A morte de Alline é uma porrada em internautas sádicos e cruéis
Deveria haver um algoritmo que denunciasse os que postam maldades, para que fossem bloqueados, censurados, expulsos do convívio digital
Rio de Janeiro|Marco Antonio Araujo, do R7
A tragédia da influenciadora digital Alline Araujo não é um caso isolado. O suicídio de jovens tem se mostrado um fenômeno mundial que especialistas em saúde já consideram epidêmico. Embora, no geral, o número de pessoas que tiram a própria vida tenha sofrido queda, o mesmo não acontece na faixa de vítimas entre 15 e 14 anos, em que a letalidade aumentou cerca de 24% nos últimos anos.
É inescapável lembrar que essa faixa etária nasceu e atravessa adolescência e juventude sob uma onipresente e sufocante cultura tecnológica. Esse ambiente é distópico, imaterial, “líquido” e desprovido de presença e afeto físicos.
Nele prevalecem a busca compulsiva de likes, a vida social transferida para os aplicativos em rede e uma superexposição muitas vezes voluntária – com a consequente vulnerabilidade ao julgamento do Tribunal da Inquisição da Internet.
Diante de fragilidades ou deslizes humanos, mesmo mínimos, qualquer um de nós torna-se presa fácil de um doentio, psicótico, cruel e assustador massacre digital (tão descoordenado e arbitrário que, a partir de certo estágio, toma proporções avassaladoras).
Não há como evitar sucumbir ao desespero e à impotência de receber uma avalanche de comentários maldosos, ofensas baixas e ameaças criminosas. É assim que se manifesta o lado sombrio da internet, majoritário e insaciável.
Para cada corrente de solidariedade que se insinua, uma horda de chacais e hienas de imediato avança, sempre com fúria desproporcional e um sadismo que destroça qualquer esperança na humanidade.
O caso de Alline teve a potência de encurralar e desmascarar os canalhas e egoístas, os covardes anônimos que encontram tempo em suas vidas miseráveis para exercitar as mais abjetas perversões. Ocuparam seu ócio maltratando uma pessoa em situação tão extrema de dor, abandono e fragilidade.
A blogueira sofria de depressão. Já temos informação suficiente para saber que se trata de uma doença terrível, ardilosa, muitas vezes invisível. A depressão é uma arma, um revólver esperando que algo ou alguém aperte o gatilho. Na internet, nunca faltam carrascos.
Porém, na morte de Alline, muitos seres abjetos, lodosos, cínicos, que se julgam engraçadoss ou divertidos, levaram uma porrada, um nocaute fulminante: em menos de 24 horas, suas mãos, seus teclados, ficaram cobertos de sangue. Eles sabem. Os comentários ofensivos foram apagados e deram lugar a mensagens de solidariedade. Culpa. Que bom.
Talvez a moça tivesse se matado da mesma forma, sem o cyberbullying que sofreu? Jamais saberemos. Mas temos consciência absoluta de que muita gente sabe o que fez. Alguns se arrependeram. Que mudem a partir disso.
Mas outros virão. É um tsunami de ódio e rancor o que paira sobre nós. Estamos de quilha nessa onda. Ela avança.
As redes sociais deveriam ter um algoritmo que denunciasse usuários que postam crueldades. Deviam ser bloqueados. Sim: censurados. Expulsos do convívio digital. Gente sórdida. Por que não se matam?