Os pilares da revolução dos bioinsumos na agricultura nacional
Crescimento acelerado, tecnologia nacional e sustentabilidade moldam o futuro do campo

O avanço dos bioinsumos no Brasil deixou de ser tendência para se tornar um movimento estruturante da agricultura nacional. Em um momento de pressão por sustentabilidade, aumento da resistência de pragas e volatilidade nos preços de fertilizantes, o país desponta como um dos maiores polos de inovação microbiológica do mundo.
À frente dessa transformação está a Associação Brasileira de Indústrias de Bioinsumos (Abinbio), que representa um setor em rápida expansão e crescente relevância econômica.
Em entrevista exclusiva, o presidente da entidade, Marcelo de Godoy Oliveira, explicou os motores dessa evolução, os desafios regulatórios e por que acredita que o Brasil poderá liderar o mercado global de tecnologias biológicas até 2035.

Mundo Agro: O mercado brasileiro de bioinsumos se mantêm resiliente, mesmo com a desaceleração global do setor de insumos. Qual é o verdadeiro ponto de inflexão? Avanços científicos, volatilidade dos fertilizantes, pressões climáticas ou mudanças estruturais na agroeconomia brasileira?
Marcelo de Godoy Oliveira: O crescimento do uso de bioinsumos no Brasil está associado a quatro fatores fundamentais. O primeiro fator diz respeito ao aumento significativo da incidência de pragas e doenças nos sistemas agrícolas. Por ser um país de clima tropical, o Brasil desenvolve uma agricultura de alta intensidade, caracterizada pelas chamadas “pontes verdes”, que oferecem alimento constante para a proliferação acelerada de pragas.
Como consequência, há um aumento no número de aplicações de defensivos agrícolas nas lavouras. Esse cenário conduz ao segundo fator: o desenvolvimento de resistência das pragas e doenças aos defensivos químicos, decorrente da exposição contínua e repetida a esses produtos.
Diante disso, o produtor rural passa a buscar ferramentas de manejo complementares, como os biodefensivos, para obter maior eficácia no controle dos agentes fitopatogênicos.
O terceiro fator está relacionado à elevada dependência do país da importação de fertilizantes, somada aos altos preços praticados para esses insumos. Essa conjuntura incentiva os produtores a buscarem alternativas que aumentem o aproveitamento dos nutrientes já presentes no solo ou potencializar a eficiência dos fertilizantes aplicados, permitindo, em alguns casos, a redução das doses.
Um exemplo é o uso de solubilizadores de fósforo para diminuir a necessidade de adubação fosfatada. Por fim, o quarto e, na minha opinião, mais importante fator refere-se ao avanço da pesquisa científica e do desenvolvimento de tecnologias microbiológicas, bem como à modernização das unidades fabris dedicadas ao setor.
As indústrias brasileiras têm se destacado pela alta capacidade produtiva, elevado nível tecnológico e profissionais experientes na fabricação tanto de defensivos quanto de outros insumos microbiológicos. A combinação desses fatores faz com que o Brasil se destaque mundialmente em adesão, desenvolvimento tecnológico e investimento empresarial no segmento de bioinsumos.
Mundo Agro: Com mais de 400 fabricantes e milhares de biofábricas nas propriedades rurais, como a Abinbio está trabalhando com o Ministério da Agricultura para garantir padrões de qualidade exequíveis e evitar um “faroeste” fragmentado de produtos inconsistentes?
Marcelo de Godoy Oliveira: Nosso trabalho junto ao Governo Federal tem como objetivo conscientizar sobre a importância de manter regras rigorosas para a produção de bioinsumos, evitando a entrada ou fabricação de produtos de baixa qualidade no país.
O Brasil é referência mundial no segmento microbiológico aplicado ao agronegócio, e, por isso, necessita de uma legislação que resguarde a qualidade dos produtos e estimule continuamente o desenvolvimento tecnológico, garantindo ferramentas eficazes e seguras para que nosso principal parceiro o produtor rural alcance cada vez mais sucesso em sua atividade.
Além disso, há um fator determinante para a competitividade das empresas no mercado: as pessoas. O produtor sempre priorizará tecnologias que entreguem resultados comprovados e que agreguem inteligência à sua operação.
Dessa forma, as empresas que não investirem em profissionais de alta performance dificilmente conseguirão se manter competitivas no longo prazo e esse investimento, embora essencial, exige recursos.
Por fim, temos reforçado ao governo federal que a indústria nacional de bioinsumos é um verdadeiro diamante em lapidação, tornando-se uma importante fonte de renda para inúmeras famílias brasileiras. O setor vem gerando um número expressivo de empregos, contribuindo diretamente para o desenvolvimento social do país.
Mundo Agro: A biodiversidade brasileira proporciona uma forte vantagem em micróbios fixadores de nitrogênio, solubilizadores de fosfato e supressores de pragas. Quais plataformas de P&D, modelos público-privados ou estruturas de propriedade intelectual podem converter isso em verdadeira vantagem competitiva global?
Marcelo de Godoy Oliveira: Sim, nossa biodiversidade nos favorece de maneira extraordinária. O Brasil possui diferentes biomas que funcionam como verdadeiras coleções a céu aberto, proporcionando inúmeras descobertas de ativos microbiológicos que se destacam em performance quando passam por nossos avançados bioprocessos, formulações, padrões de qualidade e elevada capacidade industrial.
Além disso, contamos com instituições públicas altamente qualificadas que apoiam a identificação e o estudo desses novos ativos como a Embrapa, reconhecida globalmente como referência no segmento de bioinsumos.
No que diz respeito à proteção da propriedade intelectual, estamos trabalhando em conjunto com o governo e avançando no uso de técnicas de edição gênica e engenharia genética. Quando associadas às funções dos microrganismos e às nossas formulações, essas tecnologias tornam os produtos passíveis de patenteamento, criando um nível importante de proteção.
No entanto, a biopirataria ainda é uma realidade e continuará sendo combatida tanto pela indústria quanto pelos órgãos regulatórios brasileiros.
Mundo Agro: Os produtores relatam resultados variáveis no campo. Como é a equação econômica real—estabilidade de produtividade, substituição de insumos e retorno sobre investimento—quando os biológicos complementam ou substituem sintéticos em larga escala?
Marcelo de Godoy Oliveira: Em relação aos resultados, posso falar apenas das empresas das quais sou proprietário. Contamos com um sistema rigoroso de monitoramento de desempenho, controle de qualidade avançado, posicionamento técnico bem definido e um acompanhamento diferenciado realizado por nossos especialistas de campo.
Como consequência, mais de 90% das aplicações de nossas tecnologias apresentam resultados positivos. Esse nível de eficiência se reflete em um alto índice de recompra, já que, ao final, conseguimos gerar excelente retorno sobre o investimento para o produtor.
Quanto à substituição ou ao uso combinado de produtos químicos e biológicos, isso depende muito do segmento. Um exemplo claro é o uso de nematicidas biológicos, que vem crescendo há vários anos e, em muitos casos, já substitui o uso de defensivos convencionais.
Acredito que, em um futuro próximo, os bioinsumos substituirão os químicos em outros segmentos também. No entanto, é importante entender que nosso principal objetivo é apoiar o produtor rural em sua missão de produzir mais alimentos para o mundo. E, para isso, a combinação de ferramentas químicas e biológicas quando bem posicionadas e integradas faz toda a diferença.
Mundo Agro: Empresas estrangeiras estão validando produtos sob as condições de estresse tropical do Brasil. O Brasil pode se tornar um exportador global de tecnologias biológicas? Quais capacidades solidez regulatória, manufatura, ciência consorciada—precisam melhorar?
Marcelo de Godoy Oliveira: Estamos exportando, a cada ano, um volume maior de tecnologias microbiológicas para diversos mercados internacionais. Acredito que, em breve, o Brasil irá liderar globalmente esse segmento, pois grandes empresas estrangeiras têm buscado firmar parcerias estratégicas conosco.
Esse movimento só é possível graças à elevada qualidade de nossos produtos, à grande capacidade industrial instalada no país, aos investimentos consistentes em registros internacionais e ao desenvolvimento de uma forte expertise regulatória por parte de nossas equipes, que atuam em estreita colaboração com órgãos reguladores de outros países.
Não tenho dúvidas de que o mercado global de bioinsumos será amplamente liderado por grandes players brasileiros nos próximos anos.
Mundo Agro: As aprovações regulatórias rápidas do Brasil aceleram a inovação, mas levantam preocupações de biossegurança. As vias aceleradas arriscam pontos cegos, especialmente para consórcios microbianos e estimuladores metabólicos de nova geração?
Marcelo de Godoy Oliveira: A rápida aprovação de biodefensivos no Brasil só é possível em função do excelente trabalho desenvolvido pelos nossos órgão regulatórios (MAPA, Anvisa e IBAMA). Nossa legislação é rígida e exige além dos testes de eficácia vários testes toxicológicos e ecotoxicológicos, gerando assim baixo risco ambiental quando da aprovação do produto por esses órgãos.
Mundo Agro: Com normas de LMR mais rígidas e prêmios vinculados ao carbono emergindo, os biológicos se tornarão centrais para a estratégia de ESG e descarbonização do Brasil? Quais ferramentas políticas poderiam acelerar essa transição?
Marcelo de Godoy Oliveira: Sem dúvida, os bioinsumos desempenham um papel crítico nos mecanismos de descarbonização, uma vez que atuam diretamente na redução das emissões de GEE associadas ao uso de insumos de alta intensidade energética e ao aumento da eficiência biogeoquímica dos sistemas produtivos.
Microrganismos promotores de crescimento, solubilizadores, fixadores biológicos de nitrogênio e agentes de biocontrole contribuem para a diminuição das emissões de CO₂, N₂O e CH₄, além de favorecerem processos de sequestro de carbono no solo por meio do incremento da biomassa microbiana, aumento da estabilidade de agregados, formação de substâncias húmicas e melhoria da dinâmica de ciclagem de nutrientes.
Para que esses impactos sejam plenamente integrados às políticas de descarbonização, é essencial o fortalecimento do arcabouço regulatório e metodológico. Entre as necessidades prioritárias estão:
1. Aperfeiçoamento dos protocolos de MRV (Mensuração, Relato e Verificação) Inclusão de metodologias específicas para quantificar reduções e remoções de GEE resultantes da aplicação de bioinsumos, com parâmetros padronizados conforme GHG Protocol, ISO 14064, ISO 14067 e metodologias de ACV (Avaliação do Ciclo de Vida).
2. Harmonização das regras de certificação Criação de fluxos regulatórios que viabilizem o reconhecimento oficial desses ganhos em instrumentos como mercados voluntários de carbono e programas regulados (ex.: metodologias análogas ao RenovaBio, REDD+ e frameworks de Carbon Farming).
3. Integração com órgãos governamentais e instituições técnicas Estabelecimento de diretrizes para monetização dos créditos, incluindo definições de linha de base, adicionais, fatores de emissão, permanência e riscos de reversão, permitindo segurança jurídica ao setor industrial e aos produtores.
4. Reconhecimento oficial das rotas biotecnológicas Formalização de rotas de redução de emissões via solubilização de nutrientes, fixação biológica, biocontrole de pragas energointensivas e processos de bioestimulação radicular, garantindo elegibilidade em mercados de carbono.
A consolidação desses elementos permitirá que o uso de bioinsumos seja incorporado de maneira robusta às políticas de mitigação, aumentando a competitividade da indústria nacional e posicionando o Brasil como líder científico, regulatório e comercial no mercado global de carbono associado à biotecnologia agrícola.
Mundo Agro: Até 2035, o que separará os líderes dos retardatários na indústria brasileira de bioinsumos—propriedade intelectual de cepas, agronomia digital, formulações consorciadas, redes de extensão rural ou algo mais?
Marcelo de Godoy Oliveira: Não há dúvida de que, nos próximos anos, a indústria nacional passará por um processo intenso de diferenciação, no qual apenas as empresas mais estruturadas conseguirão se manter competitivas.
Esse movimento será impulsionado pelo lançamento de tecnologias verdadeiramente disruptivas, pela elevada capacidade produtiva de nossas indústrias e pela qualificação do atendimento técnico oferecido ao produtor.
Cada vez mais, o produtor rural exigirá profissionais altamente capacitados agrônomos bem remunerados e atualizados que levem não apenas produtos, mas conhecimento científico aplicado a todas as áreas do seu negócio.
Esses fatores serão determinantes para separar o joio do trigo, resultando em um mercado competitivo, porém de maior qualidade e com menos competidores. Embora muitos desejem ingressar no setor de bioinsumos, poucos têm capacidade de investimento, robustez operacional e preparo técnico para se manter e crescer, especialmente diante dos desafios enfrentados nos últimos anos. Em outras palavras, até 2035, apenas os players verdadeiramente fortes e tecnicamente preparados sobreviverão.
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