Entenda os motivos e o impacto da alta da inflação no seu bolso
IPCA chega a 0,83% em maio, o maior para o mês em 25 anos; índice já acumula aumento de 8,06% no período de 12 meses
Renda Extra|Do R7
A inflação deu mais um salto no mês passado e levou o mercado a aumentar o nível de preocupação com seu avanço. Sob pressão de preços monitorados pelo governo, como a energia elétrica e os combustíveis, mas também de aumentos acima do previsto em outros itens da cesta de consumo das famílias, o IPCA, índice oficial de inflação do país, ficou em 0,83% em maio, maior resultado para o mês desde 1996, segundo os dados divulgados pelo IBGE nesta quarta-feira (9).
Os analistas alertam que a inflação está mais alta, mais disseminada e mais duradoura do que se estimava anteriormente. O resultado de maio ficou acima até mesmo das previsões mais pessimistas de economistas, que projetavam uma inflação entre 0,65% e 0,76%. A taxa acumulada pelo IPCA em 12 meses subiu a 8,06% em maio, ante uma meta de inflação de 3,75% perseguida pelo Banco Central ao fim deste ano (com margem de tolerância de 1,5 ponto para mais ou para menos).
Com esse resultado, os economistas estão revisando para cima suas previsões de inflação para o ano e também elevando as estimativas para a taxa de juros - a ferramenta usada pelo Banco Central para tentar conter a alta de preços. “O índice está alto e causa preocupação. Isso deve levar o Banco Central a continuar a subir a taxa de juros”, disse o economista-chefe do Banco Itaú, Mário Mesquita. A Rio Bravo Investimentos elevou sua projeção para a taxa Selic de 6,25% para 6,50% este ano.
"A inflação mais pressionada parece mais duradoura. Na verdade, está havendo espalhamento. Vemos, pela difusão, que não é concentrado em um item só. O índice de difusão (que aponta a distribuição da inflação pelos diferentes tipos de produtos) ficou em 64% em maio e está rodando acima de 60% nos últimos três meses. Essa questão de custos está muito espalhada em toda cadeia. Os problemas na cadeia de suprimentos impactam a produção de diversos itens", diz Tatiana Nogueira, economista da XP Investimentos. Ela também acredita agora numa taxa Selic de 6,5% ao fim deste ano. Antes, a aposta da XP era de que esse nível só seria atingido em 2022.
“O problema, aqui, é que todo mês a gente está apontando uma surpresa, e ela vem sistematicamente”, ressaltou o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez. “Ainda que a surpresa tenha sido concentrada em combustíveis e alimentação fora do domicílio, no nosso caso, eu estou prestes a revisar o cenário de inflação para cima.”
Após a surpresa com o IPCA de maio, a LCA Consultores já elevou a projeção para a inflação de 2021, de 5,50% para 5,80%, se distanciando cada vez mais do teto de tolerância da meta, de 5,25%. Além da taxa mais "salgada" em maio, a consultoria cita pressões derivadas direta e indiretamente da energia elétrica. No mês passado, a LCA já tinha elevado a projeção para o IPCA de 5,0% para 5,50%, por conta do cenário hídrico mais desafiador, à alta mais forte de commodities e à expectativa de aquecimento maior da atividade no segundo semestre.
“O quadro qualitativo da inflação está realmente muito preocupante”, disse o economista do Banco ABC Brasil Daniel Lima, que já espera uma “revisão relevante” do cenário de inflação do banco para 2021, de 5,4% para perto de 6%. “Os serviços tiveram deflação menor do que o esperado (-0,15%), puxados pela alta da alimentação fora do domicílio (0,98%). Em tese, essa parte deveria ajudar mais, deixando a inflação em um modo mais moderado”, acrescentou.
A economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória, deve elevar um pouco menos sua projeção para o IPCA de 2021, de 5,30% para 5,40%. Embora reconheça que o resultado final do ano ainda possa ser um pouco mais elevado, ela espera que a recente valorização do real ante o dólar ajude a conter aumentos de preços no segundo semestre deste ano.
"O cenário de inflação se deteriorou nos últimos meses. Ressaltamos que ainda é muito concentrado em bens comercializáveis, um choque de oferta. É uma inflação mais alta que vem de vários choques. Ainda perdura, porque a economia não se normalizou", disse Vitória.
Em maio, a energia elétrica subiu 5,37%, devido à entrada em vigor da bandeira tarifária vermelha patamar 1, que aumenta a cobrança adicional sobre a conta de luz, em substituição à bandeira amarela em vigor em abril. Além da mudança na bandeira tarifária, ocorreram reajustes em diversas regiões pesquisadas, apontou o IBGE.
As famílias também gastaram mais com o gás encanado e o gás de botijão, que já acumula uma alta de 24,05% em 12 meses consecutivos de aumentos.
A gasolina subiu 2,87% em maio, acumulando um aumento de mais de 45% em 12 meses. Apenas as altas da gasolina e da conta de luz responderam por quase metade da inflação do mês. Também houve elevação nos preços do gás veicular, etanol e óleo diesel.
Na alimentação, as frutas ficaram mais baratas, mas houve nova rodada de altas nos preços das carnes e da alimentação fora de casa. Também pesaram mais no bolso do consumidor os medicamentos, plano de saúde, itens de vestuário e artigos de residência.
Sem pressão de demanda
Apesar dos aumentos disseminados, ainda não há sinais de pressão de demanda sobre a inflação, defende Pedro Kislanov, gerente do Sistema Nacional de Índices de Preços do IBGE. Segundo o pesquisador, embora haja um cenário de recuperação da economia, o mercado de trabalho ainda mostra desemprego elevado e renda comprimida.
“Não dá para falar em inflação de demanda não. Ainda temos um contexto de desemprego alto e renda comprimida”, ressaltou Kislanov. “Serviços tiveram queda.”
Dentro do IPCA, a inflação de serviços - usada como termômetro de pressões de demanda sobre a inflação - arrefeceu de uma alta 0,05% em abril para uma deflação de 0,15% em maio, sob influência da queda nas passagens aéreas (-28,33%), mas também de itens importantes no orçamento das famílias, como aluguel residencial (-0,20%) e condomínio (-0,24%).
“Por outro lado, teve aceleração em alimentação fora e transporte por aplicativo, que vinha de uma queda expressiva. A gente tem notado que esse item tem uma relação forte com as medidas restritivas da pandemia, ele tende a ter deflação. Quando há melhora do cenário e maior mobilidade das pessoas, a gente tem uma maior alta de preços”, afirmou Kislanov.
Influência do auxílio emergencial
Para o gerente do IBGE, ainda não há clareza sobre a influência da volta do pagamento do auxílio emergencial sobre a inflação, mas é possível que o retorno do benefício tenha gerado uma demanda por bens pontuais, em atividades como vestuário, artigos de residência e alimentos, que tiveram alta de preços em maio.
“Pode ter algum efeito, algumas famílias podem direcionar esses recursos para a compra desses itens, mas não tenho como afirmar que isso está acontecendo”, disse Kislanov. “De maneira geral, como a gente teve alta em grupos que vinham em queda, como vestuário e artigos de residência, pode haver alguma influência do auxílio emergencial”, afirmou.
A inflação de itens monitorados pelo governo acelerou de 0,38% em abril para 2,11% em maio. A contribuição dos bens e serviços monitorados sobre a inflação de maio foi de 0,55 ponto porcentual, ou seja, cerca de 66% do IPCA.
“Foram, principalmente, os administrados que pesaram neste mês (sobre o IPCA): energia elétrica e gasolina”, garantiu Kislanov.
O índice de difusão do IPCA, que mostra o porcentual de itens com aumentos de preços, desceu de 66% em abril para 64% em maio. A difusão de itens alimentícios caiu de 67% em abril para 60% em maio, enquanto a difusão de itens não alimentícios subiu de 64% para 68%.