Brasileira relata rotina no sul de Israel: 'É desesperador'
Região é alvo constante de mísseis, que fazem população permanecer em alerta ou tendo alguns segundos para se abrigar após algum lançamento
Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky, do R7
A qualquer momento, a rotina de cidades como Sderot e Ashkelon, no sul de Isarel, é interrompida pelo som da sirene que alerta para a iminência da queda de um míssil vindo da Faixa de Gaza.
É difícil viver desta maneira. Quem diz isso é uma brasileira, Marly-Michal Barg Wertman, 65, que há 44 anos mora em Ashkelon e, de uns anos para cá, tem se acostumado a parar tudo o que está fazendo para, em alguns segundos, correr e se abrigar em um lugar seguro.
"Não dá para se acostumar, mas é uma situação que já faz parte de nossa rotina. De tempos em tempos, se torna tão frequente, que, quando acontece, você já sabe o que fazer. Mas é difícil. Às vezes as pessoas têm 15 segundos para sair e encontrar um abrigo, senão podem ser atingidas."
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O início dos ataques com mísseis ou foguetes ocorreu em 2002. Em alguns dias, mais de 10 mísseis chegam a ser lançados.
Para Marly sair de casa, ela leva em conta a possibilidade de um míssil lançado por membros do grupo Hamas cair em alguma região movimentada.
"Tentamos pensar nos caminhos mais seguros. Nem sempre é o melhor. Um dia, quando eu trabalhava em um hospital, que inclusive atendia muitos palestinos feridos, com a mesma atenção dada aos israelenses, eu estava dando carona para uma colega quando, de repente soou a sirene. Parei o carro e saímos correndo, pulamos uma cerca com plantas, que parecia impossível. Até hoje não sei como fiz isso. É realmente desesperador."
Falta de abrigos em Gaza
Há muitos abrigos espalhados pela cidade de Ashkelon. Mas do outro lado da fronteira, na Faixa de Gaza, há muito menos bunkers. Isso, inclusive em função da falta de infraestrutura.
Marly admite que vive em conflito em relação à situação dos palestinos. Se vê ameaçada pessoalmente, fica indignada com as ações vindas de Gaza, mas também acredita que, do outro lado, as necessidades são bem maiores, em termos de segurança e de qualidade de vida. Os números mostram isso, com uma quantidade muito maior de mortos do lado palestino, diante de uma ampla superioridade bélica israelense.
"Moro em uma cidade que tem uma hidrelétrica e toda a eletricidade da Faixa de Gaza vêm daqui. A água também. Penso: damos a energia para lá e de lá vêm mísseis que podem atingir a mim e meus familiares. Não está certo. Mas, por outro lado, a situação de lá é precária, as pessoas até passam fome."
Isso a apenas 10 quilômetros de distância.
Crianças treinadas
Marly se radicou na região sul de Isreal após fazer um programa de jovens nos anos 70. Veio com os pais, mas fez sua própria família em Israel.
Hoje, atua como professora em uma escola infantil e diz que, na cartilha escolar, já está incluído todo o roteiro do que deve ser feito no momento de um ataque com mísseis.
"Nós somos treinados para isso, as crianças são treinadas na escola. Dou aula em uma escola e a primeira orientação que recebo é sobre o que fazer. As crianças sabem, até mais do que eu, para onde ir. Muitos dizem: vá atrás delas. Minha neta tem seis anos, está na primeira série, sabe o que tem de ser feito. Por isso a gente se protege."
Ela sabe que esta não é a realidade do outro lado da fronteira.
"Uma vez, uma amiga que mora em um kibutz perto me disse algo que me fez refletir: 'quando toca a sirene e pego meus filhos e corro para o abrigo, penso naquela mãe que está na Faixa de Gaza e que teria de fazer a mesma coisa quando os aviões de Israel atacarem, mesmo que evitem civis, mas ela não tem um abrigo de segurança.'"
Mesmo que a rotina seja complicada e tão marcada pelo conflito Israel-Palestina, Marly acredita que é preciso seguir em frente. "Um país não pode parar por causa deste tipo de ameaça. O caminho é encontrar uma solução que não fique apenas na retaliação mútua."
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