É dia de peneira na periferia de São Paulo
As crianças surgem aos poucos, com chuteiras nas mãos, sacolinhas, garrafas térmicas e um sonho no olhar
Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky, do R7
O sol nasce na periferia paulistana. Para lá do Butantã. O céu azul e os raios dourados vão colorindo o cenário. Um velho campinho de terra, gramado só nos lados.
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Cercado de morros cheios de árvores, que começam onde as casas térreas vão terminando, junto com o final da ruazinha asfaltada. É céu, árvore, terra e telhado.
Carros simples começam a chegar, devagar. Um estaciona no morro, outro logo atrás, até, quase às 9h, a rua ficar fechada.
As crianças surgem aos poucos, com chuteiras nas mãos, sacolinhas, garrafas térmicas e um sonho no olhar.
Mas a maioria vai chegando a pé, vinda de ônibus, de outras periferias. Descem na pracinha lá embaixo, mãos dadas com os pais, com os avós e amigos. Sobem a rua como em procissão. Tensos, não olham para o lado.
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Então se deparam com o campinho. Por trás do alambrado, ainda com uns vira-latas andando de lá para cá, ao lado dos grupos que vão se formando.
Em minutos, os menores começam a correr pelo terrão, atrás da bola.
O supervisor apita. Outro observa. Ao longe, a funcionária separa a criançada que está sentada no canto do campo. Traz uma prancheta na mão para organizar os nomes.
Em cena, o pequeno lateral mostra segurança. Toca rápido, com consciência, postura, como sempre faz nos joguinhos lá na rua.
Outro tenta desarmá-lo, olhos atentos, brilhantes. Topetinho no cabelo. Corre com fome, pedala com um jeitinho especial.
Outro mete um elástico. Se movimenta em passos firmes, convictos. Outro, mais tímido, toca de lado nela. Lá no meio, um faz cara de choro. Quase não lhe passam.
Os pais largam as mãos dos filhos e os deixam entrar, em busca de um destino. E ficam sentados, ao redor do campinho, acompanhando aquele movimento febril.
E, um dia, quando algum deles for milionário, vai se lembrar que foi lá que tudo começou.
Vai ecoar para sempre aquele grito, vindo do alambrado, em meio à poeira e o brilho do sol da manhã. "Bebe água, meu filho, não vai se desidratar!"
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