora é biometria.
Luiz Fara Monteiro: E o sistema funciona de fato?
Ronei Glanzmann: Eu mesmo testei, é muito rápido. Você olha para uma tela como se fosse um iPad e ele já reconhece, já vai na base e dá a resposta em frações de segundos. Tem que ser instantâneo do tipo “olhou e abriu”. Além disso abre uma infinidade de possibilidades comerciais. Por exemplo: o cara é cliente diamante ou black de uma companhia. De repente a companhia já dá de cara para esse cliente uma cortesia de acesso à biometria. A Sala Vip pode aderir ao sistema, você chega aqui, olha na telinha e eu já sei que você é categorial tal da companhia tal e de repente pode te dar acesso. Logicamente que nesses casos o passageiro precisa aderir mas não é obrigado, mas ele tem essa opção. Isso melhora a parte de segurança, fluxo nos aeroportos e junta componentes comerciais. Pode ser que futuramente a operadora de cartão de crédito te diga “olha, você como cliente, lembre que existe uma sala vip aqui do lado que é cortesia”. É a fórmula perfeita para dar certo.
Luiz Fara Monteiro: Há outros terminais interessados? A implantação na ponte aérea começa mesmo no meio do ano?
Ronei Glanzmann: A Infraero já lançou o processo licitatório para compra de equipamentos para os dois aeroportos (Congonhas e Santos Dumont). O aeroporto de Guarulhos já manifestou interesse ao Serpro em entender o processo de adoção da solução. Há negociações abertas entre o Serpro e os aeroportos de Confins, Brasília, Salvador e Florianópolis. Basicamente o Serpro é o software e a Infraero é o hardware.
Luiz Fara Monteiro: Qual o custo de implantação do sistema?
Ronei Glanzmann: A licitação está na rua. É na casa de R$ 7 milhões mas acho que vai fechar por menos. A gente fez um levantamento entre R$ 5 e R$ 7 milhões de reais. R$ 7 milhões é o preço máximo, depende das negociações em cada situação e a gente acha que com concorrência isso aí vai cair. O negócio é basicamente computador e tablet. Alguns fornecedores de equipamento e tecnologia falaram até em fazer de graça. É uma vitrine tão grande você colocar no aeroporto uma tela com aquilo funcionando que depois ele não vai vender só no Brasil, mas no mundo inteiro. Eu acho que a licitação vai sair bem abaixo [dos R$ 7 milhões de reais]. Imagina colocar biometria em todos os portões de Congonhas e Santos Dumont com zero custo para o passageiro e empresas, vai ser um negócio de massa. Em outros aeroportos vai ser um business entre aeroportos e companhias aéreas. Certamente vai haver patrocínio.
Luiz Fara Monteiro: É o projeto mais importante da secretaria?
Ronei Glanzmann: É um dos mais importantes. Esse projeto está dentro de um portfólio maior de digitalização dos serviços públicos coordenado pelo Ministério da Economia, por meio da Secretaria de Governo Digital. Aqui no Minfra temos além do embarque digital a CNH digital, transferência de veículos do Detran por aplicativo, a Anac tem a Carteira de Habilitação Digital (CHT).
Luiz Fara Monteiro: O ministro Vital do Rêgo, do Tribunal de Contas da União, autorizou o início dos trabalhos para, finalmente, integrar o transporte de trilhos ao aeroporto de Guarulhos.
Ronei Glanzmann: É uma obra de 280 milhões. Guarulhos merece esse sistema. É importante explicar por que o trem não chega no terminal. Esse trem podia chegar um pouco mais pra frente mas não chegaria ao terminal 2. Porque o trem da CPTM não tem o raio de curva para o trajeto, cujo ângulo é elevado. O que resolve são os “people movers”. Mas temos que pensar que Guarulhos concorre em um mercado muito competitivo com Buenos Aires, Santiago, Bogotá, Panamá, Lima. Existe uma disputa para atração de voos para o país. Quando se coloca um “people mover” em Guarulhos toma outra dimensão em termos de mobilidade, isso dá confiança e assertividade para o passageiro e para o tripulante. 280 milhões é pouquíssimo para Guarulhos, que paga de outorga 1,5 bi por ano. Vai prestar um belo serviço pro passageiro e pro funcionário do aeroporto e vai despontar nessa disputa com outros aeroportos da América do Sul. Não é um absurdo gastar isso, é uma estratégia. É importante contextualizar porque tem muito palpiteiro falando.
Luiz Fara Monteiro: A decisão de retirar o aeroporto de Santos Dumont da sétima rodada de concessão e colocá-lo junto ao Galeão no mesmo pacote para 2023 não causa prejuízo ao Rio de Janeiro?
Ronei Glanzmann: As vantagens nos parecem muito maiores do que as desvantagens. A desvantagem basicamente é a questão concorrencial porque a gente perde uma terminal competitiva ali com dois aeroportos disputando tráfego. Por outro lado a gente ganha um alinhamento de incentivo. Paris é assim, Nova Iorque, Washington. Qual a tendência racional de um administrador aeroportuário de dois terminais? Ele vai maximizar o resultado da sua concessionária, ele vai tentar fazer uma combinação de operações que gere um maior resultado financeiro.
Luiz Fara Monteiro: Alguns temem que se priorize o Santos Dumont em detrimento do Galeão. Isso pode acontecer?
Ronei Glanzmann: O que dá dinheiro em um aeroporto? É tráfego internacional de passageiros e cargas. O tráfego doméstico dá menos dinheiro. E conexão só dá trabalho. Se ele jogar tudo pro Santos Dumont ele vai perder tráfego internacional e vai perder carga no Galeão, isso seria uma burrice, é irracional fazer isso. No Santos Dumont ele não consegue operação internacional. Ele vai ter que equilibrar nas suas tratativas comerciais com as empresas aéreas, que são parceiras, um tráfego de conveniência com aquele público que tá disposto a pagar mais pelo conforto e conveniência nos voos domésticos. Esse cara vai pagar mais porque a tarifa vai subir? Não, vai pagar mais porque tem uma operação comercial envolvida, sala vip, restaurante de luxo, vai ser um público típico de executivo com um ticket mais alto para o Santos Dumont. Mas ele não vai abrir mão do Galeão, ele vai precisar de voos domésticos pra alimentar a malha internacional dele, pra dar viabilidade na carga, etc.
Luiz Fara Monteiro: Haverá um monopólio na administração aeroportuária do Rio?
Ronei Glanzmann: Quando a gente põe o mesmo operador fazendo isso, por racionalidade econômica ele vai se organizar com as companhias aéreas que são parceiros comerciais e vai dizer: quer botar um voo a mais no Santos Dumont? Pode botar, mas coloca um voo a mais no Galeão porque eu preciso da conectividade. Vamos trazer uma companhia estrangeira, vamos fazer um mini-hub no Galeão? Ele vai ter um incentivo, ele estará alinhado com governo do estado e prefeitura. Por outro lado a agência reguladora, o poder concedente vai ter que ter um cuidado especial porque esse operador vai ser um monopolista na segunda terminal aérea mais importante do país. Mas para isso existe um remédio regulador. Em São Paulo vamos ter três operadores. Um operador em Congonhas, um operador em Guarulhos e outro em Viracopos. E nesse caso de concorrência o pau come mesmo. O que ficou ruim para o Rio é que a gente vai postergar investimento, mas no final das contas foi uma solução boa.
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